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Por que estão falando tanto de… quit-tok

Por que estão falando tanto de… quit-tok

Muito distante do quiet quitting, a prática de publicar vídeos que mostram a própria demissão nas redes sociais ganhou popularidade entre a fatia mais jovem da atual força de trabalho. O quit-tok, trend que já soma muitos adeptos no TikTok, mostra como estamos diante de um novo perfil profissional – e um novo desafio para o RH.

Como o Gympass dobrou a satisfação do time ao adotar o trabalho flexível

Espalhada por 11 países, empresa começou a funcionar de maneira remota na pandemia e não parou mais; política ajudou a aumentar engajamento e reduzir pedidos de demissão pelos colaboradores

Giovanna Wolf
17 de abril de 2024
Leia emminutos
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Com quase 2 mil colaboradores em 11 países, o Gympass (que se tornou Wellhub após rebranding no início de abril) não teve como renegar o trabalho remoto: a comunicação a distância entre os times é uma realidade inevitável para a empresa. As novas dimensões da startup, aliadas à experiência de home office imposta pela pandemia, evoluíram hoje para um modelo flexível de trabalho, com uma política estruturada nos moldes de uma organização global. 

Segundo pesquisa conduzida internamente pelo Gympass, a empresa dobrou a satisfação dos funcionários nos últimos dois anos, aumentou o engajamento em 43% e viu uma redução de 69% na rotatividade voluntária. Para Renato Basso, vice-presidente de pessoas do Gympass, os resultados compensam os desafios: “Do lado do time de RH, dá mais trabalho sermos mais transparentes e claros. Mas é impressionante: uma vez que você trata as pessoas como adultos responsáveis, elas agem como adultos responsáveis”, afirma. 

Na entrevista a seguir, Basso detalha a política de trabalho flexível da empresa e confronta os argumentos que mais aparecem nas críticas aos modelos híbrido e remoto. E alerta: não há solução única. “O que funciona para a gente não é absoluto, mas pode funcionar para outras organizações que tenham mentalidade parecida”, diz o executivo. 

O que queremos incentivar é que as pessoas tomem para si a responsabilidade de como trabalhar. Nos nossos processos, queremos ser cada vez menos prescritivos e mais flexíveis para que o trabalho se adapte melhor à realidade de cada um, considerando aspectos de saúde e bem-estar.

Como foi a implementação do modelo flexível no Gympass?

Inicialmente, foi algo forçado pela pandemia. Sempre tivemos no nosso DNA uma mentalidade de empoderamento, flexibilidade e responsabilidade dos indivíduos, mas não havia uma política formal de trabalho flexível. Com os escritórios fechados e pela característica da organização, dado que não temos centros de distribuição ou fábricas, por exemplo, foi natural e pouco complexa a transição para o modelo totalmente remoto. Em um segundo momento, começamos a pensar em como formalizar o que acreditamos conceitualmente. No final de 2023, anunciamos a política de como seria o trabalho dali em diante. 

Quais são os detalhes dessa política?

Chamamos nosso modelo de “flexible hybrid first” (flexível e híbrido em primeiro lugar, na tradução livre do inglês) – ou seja, não é um trabalho completamente remoto. O colaborador pode ir ao escritório até 3 vezes por semana. O nosso racional é de que você “pode ir”, diferentemente de muitas políticas existentes no mercado que obriga o funcionário a trabalhar determinada quantidade de dias presencialmente.  O que queremos incentivar é que as pessoas tomem para si a responsabilidade de como trabalhar. Nos nossos processos, queremos ser cada vez menos prescritivos e mais flexíveis para que o trabalho se adapte melhor à realidade de cada um, considerando aspectos de saúde e bem-estar.

Há exceções dentro deste modelo? Lideranças também entram no esquema? Há regras diferentes para cada área?

A política é a mesma para todos os colaboradores: as decisões devem ser tomadas mediante responsabilidade individual e alinhamento do colaborador com seu líder e com o time de RH. Temos que ser flexíveis também na forma como atacamos esses desafios, considerando as particularidades das dinâmicas – o que funciona para o time comercial não necessariamente vai funcionar para o marketing. Por isso, há funções na empresa que atuam de forma 100% remota, como alguns profissionais de tecnologia e recrutamento. Temos a exceção do presencial também. Em alguns escritórios nossos em Miami e Nova York, por exemplo, focamos em funções de desenvolvimento de negócios, que entram em contato ativamente ou reativamente com possíveis clientes. Nessas posições, principalmente para quem está no começo da carreira, o trabalho em conjunto no escritório beneficia substancialmente o crescimento em grupo. Nesses casos, os colaboradores terão que ir presencialmente três vezes por semana. 

Considerar as particularidades parece exigir um grande esforço de gestão. É mais difícil ser uma empresa flexível?

Do lado do time de RH, dá mais trabalho sermos mais transparentes e claros. Mas é impressionante que, uma vez que você trata as pessoas como adultos responsáveis, elas agem como adultos responsáveis. Existe uma falsa sensação de controle, que é antiquada. Se você não está avaliando as pessoas pelo que você espera que elas entreguem, você vai estar medindo pelo tempo. Sabe qual a diferença? As pessoas vão espaçar as entregas – isso não é produtividade. Deveríamos oferecer possibilidades para as pessoas encaixarem a jornada de trabalho da melhor forma na vida delas, com parâmetros, transparência, comunicação e estratégia. É um trabalho de constante evolução, de ouvir, de incentivar as pessoas a falarem, de se colocar vulnerável como líder e de saber que não temos todas as respostas. Fazer gestão, mesmo que pessoalmente, não é fácil.

Leia também: Como a startup Marfin implementou e abandonou a semana de quatro dias

O que seria agir como um adulto responsável? 

É uma relação de confiança mútua, de as pessoas terem o reconhecimento de que estão ali porque podem agregar, não porque estão sendo controladas. Temos que ter um alinhamento de onde queremos chegar e de como chegaremos lá – se você vai trabalhar mais de manhã ou mais à tarde, para mim não importa, só não espero que você trabalhe mais tempo do que é esperado, claro. Se estamos entregando valor e as pessoas estão conseguindo casar isso dentro de suas realidades individuais, perfeito. Participe mesmo da vida dos seus filhos, deixe e busque no colégio, sabendo que você tem responsabilidades. Eu faço terapia uma vez por semana, e está lá preso na minha agenda, dentro do horário de trabalho – mas depois eu sou cobrado pelas minhas entregas. 

Muitas das boas ideias surgem nas trocas presenciais despretensiosamente. Não há perda no entrosamento da equipe?

Não perdemos o valor do presencial. Vai fazer um brainstorming? Marca para todo mundo ir ao escritório. Temos um sistema global de reservas para as equipes  reservarem suas cadeiras e salas de reunião — e quando fazemos um evento obrigatório, custeamos a ida das pessoas que são contratadas em modelo de contrato híbrido e não estão na cidade que temos escritório. No final das contas, é abrir os espaços e garantir que as pessoas estão presentes para usufruir desses momentos. Não vamos ao escritório para ter várias reuniões por vídeo com gente que não está lá. Na verdade, teríamos que aprender de qualquer maneira a nos comunicarmos a distância – a complexidade da nossa organização iria nos empurrar de qualquer forma para aprender a trabalhar remotamente. Somos empresa de 2 mil pessoas em 11 países, com mais de 36 nacionalidades. 

O Gympass tem registrado um crescimento de dois dígitos ao ano na carteira de clientes, e foi uma das poucas empresas que fizeram rodada de investimentos  em 2023 sem diluição na avaliação de mercado. É possível de alguma forma relacionar esses resultados recentes ao modelo de trabalho flexível?

É muito difícil para qualquer empresa fazer essa conexão de forma direta. Com base nas nossas pesquisas de engajamento, podemos dizer com certeza que o modelo de trabalho flexível contribuiu para as pessoas estarem mais felizes. Nossos estudos também mostram que pessoas felizes produzem mais – é uma boa correlação. No caminho que acreditamos, que está alinhado à nossa cultura, estamos na direção certa.  

Como manter a cultura da empresa no trabalho flexível?

Apesar de o modelo exigir um esforço maior para as pessoas interagirem, não acho que isso impacte negativamente a cultura. Se os líderes não estão dando o exemplo remotamente, por que eles dariam o exemplo no escritório? As pessoas confundem o que é cultura. Não é algo tangível, não é algo que você consegue mudar com valores em uma parede. A cultura nada mais é do que a vivência dos valores da organização – são as atitudes do dia a dia. Se isso não existe, não vai existir pessoalmente nem remotamente. 

Giovanna Wolf é jornalista formada pela USP. Foi repórter de tecnologia e inovação do Estadão, e passou pelas redações das revistas Época e Casa e Jardim. Atuou em relações públicas como sócia-diretora da agência Ovo Comunicação.