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A importância da versatilidade no RH contemporâneo
Capacidade de se adaptar a diferentes modelos de negócio, funções e até mesmo estados de espírito dentro das organizações pode aumentar peso estratégico da área de pessoas, ao mesmo tempo em que torna o trabalho mais dinâmico e orgânico
Ao longo das últimas décadas, a área de recursos humanos passou por inúmeras transformações. Foi-se o tempo em que o RH era um setor conservador, povoado por profissionais generalistas, vindos em sua ampla maioria da área de humanas e apenas com a função de ditar as regras. Inovações como o modelo de business partners, já nos anos 1990, transformaram o universo de gente & gestão em um setor mais estratégico, próximo do negócio. Enquanto isso, transformações sociais, como as que foram causadas pela pandemia da covid-19, forçaram profissionais a pensar cada vez mais em diferentes dimensões que afetam as pessoas dentro de uma empresa.
Para se adaptar a tanta mudança, uma habilidade ainda pouco discutida nos manuais tem sido cada vez mais importante para o RH: a versatilidade. É algo que vale tanto para os indivíduos quanto para equipes inteiras, seja em diferentes funções, nos papéis dentro dos negócios, formas de atuação ou até mesmo em estados de espírito no trabalho. Essa discussão esteve em pauta no primeiro Café com Caju, evento realizado pela Caju no final de abril. Em uma mesa-redonda liderada por Lucas Fernandes (CHRO da Caju), profissionais como Ana Paula Franzoti (diretora de desenvolvimento e cultura organizacional da Unilever), Elisa Cupim (people product manager no QuintoAndar) e Daniel Wara (líder global de employee relations da Cargill) debateram a importância dessa habilidade.
Virada de chave
Logo no começo do debate, já ficou clara a relevância da versatilidade para o futuro do RH, quando Lucas trouxe à tona uma pesquisa feita recentemente pela Harvard Business Review. Em 2020, a publicação entrevistou cerca de 100 líderes de RH em grandes empresas e perguntaram a eles quais seriam as novas funções da área de pessoas ao longo dos próximos 10 anos. A partir daí, surgiram ideias de cargos como “líder de futuro do trabalho”, “chefe de diversidade genética”, “coach de prevenção às distrações” ou “facilitador de trabalho de casa”, que dão uma ideia do futuro que espera quem trabalha com pessoas.
O CHRO da Caju também lembrou a revolução que o RH tem passado desde os anos 1990, com a implementação do modelo de business partners, proposta pelo americano Dave Ulrich – na qual o RH deixava de ser generalista para se tornar um parceiro de negócios, especialista na operação em que estava inserido. “Nós tivemos muita mudança nesses 25 anos, mas nada perto do que foram os últimos cinco anos. A forma que eu entrei como RH no mercado não é como a gente está hoje”, comentou Lucas, que é psicólogo de formação e já fez de tudo um pouco – de análise de dados a remuneração, passando por recrutamento e business partner.
A virada de chave para o modelo de business partners trouxe para o RH o papel, com o perdão da tradução literal, de ser parceiro dos negócios – o que significa trocar o papel de regulador (na chave do “pode/não pode”) por uma atuação mais consultiva. Não foi um processo fácil, como contou Elisa. “Quando eu trabalhei na Johnson & Johnson, o líder esperava que a gente ia facilitar a vida dele, resolvendo os problemas. Não é assim: o Business Partner vai ser parceiro, vai provocar, mas quem vai liderar discussões como contratação de talentos é o próprio líder”, disse a executiva do QuintoAndar, que hoje ocupa uma função que não existia há alguns anos. “Antigamente, a gente tinha processos, livros que diziam o que todo RH precisava ter. Não funciona mais assim: é preciso ter uma visão de produto, de entender o que funciona ou não e desenvolver de acordo com as necessidades. Não é um processo gostoso, mas não tem solução pronta, é complexidade que precisa ser resolvida caso a caso”, afirmou.
Quem também ocupa um cargo que mal existia há algumas décadas é Daniel, da Cargill. “Employer relations é algo que está voltado a criar estratégias para educar as pessoas a ter um ambiente de trabalho, ter bem-estar naquele ambiente, evitar assédio. No início da minha carreira, não era assim”, lembrou ele, destacando a relevância que o tema de bem-estar e saúde mental ganhou nos últimos tempos. Também veterano da Johnson & Johnson, Wara afirmou ainda que a versatilidade é das raras formas para se preparar para o futuro. “Hoje há temas que não se discutem muito, mas daqui a pouco estarão na pauta. O que mais pode vir aí?”.
Conhecimento, influência e vulnerabilidade
Além de contar com a versatilidade dos indivíduos, o RH precisa se abrir para ter um grupo de pessoas com diferentes saberes – um exemplo muito citado durante a conversa foi a chegada de profissionais do campo das Exatas, de áreas como Engenharia, Estatística e Computação, para o universo de gente e gestão. São conhecimentos que constroem a área de people analytics, um setor que permite ao RH se tornar mais analítico e menos “sentimental”, olhando para os dados e os padrões que surgem deles. Não é um esforço simples, como lembrou Ana Paula Franzoti, da Unilever, mas é necessário começar.
“Não dá para esperar que a área de dados vai fornecer todas as respostas de uma hora para outra. Mas é preciso começar, usar um indicador do mercado e começar a fazer perguntas”, disse a executiva, que vê um momento desafiador para o setor de pessoas na atualidade. “O RH tinha o poder e o conhecimento durante muitos anos. Depois, com o modelo de business partners, ele virou o facilitador. Durante a pandemia, a área teve um protagonismo imenso, muitas vezes sustentando a operação, deixando ela de pé. Foi um momento dolorido.”
A executiva da Unilever ressaltou ainda outra habilidade cada vez mais importante para quem trabalha com gente: influência. “Na Unilever, foi o RH que convenceu a área de negócios a entregar quatro andares no pós-pandemia e não voltar para o regime presencial. É influência, mas tem que ser baseada em dados e estudos, não no feeling, como a gente tinha no passado.” Para Daniel, o momento dolorido “faz parte da dor de crescimento”, em um período que aumenta a maturidade da função.
Já na visão de Lucas, essa maturidade também traz outra liberdade ao RH: a capacidade de ser vulnerável, de se permitir não só errar, mas também de ser humano – e isso vai de poder beber no happy hour até ter um processo de escuta ativa com os colaboradores da empresa. “Uma das mudanças que eu mais gosto quanto ao RH é me permitir errar, me colocar vulnerável. Hoje, você pode errar, desde que entenda como contornar o erro rapidamente, gerando o menor impacto possível para as pessoas. Faz uma diferença danada”, disse o CHRO da Caju. “Era uma síndrome de tirar 10, né?”, arrematou Ana Paula.
No fim do papo no Café com Caju, que antecedeu uma conversa especial de Lázaro Ramos, algumas conclusões ficaram. A principal delas, talvez, é de que a área de recursos humanos segue com a missão de proteger pessoas e os negócios que têm pessoas – e que usar a versatilidade para exercer esse poder é importantíssimo. “O RH desenvolve soluções que ajudam as pessoas e a sociedade, mas não existe solução que sirva para todo mundo”, lembrou Daniel Wara, da Cargill. “A versatilidade tem que estar no meio disso para que cada vez mais pessoas e organizações tenham poder de promover a mudança.”
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