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Como é o programa para contratar mulheres 40+ na Comgás

Criado em 2022, Mulheres de Talento 40+ teve 4,2 mil inscrições; mais do que atrair talentos, iniciativa busca abrir caminho para contratações mais diversas e gerar exemplos para a liderança, sociedade e outras organizações

Bruno Capelas
11 de outubro de 2023
comgas programa para contratar mulheres 40
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Programas de atração de talentos com vagas afirmativas têm se tornado cada vez mais recorrentes no universo do RH no Brasil. Mas, normalmente, essas iniciativas costumam ficar restritas a um único recorte de diversidade. Não é o que aconteceu na Comgás, que lançou no ano passado um programa especial para atrair mulheres acima dos 40 anos. Chamado de Mulheres de Talento 40+, o programa teve procura acima do esperado: foram 4,2 mil candidatas inscritas para 10 vagas – uma competição superior à de muitos vestibulares.

“Sentimos que havia uma carência de iniciativas para esse público, que é muito qualificado, mas às vezes não tem tanta experiência. Muitas mulheres param de trabalhar para cuidar dos filhos, outras optam por seguir os maridos pelo Brasil, algumas nunca trabalharam”, diz Letícia Grossi, Diretora de Pessoas da Comgás, que contou com o apoio da consultoria Maturi para elaborar o programa. A procura foi tão grande que a Comgás resolveu oferecer palestras e workshops para todas as mulheres inscritas.

As dez candidatas selecionadas – quase todas acima dos 50, destaca a executiva – estão trabalhando desde janeiro de 2023 e a primeira edição do programa vai acompanhá-las de perto até o final do ano que vem. “Queríamos colher os aprendizados de um ciclo inteiro antes de começar de novo”, explica Letícia. Mais do que apenas atrair talentos, porém, a meta do programa é incentivar a liderança, a sociedade e outras organizações a olharem para diferentes públicos na hora de contratar.

Na entrevista a seguir, Letícia detalha como foi a construção do programa e a adaptação das 10 selecionadas dentro da Comgás, levando em consideração temas como hierarquia invertida e tecnologia. Além disso, ela também fala mais sobre como a iniciativa tem ajudado a companhia a se tornar mais diversa: hoje, dos 1,1 mil colaboradores, 36% são mulheres – já na liderança, elas ocupam 44% dos cargos. A fatia da empresa acima dos 50 anos também subiu de 7% para 10% desde a criação do Mulheres de Talento 40+.

Para começar: Letícia, como nasceu o Mulheres de Talento 40+? Por que vocês sentiram a necessidade de endereçar uma ação para esse público em específico?

Fomentar a diversidade é um valor inegociável aqui na Comgás. Já tem algum tempo que começamos uma jornada para ter mais mulheres na liderança, ao mesmo tempo que sentimos que nossa empresa também necessitava ter profissionais mais maduros, até para impulsionar nosso mix geracional. Estávamos na época construindo o programa de trainee e então pensamos: por que não fazer um programa de trainee afirmativos para mulheres?

Na época não havia muito benchmark. E aí nos perguntamos: como seria trazer mais um recorte de diversidade para o programa, buscando mulheres mais velhas? Começamos a conversar com mulheres, fizemos um grupo de pesquisa com pessoas que estavam nessa faixa etária acima dos 40 anos, muitas vezes do 50 anos, e sentimos que havia uma carência de iniciativas para esse público. Muitas mulheres param de trabalhar para cuidar dos filhos, outras optam por seguir maridos rodando o Brasil e não conseguem se recolocar, tinha mulheres que nunca trabalharam… E sempre encontramos muitas mulheres qualificadas, muito qualificadas. E foi assim que surgiu o programa.

Quando foi o começo da elaboração do projeto?

Começamos o processo seletivo no meio do ano passado, nos apoiando em uma consultoria especializada em talentos maduros, a Maturi. Como era a primeira vez que a gente estava fazendo esse tipo de programa, a gente optou por fazer um processo de seleção mais lento, com muito mais cuidado. Ficamos quase seis meses em processo seletivo, tivemos 4,2 mil inscritas, foi uma loucura, até porque a gente só tinha 10 vagas. E de pensar que no começo a gente não sabia nem onde ia encontrar essas mulheres. Num programa de trainee, a gente vai nas faculdades, usa o LinkedIn… mas como você vai achar no LinkedIn alguém que está fora do mercado? Quando fizemos o piloto, vimos que existe um potencial enorme e inexplorado pelas organizações de mulheres qualificadas e prontas para ingressarem no mercado.

Como foi a comunicação para achar essas pessoas, dado que nem todas elas estão no LinkedIn?

Lembro bem que, quando criamos o programa, meu gestor me perguntou onde eu ia encontrar esse público – e eu respondi que não sabia, mas que ia achar. São pessoas que existem, e começamos por lugares até mais simples: grupo de mães, grupos de condomínio…Além disso, foi aí que veio a ideia de entrar com uma empresa parceira que conhece o público maduro, que é a Maturi, que participa em feiras e faz eventos. Nós fomos em muitas feiras de recolocação para público maduro procurando trabalho e com vontade de mostrar seu melhor. Todas lotadas de gente.

E como foi a seleção das candidatas?

Primeiro, fizemos uma pré-seleção com ajuda da Maturi com alguns questionários comportamentais para filtrar essa quantidade de pessoas. Depois, trabalhamos com dinâmicas de grupo e demos materiais da Comgás para elas estudarem e se familiarizarem com o nosso negócio. Aí fizemos painéis de dinâmica e depois entrevistas, tanto com o RH como com os gestores, até chegar no grupo final. Além disso, vale dividir aqui: ao perceber esse potencial tão grande de candidatas, nós decidimos dar um programa de desenvolvimento para as pessoas reprovadas também, com um ciclo de palestras sobre orientação de carreira, uso do Linkedin como ferramenta de recolocação profissional e saúde mental. Algumas delas foram até convidadas para conhecer a Comgás. Foi uma responsabilidade que nós sentimos de dar oportunidade para essas mulheres para facilitar a recolocação delas diante de tanta gente qualificada querendo entrar ou voltar ao mercado de trabalho.

Você chegou a comparar o Mulheres de Talento 40+ com um programa de trainee. Como foi a integração dessas 10 mulheres selecionadas na empresa?

Acho que é preciso entender que o programa não é exatamente como um trainee: como a gente foi buscar pessoas que já tinham muita qualificação, muitas tinham faculdade ou até pós-graduação, nós fomos mais assertivos. Abrimos 10 vagas, cada uma em uma diretoria da Comgás, com uma ocupação específica. Todas entraram no nível de analista sênior e nós achamos uma cadeira para cada uma delas, recebendo treinamento, qualificação e exposição, para que elas façam progressão de carreira aqui, sempre acompanhadas pelo time de pessoas e pela liderança.

Nós trouxemos especialistas da Comgás para falar do nosso negócio, do mercado de gás, de transição energética, bem como treinamentos de ferramentas de trabalho, como um curso de storytelling para apresentações de PowerPoint ou de autoconhecimento. Não foi um programa de trainee, mas foi um programa de desenvolvimento moldado para elas – e também para os líderes, que receberam treinamento sobre viés inconsciente, para que elas fossem bem recebidas. Hoje, fazemos um acompanhamento mensal com as mulheres, para irmos coletando aprendizados e entendendo erros e acertos para um futuro programa.

Não foi um programa de trainee, mas foi um programa de desenvolvimento moldado para elas – e também para os líderes, que receberam treinamento sobre viés inconsciente, para que elas fosse bem recebidas.

Os líderes receberam treinamento de viés inconsciente, mas as mulheres interagem com toda a empresa. Elas estão presentes em dois recortes de diversidade, e estão sujeitas a dois tipos de preconceito por muita gente. Como foi a preparação para evitar esse preconceito?

Temos trabalhado diversidade e segurança psicológica lado a lado, mas o aprendizado que eu tenho é que é preciso fazer treinamentos sobre isso todos os anos, porque ainda não é algo que está no DNA das pessoas de forma geral. Além do treinamento de vieses inconscientes com a liderança, nós temos uma academia de diversidade que começou em setembro, o programa Atena, com cursos para 100% dos colaboradores, em todos os níveis. Além disso, estamos coletando dados para entender a nossa população e construirmos melhores planos de ações.

Outra iniciativa que temos é fazer talks sobre todos os recortes possíveis – já fizemos papos recentemente sobre visibilidade lésbica ou mix de gerações. Temos grupos de afinidades e usamos muito os grupos para disseminar o conhecimento e a cultura. Os grupos são importantes para criar esse espaço de segurança psicológica, de troca, para gente aprender. Por outro lado, acho que capacitação e letramento nessa área nunca vão ser suficientes, porque a gente ainda tem muito a aprender.

O programa já tem quase um ano das pessoas selecionadas trabalhando. Nesse sentido, quais foram os principais aprendizados que vocês colheram?

Inicialmente, o programa iria durar um ano e meio, porque pensamos que era tempo suficiente para treinamento. Mas já decidimos estender o programa até o final de 2024, porque achamos que era importante respeitar o tempo nessa questão de diversidade. E o principal aprendizado que a gente colheu vem da liderança: há líderes que tiram essas questões de letra, mas outros precisam ser treinados. E a gente descobriu que o papel do líder é fundamental em qualquer programa afirmativo. Não adianta ter um monte de vontade se o líder não conseguir entregar isso na ponta. Nesse tempo todo, nós estamos acompanhando de maneira próxima para que eles possam fazer o que esperamos deles e também dar tempo para que as mulheres se adaptem, porque muitas delas estão vivendo uma grande mudança de rotina.

A gente descobriu que o papel do líder é fundamental em qualquer programa afirmativo. Não adianta ter um monte de vontade se o líder não conseguir entregar isso na ponta.

Já há um programa aberto para o ano que vem? Quais são os próximos passos?

Não. Achamos importante ter cuidado de fechar esse programa até o final, para entender o aproveitamento dessas mulheres, como elas se desenvolveram, quais foram as dificuldades. Queremos ter esse balanço final para definir como vai ser um próximo programa, até para entender se vai ter recorte de gênero, etário, racial. Quero fazer isso em construção com as mulheres que estiveram aqui e vivenciaram esse primeiro programa. Ainda temos bastante tempo para desenhar os próximos passos.

Dez vagas é um número pequeno para a Comgás, mas imagino que o programa possa ter aberto os olhos dos líderes para trazer mais mulheres e pessoas acima dos 40 anos para o time. Como vocês sentem essa evolução na organização?

Acho que o maior valor desse programa é, sem dúvida, sensibilizar as pessoas. Nós começamos a receber empresas buscando benchmark, relatos de pessoas consumidoras na internet falando sobre o programa. É importante demais isso. Além disso, tivemos esse impacto sim dos líderes olharem para suas vagas e contratarem nos recortes de diversidade com mais tranquilidade. Ter um bom mix de gerações é o melhor benefício que a gente tirou do programa. Quando começamos o programa, tínhamos só 7% de pessoas acima dos 50 anos. Agora, estamos em 10%. Além disso, as lideranças acima dos 50 anos passaram de 7% para 9%, o que é maravilhoso: além de conseguirmos trazer, as pessoas mais maduras também estão se interessando pela Comgás.

Quando começamos o programa, tínhamos só 7% de pessoas acima dos 50 anos. Agora, estamos em 10%. Além disso, as lideranças acima dos 50 anos passaram de 7% para 9%.

Além dessa iniciativa de recorte etário e de gênero, que outras iniciativas a Comgás tem na área de diversidade, especialmente pensando em atração e retenção de talentos?

Hoje não temos um programa específico, mas temos várias iniciativas em diversidade. Temos grupos de afinidade para raça, gênero, LGBTQIAPN+, PCD e geracional. A partir disso, também implementamos políticas de remuneração variável baseadas no aumento de lideranças femininas e de líderes autodeclarados pretos ou pardos na companhia. Isso vale para a empresa inteira, criando um senso de que todos precisam trabalhar juntos. Temos um trabalho com a questão dos nomes sociais nas nossas redes, temos talks para tratar de temas importantes, criando ambiente de segurança psicológica para as pessoas, além da nossa academia de diversidade, que abarca todos os recortes. Um exemplo que temos agora é um programa de carreira para PCDs, buscando trazer o protagonismo e o autodesenvolvimento para esse público. Outra novidade é que repaginamos nosso programa de parentalidade para abarcar todas as famílias, independentemente da orientação sexual, estendendo benefícios para os casais homoafetivos.

No começo, você disse que a Comgás não tinha benchmarks para implementar o Mulheres de Talento 40+. Hoje, vocês são um benchmark. Que conselho você dá para quem quiser implementar uma iniciativa semelhante na sua organização?

Meu principal conselho é envolver a liderança desde o início, ao mesmo tempo que você escuta o grupo afirmativo que você vai trabalhar. Tenho um ótimo exemplo sobre isso: no começo, estávamos chamando o programa de Trainee 40+. E quando começamos as conversas com as mulheres, elas disseram que não gostavam do termo trainee, que se sentiam diminuídas, porque elas já tinham experiência. E foi daí que o nome do programa virou Mulheres de Talento 40+, o nome surgiu do próprio grupo, e isso empoderou muito as mulheres desde o início. Por outro lado, é preciso ouvir os líderes, que vão estar ali no dia a dia, durante a jornada, recebendo esse grupo, porque sem eles a iniciativa não chega ao seu pleno potencial.

Bruno Capelas é jornalista. Foi repórter e editor de tecnologia do Estadão e líder de comunicação da firma de venture capital Canary. Também escreveu o livro 'Raios e Trovões – A História do Fenômeno Castelo Rá-Tim-Bum'.