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People analytics, maternidade e futuro do RH: um papo com Naamisis Campos, CHRO da RD
Com passagens por empresas como Citibank, Claro e Cia de Talentos, executiva conta sua trajetória no RH e divide detalhes sobre cultura, uso de people analytics e visão de futuro dentro da empresa de tecnologia, parte do grupo Totvs
Um olho fixo na tecnologia, o outro vidrado pelas pessoas, talvez seja uma forma não só de descrever o contexto do RH em 2024, mas também a atuação de Naamisis Campos como CHRO da RD. Com quase duas décadas de experiência no RH, a executiva já passou por empresas como Claro e Cia. de Talentos, e há um ano e meio ocupa a cadeira de liderança da área de Pessoas da empresa de tecnologia, adquirida em 2021 pela Totvs por R$ 1,8 bilhão.
Formada em Administração, Naamisis descobriu que queria trabalhar com RH no Ensino Médio, ao ler um livro sobre um headhunter. De lá para cá, passou por várias áreas do RH em diferentes setores. Chegar à indústria de tecnologia, ainda mais em meio a uma gravidez, foi um choque: os indicadores e as prioridades eram diferentes, como se poderá ler a seguir. “Mas o mais importante foi entender que no mercado de tecnologia, as empresas precisam ter as pessoas no centro”, conta a executiva.
Na entrevista a seguir, ela fala sobre sua trajetória na área e como foi conciliar a experiência de assumir o posto de CHRO com a maternidade. A executiva, que prefere ser chamada de Naná, também conta sobre como a RD está usando dados e tecnologia no dia a dia do RH e explica como acalmar os ânimos quando a inteligência artificial entra na conversa.
Uma preocupação que eu tenho é desmistificar algumas visões que assustam as pessoas, que geram uma fantasia de que ninguém vai ter trabalho. Inteligência artificial não é sobre isso, é sobre otimizar nosso tempo com menos esforço e mais produtividade.
Na hora de escolher uma profissão, ninguém parece sonhar em trabalhar como RH. Como foi sua jornada até chegar na área?
Até o segundo ano do Ensino Médio, eu não tinha a menor ideia de que carreira eu queria seguir. Meu pai é policial, minha mãe sempre trabalhou em banco, meu sonho de infância era ser médica, mas de alguma maneira isso se perdeu. No colegial, eu já tinha tido algumas experiências de ser líder de sala, movimentar pessoas, mas não sabia que profissão eu queria ter. Até que peguei um livro na biblioteca do colégio que falava sobre um headhunter dando suporte para um CEO num plano de sucessão. Achei aquilo muito interessante e pensei que queria ser aquela pessoa. Ao estudar, entendi que o nome dessa profissão era RH, com Administração ou Psicologia como caminhos possíveis, e acabei indo para Administração. Durante a faculdade, fui entendendo o que eu queria. Trabalhei em várias áreas, como finanças, operações e marketing, em empresas como o Citibank, mas não me encontrei. Quando saí da faculdade, morei um tempo na Austrália. Quando voltei, falei que queria ir para o RH… e lá se vão 16 anos.
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RH é uma área muito ampla. Por que áreas você passou na sua jornada até chegar à RD?
Comecei na Claro fazendo processo seletivo, nas áreas de recrutamento e seleção, em 2007. Na época, eles estavam transformando o RH para ter pessoas mais generalistas, dentro de um conceito de business partner. Evoluí nesse papel de recrutamento e depois fui para uma consultoria como headhunter, ficando dedicada para essa atividade por uns dois anos. Depois, comecei a expandir, porque também sempre tive paixão por desenvolvimento de pessoas e de carreiras. Na consultoria, havia liberdade para atuar nas áreas que achávamos que fazia sentido, e de repente me vi migrando para área de desenvolvimento de pessoas, virando gerente de RH internamente. Também comecei a fazer coaching. No final do meu período na consultoria, criei e fui co-gestora de um projeto inovador para desenvolver competências socioemocionais em universitários, que existe até hoje, embora tenha mudado bastante. Foi uma experiência bacana porque ali eu não era RH, eu era uma espécie de CEO, olhando para aspectos como desenvolvimento do relacionamento com clientes, para contratos, para finanças. Ao todo, fiquei oito anos na consultoria, e depois tirei um sabático, fiquei uns seis meses no mercado, considerei empreender porque sempre tive vontade, mas por uma questão familiar eu decidi voltar pro mercado.
Você passou por ambientes tradicionais, como mercado financeiro, telecomunicações e consultoria. Como foi chegar a uma startup de tecnologia?
Não vou mentir: inicialmente foi um choque. Depois desse sabático, eu tinha ficado noiva, meu atual marido morava em Curitiba e eu em SP. Precisávamos decidir onde íamos ficar depois de casados. Ele gostava muito de Floripa, que é onde estava a RD. Cheguei a ser aprovada para trabalhar lá em 2018, mas declinei porque na época não havia trabalho remoto. Mas eu adorei o processo seletivo: meu feedback foi que eu nunca tinha participado de um processo no qual eu me sentisse tão desenvolvida, tanto que mantive contato com o diretor da área. Dois anos depois, no final de 2020, ele me acionou de novo e contei que estava grávida, ainda no início da gestação – tanto que ele foi o primeiro a saber, além do meu marido e da médica. Ele foi muito incrível ao longo do processo, o que tem muito a ver com a cultura da RD, e isso me brilhou os olhos. Entrei grávida de 5 meses, já como gerente sênior, mas sem equipe: minha tarefa era me aprofundar no onboarding, mergulhar em cultura, entender o que já tinha sido feito na área e o que tinha acontecido ali dentro. Foi muito bom, mas muito diferente do que eu estava acostumada. Entender o que é um SaaS, como a RD ganha dinheiro e quais indicadores econômicos mais importavam, isso tudo foi um choque. O mais importante, porém, foi entender que no mercado de software-as-a-service, quando falamos de tecnologia, as empresas precisam ter as pessoas no centro, porque os profissionais são altamente qualificados e muito assediados pelo mercado. Na RD, isso é bem explícito: no onboarding, todo mundo aprende a mexer no RD Station Marketing, independentemente da área em que vai atuar. Isso não é cultura na parede, isso é a cultura no dia a dia – até por conta da história da RD, que começou com inbound marketing no Brasil numa época que essa técnica não era popular, então era preciso educar as pessoas. Essa parte de educar o mercado é forte em cada uma das pessoas lá dentro, como também é forte o foco em dados.
Você entrou numa empresa nova grávida, e ao voltar de licença, teve de lidar tanto com a maternidade quanto com um cargo cheio de atribuições. Como foi (e é!) equilibrar essas duas missões?
Eu vivo maluca! Tem gente que se impressiona como a gente dá conta, mas a verdade é que eu 100% não dou conta. É preciso equilibrar os pratinhos e alinhar prioridades sempre que algo acontece. Dito isso, tanto a RD como meu líder na época entendiam muito bem o que eu estava passando. Nós temos um programa de bem estar estabelecido, temos um grupo de afinidade e uma rede de apoio corporativa muito forte. Internamente, eu tive várias conversas para entender como equilibrar tudo, até porque eu passei por um desafio muito específico: ao voltar de licença maternidade, eu tive de assumir temporariamente o cargo de uma par minha em talent acquisition, porque ela tinha saído de licença maternidade. Ao mesmo tempo, na vida pessoal também foi importante ter uma rede de suporte para ser Naná profissional e Naná mãe ao mesmo tempo – ainda mais num cenário em que a gente estava na pandemia, eu voltei no início de 2022 da licença. Logo depois disso, tive um episódio em que meus filhos ficaram internados, eu tive de ficar na UTI uma semana com a minha filha, e o time sempre ciente, dando apoio e avançando. Como faz isso? Com a cultura e com um ponto que a gente trabalha muito que é a segurança psicológica. Ali, eu tive segurança psicológica para ficar 10 dias afastada e, ao voltar, receber carinho e continuar a fazer meu trabalho. Ao mesmo tempo, isso faz as pessoas entenderem que eu sou uma líder humana e também se sentiram confortáveis porque casos assim podem acontecer como todo mundo. Muita gente fala comigo sobre desligamentos pós-licença maternidade e o meu processo foi muito diferente: eu converso, me conecto e uso a maternidade para dar a segurança psicológica para o meu time.
De lá para cá, você assumiu a cadeira de CHRO da RD. Como foi esse processo?
Aqui dentro, a gente tem um modelo de carreira chamado Tour Of Duty, uma declaração de missão, baseada no livro do Reid Hoffmann. É algo que você faz desde o momento em que entra no processo seletivo – e no meu, como próximo passo de carreira, estava a missão de sentar uma cadeira de diretoria/C-Level. Já tinha combinado com meu líder que ele ia me apoiar para desenvolver habilidades e experiências para sentar nessa cadeira, em uma conversa bastante declarada. Isso não necessariamente queria dizer que eu ia sentar na cadeira dele, porque um dos objetivos do Tour of Duty é criar clareza na relação entre empresa e empregado – e entregar sua missão pode não necessariamente fazer você continuar na empresa. O que importava é que ele ia me preparar para essa cadeira. Em julho de 2022, eu assumi o desenvolvimento de pessoas, depois de passar por várias áreas e cobrir a licença maternidade da minha par. Em outubro, meu líder se desligou da empresa e me indicou, o que deu início a uma série de conversas minhas com o Eric Santos [ex-CEO da RD]. Fui sendo inserida em fóruns com papel interino, alguns times passaram a reportar para mim, o que foi muito interessante porque pude me aproximar do C-Level, entender estratégias e conectar objetivos. Também tive uma série de conversas honestas sobre vulnerabilidade, em um processo muito bacana, e que culminou também com o fato de que o Eric não seria meu líder, mas sim o Juliano Tubino, que assumiria como CEO. Voltando no assunto da maternidade, preciso dizer que não foi uma decisão fácil: ser CHRO é um papel de bastante impacto, com muitas viagens e muita demanda. Meus filhos ainda são bastante pequenos, de maneira que essa decisão também foi conversada em casa até chegar às condições para eu assumir a posição.
Você comentou no começo da entrevista que a RD tem um foco muito grande em dados. Como foi a implementação de People Analytics na empresa, considerando que esse é sempre um tema quente em RH?
Essa é uma pergunta sempre recorrente quando falo em eventos, até porque falo bastante sobre esse tema. Muita gente sempre me diz que quer estruturar times inteiros de people analytics e eu sempre pergunto o porquê. No caso da RD, o trabalho começou antes da minha chegada, em 2018-2019, de maneira pequena e para atender dores do negócio. Nessa época, a RD estava crescendo muito e sentiu que precisava de people analytics para entender não só a eficiência de quem chegava, mas também entender como fazer recrutamento mais assertivo, com perfis que mais fizessem sentido naquele momento. Começamos ali a olhar para métricas como turnover e quality of hire (qualidade da contratação), metrificando bem o processo e otimizando as etapas, buscando reduzir tempo de contratação. Em 2021, quando eu cheguei, começamos a olhar mais para eNPS, o que foi todo um processo educativo para fazer as pessoas se sentirem seguras para responder a pesquisa. Era um esforço importante pra gente entender a dor das pessoas, ainda mais por conta do que havia rolado na pandemia. Em 2020, nós chegamos a ter um turnover alto por conta do boom de tecnologia, do assédio de empresas que precisavam se digitalizar e também das empresas internacionais que começaram a contratar no Brasil. Com esses movimentos, nosso processo de gestão de pessoas ficou mais robusto, mas sempre crescendo de maneira gradual para responder às dores do negócio.
E como vocês estão usando People Analytics hoje?
São vários esforços. Em diversidade e inclusão (DEI), começamos a ter indicadores separados por grupos demográficos, entendendo não só a representatividade, mas também temas como turnover ou feedbacks específicos de cada público. Com esses indicadores, a gente consegue direcionar políticas específicas, seja em recrutamento e seleção ou em retenção. De maneira mais geral, também olhamos para performance, entendendo produtividade, workforce planning, headcount, índice de segurança psicológica, assessment das lideranças. Hoje, fazemos tanto alguns estudos estatísticos como análises preditivas. Além disso, essa área também cuida do eNPS, de maneira muito cuidadosa: eu, por exemplo, não tenho acesso à base de dados, para garantir segurança e confidencialidade.
Para muita gente, fazer análise preditiva é o Santo Graal de people analytics. Como vocês estão usando?
Por enquanto, fazemos estudos de turnover, em uma metodologia estatística que usamos para prever a possibilidade de uma pessoa querer deixar a empresa. Mas é importante falar que a gente toma muito cuidado com essa tecnologia: esse dado, que é individualizado, não é gerado a partir de uma pesquisa específica, mas sim de uma combinação de fatores, que geram uma pontuação. Com essa pontuação, nós direcionamos ações, mas as ações não são direcionadas individualmente. Os líderes e gestores diretos das pessoas que aparecem aqui, por exemplo, não tem acesso aos resultados individualizados – o que é importante para manter a confidencialidade e proteger sempre as pessoas. Eu mesma não tenho acesso a essa lista também, mas apenas alguns BPs, que podem direcionar sempre ações amplas para modificar o cenário. E o que a gente pode dizer é que, graças a esse trabalho, o turnover baixou bastante nos últimos dois anos.
Parece impossível hoje falar de tecnologia e de RH sem mencionar inteligência artificial – especialmente quando surge aquela questão de que a IA vai roubar empregos por conseguir produzir mais com menos recursos. Como você vê o tema e como CHRO, como é o trabalho de manter a paz de espírito dentro da empresa?
Falando especificamente de inteligência artificial, uma preocupação que eu tenho é desmistificar algumas visões que assustam as pessoas, que geram uma fantasia de que ninguém vai ter trabalho. Inteligência artificial não é sobre isso, é sobre otimizar nosso tempo com menos esforço e mais produtividade. Em algumas atividades, é sobre como usamos IA para acelerar esses processos e aumentar nosso escopo de trabalho. Não é sobre fazer mais com menos recursos, é sobre fazer menos esforço com um resultado maior. Entendo que é um desafio do RH trazer esse mindset para as pessoas, ajudando a desenvolver as soft skills que elas precisam para navegar nesse novo cenário.
Você é CHRO há um ano e meio na RD. Se a gente se encontrar daqui a 2 anos, que história você vai contar sobre o trabalho que está desenvolvendo?
O que a gente busca nos próximos anos é justamente mirar o desenvolvimento das pessoas, que é algo que não se faz só com treinamento. Precisamos ajustar nossos processos para preparar as pessoas para a organização que estamos construindo. Hoje, a RD está numa linha de M&A, com um grande objetivo de integrar – e isso significa trazer o melhor de cada uma das empresas, de uma maneira que faça sentido. Nesses próximos meses, queremos consolidar essa governança e aumentar a eficiência do time, justamente na linha do que falei: é ter menos esforço para produzir mais. E queremos fazer isso enquanto somos uma das melhores empresas para se trabalhar, continuando com a excelência que tivemos, sendo reconhecidos como lugar de destaque para mulheres e para pauta étnico-racial, como fomos ano passado pela GPTW. Todas as transições são complicadas porque as pessoas precisam estar juntas no mesmo objetivo, não só para fazer as mudanças necessárias, mas para que a essência da RD siga a mesma.
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