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Por que estão falando tanto de… quit-tok

Por que estão falando tanto de… quit-tok

Muito distante do quiet quitting, a prática de publicar vídeos que mostram a própria demissão nas redes sociais ganhou popularidade entre a fatia mais jovem da atual força de trabalho. O quit-tok, trend que já soma muitos adeptos no TikTok, mostra como estamos diante de um novo perfil profissional – e um novo desafio para o RH.

A nova cara da marca empregadora

Saem de cena programas engessados e pensados de cima para baixo para a criação de um ambiente pautado nas necessidades e demandas do público interno – além do salário, iniciativas voltadas a propósito, flexibilidade e qualidade de vida ganham espaço

Caroline Marino
13 de novembro de 2023
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Quem voltar um pouco no tempo para pensar o que fazia uma empresa chamar a atenção dos profissionais certamente vai lembrar de aspectos como estabilidade, salário acima da média e marcas com produtos conhecidos e admirados pela sociedade. Mas essa dinâmica mudou: transformações recentes, como entrada de novas gerações no mercado de trabalho, popularização da tecnologia e a pandemia de covid-19, modificaram a dinâmica de atração e retenção de talentos. Mais do que uma simples mudança, as empresas estão vivendo uma ressignificação do que significa marca empregadora: hoje, as pessoas buscam mais propósito, qualidade de vida e flexibilidade – não só quanto à hora e local de trabalho, mas também no desenvolvimento de uma carreira.

É algo que tem ficado cada vez mais claro em pesquisas e estudos de opinião. Em levantamento recente feito pela consultoria Randstad, 37% dos profissionais brasileiros disseram que deixariam o emprego para melhorar o equilíbrio entre vida pessoal e trabalho. Outros 48% disseram que não aceitariam uma oferta de trabalho se a empresa não tiver propósito claro alinhado ao ESG – ao todo, a pesquisa ouviu 163 mil pessoas, de 6 mil empresas, em 32 países, incluindo também nações como EUA, China e Suíça. No estudo, ficou claro que é essencial para a maioria dos indivíduos atuar em um negócio que apoia diversidade e inclusão, bem como que ofereça benefícios de saúde mental e bem-estar. Segundo a consultoria, oportunidades de progressão na carreira também são fundamentais para os profissionais no Brasil: este é o primeiro fator que consideram ao escolher um novo empregador, assim como um dos principais motivos para alguém deixar um emprego.

“Estamos passando por uma ruptura entre o que a empresa acha que é o ideal e o que as pessoas realmente querem”, diz Diogo Forghieri, diretor de talent solutions da Randstad. Isso demonstra a importância de ouvir os colaboradores para entender o que eles buscam e esperam. “Cada vez mais, olha-se além do salário. Progredir na carreira é importante, mas não a qualquer custo”, afirma. Outro levantamento da consultoria, este feito com mais de 30 mil pessoas ao redor do mundo, aponta que o propósito é importante para 88% das pessoas e 48% não aceitariam uma vaga em uma empresa sem valores sociais e ambientes bem estruturados.

Ana Paula Franzoti, da Unilever; e Diogo Forghieri, da Randstad

Tudo começa na cultura

Todos esses pontos passam pela construção de uma cultura organizacional forte, com valores bem definidos e refletivos nas ações e iniciativas da empresa. Como bem dizia o professor e consultor Edgar Schein, autor de livros como Cultura Organizacional e Liderança, “a cultura representa para grupos e organizações o mesmo que o caráter para indivíduos”. Assim, o primeiro passo para ter uma boa marca empregadora é estruturar os valores e missão da companhia, sempre lembrando que é essencial ir além do discurso – e que a autenticidade é crucial.

“O jeito de atuar e tratar as pessoas internamente, e as ações e programas disponibilizados, que somados correspondem à cultura, falarão mais alto do que todo o trabalho de employer branding, especialmente se ele for feito de forma desalinhada da realidade do negócio”, explica Cecília Seabra, conselheira em comunicação e ESG na agência Llorente y Cuenca e consultora da HSM. É fundamental compreender que a credibilidade de uma estratégia de marca empregadora tem base inegável na cultura da organização e na forma como ela é validada por seu funcionamento.

Cecília Seabra, da Llorente y Cuenca e HSM; Jonathan Yung, da Vertico; e Daniela Diniz, da GPTW

Segundo a pesquisa Carreira dos Sonhos, realizada pela Cia de Talentos com mais de 90 mil pessoas – de estudantes a líderes – a reputação de uma marca empregadora é moldada pelas experiências vividas dentro da empresa. Quando as pessoas se sentem valorizadas, apoiadas e desafiadas no trabalho, se tornam defensoras naturais da organização. A palavra de um colaborador satisfeito é uma das formas mais autênticas e poderosas de publicidade para um negócio”, diz o estudo (veja mais no quadro “O que as pessoas querem”).

Quando as pessoas se sentem valorizadas, apoiadas e desafiadas no trabalho, se tornam defensoras naturais da organização.

Em tempos de redes sociais e do crescimento de sites voltados à avaliação de empresas, isso ganha ainda mais força, afinal, quando um profissional fala mal da empresa, cresce a probabilidade da organização perder inúmeros talentos. “Os melhores recrutadores, hoje, são os funcionários atuais da companhia”, afirma Jonathan Yung, CEO da Vertico. Segundo ele, é bem comum as pessoas já chegarem nos processos seletivos munidas de informações, tanto das ações disponibilizadas quanto do estilo de gestão.

As várias moedas da retenção

Na nova cara da marca empregadora, também ganha espaço a necessidade de iniciativas e benefícios mais individualizados. É algo que as empresas precisam considerar, ao entender diferentes gerações e perfis, bem como a multiplicidade de estruturas familiares e necessidades sociais e psicológicas dos colaboradores.

Na prática, saem de cena programas engessados e pensados de cima para baixo, dando lugar para a criação de um ambiente pautado nas demandas reais do público interno. “Os profissionais são remunerados em várias moedas. Uma é o salário, mas há também o aprendizado, o propósito, o equilíbrio – e estas flutuam conforme as fases de vida e as gerações”, explica Yung, da Vertico. Segundo ele, o relacionamento entre funcionário e empresa ficou mais igualitário. Não há mais espaço para ditar regras, impor condições de trabalho ou acreditar que um bom contracheque basta. “Existem pilares mais valiosos hoje. Nos processos seletivos, por exemplo, percebemos que muitos estão dispostos a uma redução na remuneração para conseguir trabalhar de casa”, diz.

Na visão de Daniela Diniz, diretora de conteúdo e relações institucionais do ecossistema Great People e GPTW, a flexibilidade é o grande símbolo da atualidade. E isso não está apenas relacionado a hora e local de trabalho, mas a toda a gestão. Para Diniz, já não existe mais a ideia de que somos uma pessoa no trabalho e outra fora dele. Assim, é fundamental que as empresas olhem para essa integralidade, permitindo que as pessoas sejam elas mesmas. “Isso exige sair de uma gestão massificada para uma personalizada. É preciso um diálogo além dos crachás, entre pessoas”, afirma.

Isso não significa que o salário não importa, mas que é essencial dialogar em equilíbrio de interesses. “Em vez de decidir qual é, por exemplo, o melhor pacote de benefícios ou o modelo ideal de trabalho, por que não construir em conjunto?”, sugere Seabra, da Llorente y Cuenca. Nos últimos tempos, a especialista em comunicação vem estudando sobre as estratégias de marca empregadora e estruturou o chamado allboarding. Mais do que olhar para apenas a entrada (onboarding) ou a saída (offboarding) de um colaborador, o allboarding prega que é preciso observar o ciclo completo de relacionamento com os funcionários, partindo da premissa de que é fundamental olhar para essas pessoas como públicos de relacionamento relevantes. “Trata-se de considerar as pessoas como estratégicas para a reputação”, explica. Afinal, ninguém melhor do que quem conhece a empresa por dentro – os funcionários – para dizer quem ela realmente é. “Uma estratégia de marca empregadora não se sustenta sem uma cultura de respeito e investimento no indivíduo, de diálogo, autonomia, desenvolvimento e visão de impacto positivo”.

Leia também: Só o salário não basta: como atrair e reter talentos de alta performance

Escutar para agir

Para fomentar essas trocas, a Unilever realiza regularmente pesquisas internas com o intuito de identificar as necessidades e demandas do time, avaliar o nível de satisfação dos funcionários, identificar áreas de melhoria e tomar medidas para criar um ambiente de trabalho mais satisfatório. “A experiência de trabalho vai além da prioridade, é a essência que molda a jornada diariamente”, diz Ana Paula Franzoti, diretora de desenvolvimento organizacional, cultura, diversidade e inclusão da companhia. Para isso, a empresa investe em iniciativas que vão dos modelos de trabalho e benefícios flexíveis, até programas de estágio que dispensam a obrigatoriedade do idioma inglês. “Uma das ações é a adoção do currículo oculto para ir além da formação acadêmica e humanizar os processos seletivos, jogando luz à história de vida das pessoas e seus aprendizados pessoais”, conta.

Na agenda de equidade, diversidade e inclusão, a companhia trabalha temas relacionados a gênero, raça, PCD, LGBTQI+ e outros, com o suporte de grupos de afinidade. A ideia é incentivar os funcionários a buscar e vivenciar seus propósitos profissional e pessoal. A executiva da Unilever dá dois exemplos de ações com iniciativas de treinamento e planos de carreira bem estruturados. O primeiro é o programa “Não foi sorte, estou pronta”, que conta com mentoria feita por mulheres e ministrada para mulheres, e o Prontidão, voltado para a aceleração de carreiras dos talentos negros da companhia. Tudo para aumentar a representatividade nos cargos de gestão e mostrar que todos podem alcançar seus objetivos.“A diversidade na liderança é algo muito poderoso para a marca, pois as pessoas precisam de exemplos para saber que podem crescer”, comenta Yung, da Vertico.

Menos controle, mais colaboração

Falando em liderança, o papel dos gestores para uma boa marca empregadora é essencial, como reforça Rafael Souto, presidente da Produtive. Isso porque a cultura da empresa se manifesta muito pela atuação dos líderes no dia a dia. “Um gestor que não escuta, que não tem interesse genuíno no outro, que defende apenas o seu resultado e que trava a carreira dos profissionais pode acabar com a imagem do negócio”, diz. Segundo ele, não há mais espaço para toxicidade, gestão por comando e controle e resultados a qualquer custo. A construção de um ambiente de segurança psicológica é indispensável. Porém, Souto ressalta que o direcionamento e o exemplo devem vir do CEO e do Conselho, já que o tom da empresa e seus limites começam na alta gestão.

Rafael Souto, da Produtive; e Lilian Green Harari, do Mercado Livre

Depois da pandemia, o grupo Heineken iniciou uma jornada focada na felicidade da equipe para colocá-la no centro das discussões. “A ideia foi do nosso CEO, Mauricio Giamellaro, que após um congresso trouxe o conceito de felicidade para implementarmos”, conta Andrea Bianchi, diretora de pessoas da companhia. O primeiro passo foi entender como as pessoas estavam se sentindo e quais as principais necessidades relacionadas à saúde e bem-estar para estruturar ou repensar ações. Entre as iniciativas está a criação de uma diretoria da felicidade, formada por profissionais de RH e saúde, como psicólogos e médicos, para um cuidado integral da saúde física e mental. Segundo Andrea, o objetivo central é olhar além dos aspectos profissionais e entender como as pessoas estão realmente e de que forma a empresa pode ajudar. “No início de todas as reuniões, por exemplo, incentivamos os líderes a perguntar ‘de zero a dez, como está hoje?’. E se a resposta for oito, entender o motivo”, afirma.

Livre movimentação

Outro aspecto crucial para uma boa marca empregadora é abertura para que diálogos sobre movimentações internas aconteçam. “A autonomia, a liberdade e a experimentação são características de ambientes em que as pessoas querem, de fato, estar”, explica Souto, da Produtive. De acordo com ele, quanto maior o encorajamento dado aos colaboradores, maior será o engajamento e a produtividade, pois permite que as pessoas realizem seus projetos de carreira de forma positiva e sem imposições. Já não faz mais sentido para o mundo atual aquela velha história de o RH ou o gestor ditar os passos do profissional ou determinar quais capacitações ele deve fazer. “Falamos atualmente de uma cultura de construção, de troca de ideias e de mais protagonismo”, explica. “O gestor deve encorajar a exploração de oportunidades internas de carreira, não achar que o funcionário só pode crescer em sua área”, afirma.

O Mercado Livre é outro exemplo de empresa que aposta no desenvolvimento do time. Por lá, a gestão é pautada pelo protagonismo e os únicos cursos que todos devem fazer são os iniciais sobre a cultura e DNA empresarial. A partir daí, a companhia disponibiliza um catálogo de opções de treinamentos para que as pessoas possam escolher o que faz mais sentido para o seu plano de carreira, e há incentivo para movimentações entre as áreas. “Temos uma plataforma de vagas em toda a América Latina e todos podem se inscrever e participar dos processos seletivos”, explica Lilian Green Harari, gerente sênior de desenvolvimento de talentos do Mercado Livre no Brasil. A companhia tem, ainda, um site interno de oportunidades anônimas para eliminar vieses nos processos de contratação, e usa a inteligência artificial para comparar habilidades e experiências de candidatos sem revelar dados que possam gerar vieses.

Talvez a sensação que se tenha, ao final desse texto, é a de que o processo de criação de um ambiente saudável e de uma experiência excelente para o funcionário sempre vai merecer atenção e ajustes contínuos. Mas, em meio a esse processo constante, há uma certeza: a de que o mundo, seja do trabalho ou fora dele, mudou, está mudando e vai mudar. Não há como retroceder ao que já passou. Por isso, a atenção da empresa para o colaborador deve ser cada vez mais personalizada e são os líderes quem tem um papel chave nisso.


Não caia nessa

Três pontos que podem comprometer a construção construção de uma marca empregadora sólida, segundo Cecília Seabra, conselheira em comunicação e ESG na Llorente Y Cuenca, e consultora da HSM

  • Não considerar a estratégia de marca empregadora no contexto da estratégia da marca
    O negócio que emprega é o mesmo que vende, inspira e encanta. Por isso, precisam conversar e, preferencialmente, aportar valor um para o outro, apontando para a mesma direção.

  • Descartar o potencial de cocriação dos colaboradores
    Ninguém melhor do que as próprias pessoas para dizerem o que acham relevante. Construções colaborativas são mais suscetíveis a gerar engajamento, apropriação, participação e promoção.

  • Desconsiderar as experiências reais dos funcionários
    Como toda estratégia de marca, a empregadora também será validada pelas experiências das pessoas como funcionárias, pois variam de bases, aéreas, lideranças. Desconsiderar o componente da cultura e o norte reputacional é um risco complexo.

O que as pessoas querem

O que os profissionais mais consideram de acordo com a pesquisa Carreira dos Sonhos, realizada pela Cia de Talentos (2023)

  • Reputação da marca (31%);
  • Perspectiva de carreira (28%);
  • Clima e cultura (20%);
  • Segurança financeira (11%);
  • Governança responsável (10%).
Jornalista especializada em carreira, RH e liderança feminina. Passou por publicações como Você S/A, Cosmopolitan e Valor Econômico, além de colaborar para Época Negócios, Você RH e Universal Uol. É coautora de "O mundo (quase) secreto das startups e head de conteúdo da Tempo de Mulher.