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Com adoção da escala 4×3, a produtividade na Vockan aumentou em 32%

Influenciada por modelos europeus de trabalho, empresa de software de gestão para indústrias aplica semana de 4 dias desde 2022; para CEO, resultado é ter colaboradores mais felizes e comprometidos

Marina Filippe
28 de novembro de 2024
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Em 2022, quando a empresa americana de software de gestão para indústrias QAD decidiu encerrar a atividade brasileira, o empresário Fabrício Oliveira optou por assumi-la com o nome Vockan. Mais do que rebatizar a operação, o CEO viu a oportunidade de criar novas regras. “Fazer mudanças numa multinacional têm desafios específicos e leva tempo. Com a operação totalmente nacional, pude fazer as coisas do nosso jeito”, afirma. Uma dessas mudanças foi a implementação de uma semana de quatro dias.  

A intenção era tornar a cultura mais humanizada, com foco no bem-estar dos colaboradores. De olho no mercado internacional, Oliveira optou por aderir à escala 4×3. Inicialmente, apenas a equipe de atendimento participou do teste. Hoje, porém, todos os 132 colaboradores da companhia se revezam para trabalhar de segunda a quinta ou de terça a sexta

Em relação à adoção da escala 6×1, em proposta no Congresso, Oliveira diz se manter “neutro politicamente”, mas acredita que “empresários precisam achar alternativas de trabalho que favoreçam as pessoas e os negócios”. A seguir, o executivo detalha o passo a passo da aplicação da escala 4×3 na Vockan, que trouxe uma melhoria de produtividade de 32% e a maior satisfação dos colaboradores. 

Como o senhor entendeu que a escala 4×3 é viável?

Fiz carreira na empresa de software de gestão para indústrias QAD, onde entrei em 2007. Quando a matriz americana decidiu encerrar as operações por aqui, eu já conhecia o negócio, tinha os clientes e o time montado. Assim, decidi seguir com o nome Vockan, mas aplicando uma cultura focada nas pessoas. Na época, eu acompanhava as discussões da escala 4×3 na Europa e resolvi testar, com a expectativa de ver melhorias na saúde mental dos colaboradores. Além disso, já percebia que cerca de duas horas diárias eram mal aproveitadas em reuniões desnecessárias ou na resolução de questões pessoais, como o colaborador ir ao banco. Isto é o tipo de coisa que acontece em todas as empresas, mas pouco se discute.

Como foi realizado o teste da escala 4×3?

Começamos pela área de atendimento ao cliente, com quinze pessoas. Havia um desafio: por mais que o time trabalhe quatro quatro dias por semana, o cliente continua trabalhando cinco dias por semana. Para resolver isso, adotamos uma escala na qual parte do time folga na sexta-feira e outra parte na segunda-feira. Começar com um time pequeno é importante para entender os desafios e os benefícios.

Por exemplo: nós mapeamos o que esses colaboradores entregavam em 30 dias de trabalho e em 15 dias de trabalho e constatamos essa perda diária de produtividade de, em média, duas horas. A verdade é que essa perda sempre existe – mesmo que o gestor não queira enxergar. Depois, trabalhamos a comunicação de forma muito transparente, abordando a novidade para eles e para os clientes. Também tiramos as dúvidas das outras áreas que, naquele momento, já queriam aderir à escala. 

Entendemos que uma boa forma de se organizar é por meio das duplas, nas quais uma pessoa folga na segunda e a outra na sexta. Com isto, a  colaboração também aumentou porque eles se ajudam para cumprir as entregas. Nessa etapa, e também na ampliação para toda a empresa, percebemos a importância dos treinamentos de gestão de tempo, foco e produtividade. Hoje, quando o colaborador inicia a semana, ele sabe o que tem que fazer e como entregar, tendo o gestor ali para auxiliá-lo, sem microgerenciamento. 

Houve algum ajuste trabalhista?

Nosso time jurídico foi entender todas as questões legais e sindicais da escala 4×3, um desafio já que não existe uma aplicação ampla no Brasil. Mesmo sabendo que seria um direito adquirido, sem reduzir benefícios e salário, encaramos o risco por acreditar no modelo. Naquele momento também fiz contato com a 4-Day-Week Global, uma entidade que constrói metodologia para a difusão da escala. Falei: “estou fazendo a mesma coisa que vocês aí do Reino Unido, mas aqui no Brasil”, e eles me indicaram a comunidade portuguesa para a troca de experiências. No Brasil, o piloto foi tocado por nós, em parceria com a Reconnect Happiness at Work, que nos ajudou a metrificar as mudanças e resultados. Outra questão é que percebemos que a adoção da escala não é o limite para os benefícios. Por isso, modernizamos o escritório para que os times venham uma vez por semana, oferecemos manicure uma vez ao mês, aula de inglês presencialmente, etc. 

Houve resistência ou receio dos colaboradores?

Sim. Quando apresentei a ideia para os diretores, eles acharam que não fazia sentido. O time financeiro, por exemplo, pensou que fossemos quebrar por pagar o salário de cinco dias para as pessoas que trabalham quatro. Mas, aplicamos o piloto durante seis meses, iniciando em novembro de 2022, e logo nas primeiras semanas de 2023 já percebemos os benefícios. Entendemos também que o tema precisa ser da empresa e não apenas do RH. Os gestores precisam ser comunicados, envolvidos e até convencidos de que a adoção do modelo de trabalho faz sentido. Até mesmo entre os colaboradores de outros níveis hierárquicos foi preciso conversa. Uma pessoa me disse que se sentia inútil por estar em casa na segunda-feira, pensando ser um mal exemplo para o filho. Mas, com o tempo, ela entendeu como o dia de descanso extra é importante e merecido. 

72% dos colaboradores se declaram muito felizes e 28% se declaram felizes; antes, na escala 5×7 isto ficava em torno de 60% e 40%, respectivamente.

Quais resultados foram registrados após a mudança da escala?

A produtividade dos colaboradores está 32% acima da média. Para entendermos o aumento da produtividade, avaliamos mensalmente as métricas específicas de cada área. Por exemplo, se o atendimento realiza X chamadas por período, isto é, mais do que antes e sem perder qualidade. 

Já na pesquisa de clima, o time de RH faz perguntas trimestrais, para entender como o ser humano está de fato. Como resultado, 72% dos colaboradores se declaram muito felizes e 28% se declaram felizes; antes, na escala 5×7 isto ficava em torno de 60% e 40%, respectivamente. Além disso, montamos um banco com centenas de currículos qualificados e o turnover é praticamente zero, pois os colaboradores não querem sair daqui para entrar num emprego com mais dias de trabalho. Em relação aos clientes, a satisfação é de 98 na escala NPS (Net Promoter Score, que varia de -100 a 100). 

Foi preciso contratar mais pessoas por conta da escala?

Desde que começamos a prática, em novembro de 2022, aumentamos a equipe em 86%, mas foi algo orgânico por conta do crescimento da empresa e não necessariamente pela adoção da escala. Passamos por muitos ajustes após o nascimento da operação exclusivamente brasileira e esperamos ter 200 colaboradores em breve – atualmente, são 132. Estamos olhando também para a expansão internacional, especialmente em Portugal, onde também queremos seguir o modelo de 4×3. 

Marina Filippe é Membro do Oxford Climate Journalism Network, mestre em Ciência da Comunicação pela USP e jornalista pela PUC-Campinas. Foi repórter ESG na EXAME por oito anos, reconhecida entre os Mais Admirados da Imprensa de Negócios e finalista dos prêmios de Jornalismo Inclusivo e Comunique-se.

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