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Como o Grupo Dreamers fez da diversidade uma força central e estratégica

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Holding formada por 18 empresas, como a agência Artplan e a RockWorld – operação que é sócia do Rock in Rio, Lollapalooza e The Town -, busca garantir representatividade dos escritórios aos palcos; para Debora Moura, head de diversidade e inclusão da empresa, papel do RH é mostrar que tema não é ‘bicho de sete cabeças

Em meio a conflitos globais, contratação de refugiados entra na pauta de grandes empresas

População de 700 mil refugiados no Brasil abre espaço para programas que privilegiam diversidade e responsabilidade social; segundo executivos, adaptação cultural e requalificação são pontos sensíveis, mas contratar grupo não é "bicho de sete cabeças"

Bruno Capelas
3 de abril de 2024
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Ao longo dos últimos dez anos, uma triste estatística se espalha pelo mundo: segundo dados da Organização das Nações Unidas (ONU), o número de pessoas deslocadas de suas casas mais que dobrou, chegando a uma população global de 114 milhões de indivíduos em setembro de 2023. Uma parcela pequena mas significativa desse grupo está alocada no Brasil: ao todo, o País recebe pouco mais de 700 mil refugiados. 

A maioria vem de países próximos, como Venezuela, Haiti e Cuba, mas também há índices significativos de afegãos, angolanos e sírios que chegam por aqui buscando um novo recomeço de vida. Entre os muitos desafios, essa jornada passa pela conquista de um emprego, muitas vezes prescindindo da receptividade das empresas locais. Para as organizações, por outro lado, a contratação de refugiados é uma forma de compreender novos recortes de diversidade, ampliar sua conscientização e exercer a solidariedade e a responsabilidade social. 

A contratação de refugiados é uma forma de compreender novos recortes de diversidade, ampliar sua conscientização e exercer a solidariedade e a responsabilidade social.

Na rede hoteleira Accor, por exemplo, a contratação de refugiados está na pauta desde 2017, embora a cultura de ter pessoas de vários países esteja no DNA da empresa há décadas. “Na Europa, é muito comum ter times de 30 ou 40 nacionalidades trabalhando juntos. Já aqui no Brasil, passamos a receber e contratar um fluxo maior de pessoas devido às questões na Venezuela”, conta Fernando Viriato, vice-presidente sênior de Talento & Cultura da Accor nas Américas. Ao todo, hoje a companhia emprega cerca de 100 pessoas refugiadas no Brasil – sendo 49% de venezuelanos e 35% de angolanos, diz a companhia. 

Fernando Viriato, Vice-presidente Sênior de Talento & Cultura da Accor nas Américas.

Desde 2021, a empresa tem um programa formal para o treinamento de refugiados – o projeto originalmente seria lançado no ano anterior, mas foi interrompido por conta da pandemia. Durante a capacitação, os participantes recebem 12 horas de formação em temas de hotelaria e recebem apoio na elaboração de currículos, incluindo aulas práticas. Quem demonstra habilidades e interesse ganha a chance de passar por mais dias de teste e pode ser contratado ao final do curso ou ter seu currículo compartilhado com outras redes hoteleiras próximas – ao todo, mais de 130 pessoas passaram pelo treinamento entre 2022 e 2023, com percentual de contratação em torno dos 25%

Segundo Fernando Viriato, 70% dos refugiados contratados pela Accor está concentrada em grandes centros urbanos, como São Paulo, Rio de Janeiro, Curitiba, Belo Horizonte e Salvador. “Para assentar bem um refugiado, não basta só arranjar emprego: é preciso pensar em moradia, na família dele, no ambiente ao redor, não dá para ser uma ação isolada. É preciso fazer um guarda-chuva de programas e isso é mais simples numa metrópole do que em uma cidade de 70 mil habitantes no norte do Mato Grosso ou no interior do Rio Grande do Sul”, explica. Pesa ainda o fator de que são áreas onde as equipes e os arredores estão mais preparados para acolher as diferenças. 

Para o executivo da Accor, é importante sempre treinar bem as equipes e os líderes que vão ficar próximos aos refugiados. Ele também reforça a importância de dar oportunidade para pessoas em busca de requalificação profissional – muitos refugiados chegam ao Brasil sem poderem praticar suas profissões, por seus diplomas emitidos nos países de origem não serem válidos por aqui. 

As empresas precisam entender seu papel na reconstrução da vida das pessoas. É importante saber que é apenas uma passagem e fazer avançar o sonho delas.

Hoje, para revalidar um diploma, as pessoas refugiadas precisam passar por testes feitos apenas por universidades públicas. “Aos poucos, muitas universidades criaram isenções ou facilitações, mas ainda é uma jornada longa. Além disso, muitas pessoas refugiadas chegam aqui sem documentos, o que deixa esse processo ainda mais complexo”, ressalta Paulo Almeida, oficial de Meios de Vida e Inclusão Econômica do Alto-comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR) no Brasil.

Na visão de Viriato, as empresas precisam entender seu papel na reconstrução da vida das pessoas. “É importante se comprometer a ajudar a pessoa se ela tem interesse. Anos atrás, tivemos um médico cujo diploma não valia nada no Brasil. Demos emprego enquanto ele se preparava para a prova. Depois que ele passou, fizemos uma festa de despedida e agradecemos seu esforço. É importante saber que é apenas uma passagem e fazer avançar o sonho das pessoas”, diz. 

Meio de campo

Para empresas que não têm um programa de contratação de refugiados, um bom primeiro passo é entrar em contato com a ACNUR, responsável por dar suporte a essa população aqui no Brasil. A principal iniciativa da entidade no âmbito do trabalho é o Fórum Empresas com Refugiados, que reúne cerca de 80 empresas compartilhando boas práticas e aprendizados, além de um marketplace de vagas separadas por Estados e municípios. “O objetivo é fazer com que as empresas engajadas possam adquirir conhecimento e ter a experiência de contratação de maneira mais inclusiva, além de ser um fator de disseminação para outras empresas. Quem contrata refugiados conta pros pares, pros fornecedores, pras associações, e com isso atraímos mais empresas”, diz Paulo Almeida. 

Paulo Almeida, Oficial de Meios de Vida e Inclusão Econômica do ACNUR no Brasil.

“Contratar um refugiado não é um bicho de sete cabeças. Do ponto de vista documental, o processo é parecido, uma vez que a pessoa que entra no Brasil recebe um documento de identificação”, explica o representante da ACNUR. Almeida, no entanto, lembra que nem sempre é fácil acessar a população refugiada, de maneira que muitas companhias se conectam a ONGs ou ao Fórum para facilitar o processo. Ele lembra ainda que empresas interessadas precisam ser mais flexíveis na hora de recrutar. “Muitas vezes, o refugiado está recomeçando sua vida e não vai ter como comprovar experiência ou referências prévias, então as empresas precisam ter isso em mente”, diz. Por outro lado, ele ressalta que os refugiados podem trazer muitas habilidades interessantes para as companhias – como a adaptabilidade ou a proficiência em vários idiomas. 

Os refugiados podem trazer muitas habilidades interessantes para as companhias – como a adaptabilidade ou a proficiência em vários idiomas. 

Almeida também ressalta que, além do número de conflitos atuais ser o maior desde a Segunda Guerra Mundial, o Brasil também tem recebido uma grande quantidade de refugiados nos últimos anos – em especial, por situações complexas em países fronteiriços. “A pessoa refugiada não escolhe para onde vai, ela só tenta sair de uma situação que causa risco à sua vida e à sua família, e aí os países próximos geralmente recebem um fluxo maior”, afirma o representante da ACNUR. 

Ele acrescenta que o índice de desemprego e de informalidade entre os refugiados se encontra acima da média da população local – e se torna ainda pior quando considerados recortes de gênero e etnia. “Não existe uma única persona refugiada, mas perfis complexos. Há um número grande de famílias lideradas por mulheres chegando ao Brasil, enfrentando a desigualdade de gênero: se já é uma situação difícil para brasileiras, imagina para as pessoas refugiadas”, diz. Ao mesmo tempo ele vê muito espaço para que o país siga sendo receptivo a esse público – vale lembrar que o Brasil tem hoje um grupo de refugiados que corresponde a menos de 0,5% de sua população total. 

Adaptação cultural

Uma das empresas que aderiram recentemente ao Fórum é a Cobasi, que iniciou em 2023 seu programa de contratação de refugiados, na esteira de outras iniciativas de diversidade. Para contatar essa população, a empresa conta com a ajuda do Instituto Adus, responsável não só por encontrar candidatos, mas também ajudá-los na legalização de sua situação no país e até em orientações para entrevistas. A ONG também oferece orientação para os times que vão receber as pessoas refugiadas, como conta Ana Luiza Elene, diretora de gente e gestão da varejista. “É um pilar muito importante trabalhar a sensibilização da diversidade dentro da companhia”, diz a executiva. 

Ana Luiza Elene, Diretora de Gente e Gestão da Cobasi.

Desde o início de 2023, já passaram pela Cobasi cerca de 84 refugiados – 54 deles ainda permanecem no time, todas com vagas nas áreas de operação da empresa. “As lojas acabam sendo a porta de entrada para o maior volume de vagas que a gente tem, mas não existe um processo hierárquico da vaga que o refugiado pode entrar”, afirma Ana Luiza, que diz receber um número expressivo de pessoas vindas de países como Angola, Venezuela e Congo. 

Segundo Ana Luiza, um dos principais desafios na contratação de refugiados está no aspecto psicológico. “São pessoas que chegam aqui muito sensibilizadas, às vezes literalmente com a roupa do corpo”, diz a diretora da Cobasi. Outro é a adaptação cultural, o que pode envolver aspectos legais e religiosos, muitas vezes. A executiva cita como exemplo o caso de um colaborador que, ao ter um falecimento na família, ficou de luto religioso por vários dias, sem se comunicar com a loja – a ponto das lideranças ficarem sem saber se ele havia desistido da posição. 

“Nossa lei diz que se pode ter três dias de abono, então a gente ficou em dúvida com o sumiço desse colaborador, até que ele voltou e explicou a situação. Precisamos saber como conduzir e ter sensibilidade, uma habilidade na conversa e no diálogo”, opina ela, que enxerga na solidariedade dos times um ponto positivo nessa trajetória de adaptação.  “Não é obrigação de ninguém, mas já vi casos de muitos times se movimentando para ajudar as pessoas a montar casa, comprar geladeira, fogão, o que é muito bonito de ver.”

Sensibilidade também é a palavra de ordem dentro da fabricante de tubos e conexões Amanco Wavin, que também faz parte do Fórum Empresas com Refugiados há alguns anos. Na indústria, o programa de recepção aos refugiados começou em 2021, em uma parceria com ACNUR e também com a ajuda de ONGs. Hoje, porém, o projeto anda com as próprias pernas, com destaque para o cuidado na hora da seleção e integração do colaborador. 

O refugiado passa pelo mesmo processo que um candidato brasileiro, mas com olhar diferenciado em relação à experiência e atuação. Alcançamos um nível de sensibilização para que o candidato tenha dúvidas esclarecidas a respeito dos benefícios, que, muitas vezes, não são os mesmos oferecidos no país de origem”, diz Julia Gamba, diretora de pessoas da Amanco Wavin. Atualmente, a companhia tem 40 refugiados contratados pelo programa, atuando em áreas como produção fabril e logística, além de alunos aprendizes nas áreas administrativas, nas plantas de Sumaré (SP) e Joinville (SC). 

Julia Gamba, Diretora de Pessoas da Amanco Wavin.

Para ela, a empresa é responsável por ajudar os colaboradores imigrantes a entender aspectos culturais da vida e do trabalho locais. Julia cita como exemplos o fato de que muitos não se vacinaram na época da Covid-19 por não saberem que a imunização no Brasil era gratuita, ou ainda o de um colaborador que pedia o “passe”, mas se referia ao crachá – e não ao vale-transporte, que costuma ser um sinônimo da palavra acima. “São conhecimentos básicos, mas que viram questões na vivência do refugiado aqui”, ressalta. “Nosso objetivo é seguir ampliando essa inclusão”.

Importância dos programas

Na visão da executiva da Amanco Wavin, a contratação de refugiados ajuda a companhia a ecoar seus valores e propósitos na prática. “A inclusão de pessoas refugiadas no mercado de trabalho nos permite reafirmar nossa postura como negócio e o compromisso com esse valor”, diz Julia Gamba. Ana Luiza Elene, da Cobasi, por sua vez, afirma que a recepção de refugiados não só tem um cunho social, mas também auxilia na sensibilização das equipes. “Esse olhar de cuidado e sensibilidade faz parte da estratégia da companhia e tem contribuído muito para o ambiente dentro da empresa”, diz. 

Já Fernando Viriato vê benefícios na prática para dentro e para fora da empresa. “Internamente, trazer gente que pensa diferente é bom, buscando soluções diferentes pros problemas. Além disso, hoje as pessoas e os colaboradores são atraídos por causas. Se você cuida do planeta, vai ter quem reconheça isso. O mesmo acontece com o time: os clientes reparam se tem deficiente, se tem transgênero, se tem refugiado, e isso é muito rico”, diz o executivo da Accor. “O mais importante que as empresas precisam saber é que toda organização pode receber refugiados, não é difícil fazer e gera um resultado enorme.”

Bruno Capelas é jornalista. Foi repórter e editor de tecnologia do Estadão e líder de comunicação da firma de venture capital Canary. Também escreveu o livro 'Raios e Trovões – A História do Fenômeno Castelo Rá-Tim-Bum'.