Busque por temas

Em alta

Por que a rede Pague Menos reformou farmácias e viu as vendas crescerem 14%

Após abertura de capital e fusão, rede de 1,7 mil farmácias espalhadas pelo Brasil estava com cultura ‘empoeirada’; força-tarefa respondeu mais de 7 mil chamados abertos no RH e incluiu compra de aparelhos de microondas e ar-condicionado para as lojas

Bruno Capelas
18 de dezembro de 2024
Leia emminutos
Voltar ao topo

Os últimos anos foram muito agitados para a rede de farmácias Pague Menos: com 1,7 mil estabelecimentos espalhados pelo Brasil, o grupo passou por abertura de capital, expansão com a compra da Extrafarma e a chegada do primeiro CEO que não vinha da família fundadora, Jonas Marques. Com ele, chegou também à empresa Rosi Purceti, executiva responsável por liderar a área de gente e gestão da companhia. “A primeira coisa que o Jonas me disse é que a cultura da empresa era espetacular, mas estava um pouco empoeirada”, conta a executiva, em entrevista a Cajuína. 

No cargo desde abril de 2024, Rosi foi uma das principais lideranças em um processo de renovação na Pague Menos que começou de dentro para fora. “Se eu quero desempoeirar uma cultura numa empresa que tem 1,7 mil lojas espalhadas pelo Brasil, o primeiro passo é pegar avião, carro e botar o pé na estrada para ouvir as pessoas. E no nível em que muitas lojas estavam, era impossível querer que um sorriso fosse aberto na hora do colaborador atender o cliente”, conta a executiva, que fez uma força-tarefa para responder mais de 7 mil chamados abertos no departamento de RH. 

Entre as queixas, havia muitas lojas sem aparelhos de ar-condicionado ou fornos de microondas, fazendo com que os colaboradores comessem comida fria ou dependessem de estabelecimentos vizinhos para fazer refeições. Na renovação, de uma tacada só, mais de 1,5 mil aparelhos de ar condicionado e 400 microondas foram comprados, enquanto cerca de um terço das lojas passou por reforma. Além disso, os gerentes de lojas passaram a ter contato direto via WhatsApp com a liderança. “Isso mostra que as pessoas podem ser tratadas com respeito e dignidade”, ressalta a executiva. 

Pouco a pouco, os resultados passaram a chegar à área financeira: no último balanço trimestral, a Pague Menos viu as vendas médias por loja aumentarem 13,9%, o que ajudou a companhia a alcançar 6,3% de participação no setor. O número de clientes e o gasto médio também aumentou. Mas Rosi ainda não está contente: apesar de ter um turnover 25% mais baixo do que a média do varejo, a executiva diz que “ainda dá para melhorar” – e planeja para 2025 um investimento maciço em desenvolvimento de pessoal.  

A seguir, confira os principais trechos da entrevista. 

Qual era o contexto de quando a Pague Menos começou a olhar para dentro, buscando entender o que estava acontecendo na empresa? 

Somos uma companhia de 43 anos e que nasceu incluindo pessoas, conquistando o Brasil com um fundador cheio de energia e gente na veia. Mas, ao longo dos últimos anos, a empresa fez uma série de movimentos relevantes: a passagem do bastão do fundador Deusmar Queirós para o filho, uma abertura de capital em 2020 e um crescimento inorgânico com a aquisição da Extrafarma em 2022. De alguma forma, ao longo desse processo, a companhia ficou mais para dentro da administração. Quando o novo CEO, Jonas Marques, assume em janeiro de 2024, sendo o primeiro CEO que não pertence à família fundadora, ele me traz para cuidar de Gente. E a primeira coisa que ele me diz é que a cultura da empresa é espetacular, mas que estava um pouco empoeirada. Entendo que, de alguma forma, a companhia se voltou para os processos e descuidou das pessoas. É um contexto bem macro que a gente tinha para começar essa jornada que segue acontecendo – e uma jornada que só ia ser destravada se olhássemos para as pessoas. 

Como foi esse primeiro contato com a cultura da Pague Menos? E como foi descobrir o ‘produto de limpeza’ certo para tirar essa poeira e deixá-la brilhando? 

A primeira coisa foi ouvir as pessoas. Se eu quero desempoeirar uma cultura numa empresa que tem 1,7 mil lojas espalhadas pelo Brasil, o primeiro passo é pegar avião, carro e botar o pé na estrada para ouvir as pessoas. Lógico, temos uma empresa com 26 mil colaboradores e diferentes canais, mas todo dia eu recebo gente no meu WhatsApp. Quis criar uma linha direta não só para visitar as lojas, mas também me permitir saber o que se passa com as pessoas. Quando você abre mão da hierarquia, puxa um fio e recebe um pequeno WhatsApp, você começa a aprofundar e entender quais são as prioridades. A escuta e o pé na estrada foram importantes para entendermos, numa proporção de 80-20 [20% do esforço destravando 80% do valor], o que ia destravar valor para as pessoas, permitindo que as pessoas trabalhassem em paz para atender o cliente. A gente começou dando resposta para as pessoas, porque os canais de atendimento tinham filas enormes. O escritório esqueceu que a empresa só existe porque as lojas existem e deixou de ouvir. Então, fizemos uma força-tarefa logo na minha primeira semana, abri uma sala de guerra para gerar os 7 mil chamados que havia na central de atendimento. As pessoas mereciam ser tratadas com respeito e dignidade. E usamos esses insumos, junto com o Jonas e meus pares, para entender o que importava para a vida das pessoas. 

E quais eram os problemas? 

Nós tínhamos problemas mais ligados aos colaboradores e também às lojas. Um exemplo grande é que tínhamos um nível grande de endividamento, então fomos atrás de benefícios financeiros, para ajudar as pessoas com taxas mais baixas, ou mesmo ajudar as pessoas a organizarem sua vida financeira. Organizamos o tema de descontos e assistência médica. Outro ponto era a infraestrutura das lojas: tinha muitos colaboradores que comiam comida gelada ou dependiam de um microondas em algum estabelecimento do lado. A gente foi e priorizou tudo isso a partir da escuta que eles deram pra gente. 2024 é um ano de transformação enorme. Outro dia, eu encontrei gerentes de loja do Ceará e eles me abraçaram, dizendo que acreditam que a gente responde. E isso vale mesmo para a negativa: há pedidos que nos fazem que não se podem atender agora, mas pedimos um tempo para atender quando é possível. É uma questão de carinho, tratando as pessoas com respeito e dignidade. 

Você tocou no ponto dos microondas, mas há mais que isso: a Pague Menos fez um programa de reforma de lojas, instalando ar condicionado ou até mesmo implementando áreas de descanso nos bastidores. São investimentos que demandam caixa. Como olhar para esse investimento e como esse investimento retorna para a empresa? 

Os recursos são sempre finitos e o projeto não é só do RH. Mas discutimos muito o que de fato destravaria valor e aumentaria receita para escolher as prioridades. Gente entrou num bloco muito relevante porque, no nível em que muitas lojas estavam, era impossível querer que um sorriso fosse aberto na hora do colaborador dissesse ‘boa noite, bem vindo à Pague menos’. Nesse exercício, fizemos juntos os cálculos do que era necessário: reformar um letreiro, nessa aqui vamos reformar não só o microondas, mas também a retaguarda, o ambiente de trabalho. A gente pediu fotos, a gente vai para as lojas, justamente para fazer uma priorização. O que era relativo às pessoas era prioritário.

Mas dentro dessa prioridade, era importante saber por onde começar entre 1,7 mil lojas. Fizemos priorização das lojas, considerando as que tinham sido reformadas há mais tempo, num movimento que gestores e colaboradores participaram também. Eles até estranharam: em vez da matriz dar ordem, a matriz estava pedindo ajuda. E aí escolhemos no orçamento, sabendo o que a gente ia destinar. Por que estamos batendo recorde acima de recorde de receita e ebitda há três trimestres? Porque as pessoas acreditam hoje que a companhia voltou, porque o atendimento melhorou – e isso aconteceu porque a gente tirou os problemas do dia a dia. Hoje o colaborador tem onde esquentar comida, tem onde sentar e descansar no intervalo, a pessoa sabe quanto vai gastar no plano de saúde, a pessoa tem uma dívida mas ela está perfilada. E isso faz com que a pessoa consiga atender bem, olho no olho, aperto de mão. Isso não acontece porque a liderança de seis pessoas se juntou para determinar um novo ciclo, mas porque a liderança trabalha junto com esse exército que está em posição. Nós só resgatamos o cuidado com as pessoas. 

Além das instalações, vocês também fizeram alterações no que diz respeito a benefícios e programas com os colaboradores. Mas não dá para fazer tudo, até por uma questão de reserva financeira. Como foi priorizar e escolher o que ia ficar para o ano que vem, por exemplo? 

O primeiro passo, como disse, foi, dentro desse 80-20, entender quais são as principais dores. Ficamos felizes de endereçar algumas dessas dores, vendo os pontos que atingimos, como o tema do plano de saúde, que tinha força tanto pelo volume quanto pela intensidade. Vou dar um exemplo do que não fizemos, mas estamos acelerando: desenvolvimento de pessoas. É um resgate: nossa companhia, por história, nasce com um fundador que deu oportunidade para as pessoas. Hoje, 60% dos nossos farmacêuticos foram formados com bolsas de estudos e nós até temos um grupo que está terminando a graduação. Um dos pedidos que não pudemos atender esse ano foi voltar esse programa de bolsas com toda a força. É um dos programas que a gente quer implementar em 2025, vamos democratizar a educação, em um caminho de ajudar as pessoas que o Deusmar sempre disse. Aquela velha máxima: você pode ter tudo e pode perder tudo, mas ninguém tira educação de você. É mais um tijolinho que queremos colocar na nossa companhia, em um círculo virtuoso que queremos construir. 

É interessante você ter usado a expressão círculo virtuoso, porque o varejo é um setor muito sensível. Normalmente é onde muita gente tem seu primeiro emprego, com funções às vezes menos especializadas, e também um setor que sofre com turnover alto. É um dos grandes desafios que vocês têm. 

É verdade: o turnover no varejo é super alto. No turnover total, nós estamos 25% abaixo da média do setor, incluindo o varejo farmacêutico, mas quando olhamos para os pedidos voluntários de demissão, nós ainda temos uma prevalência menor. E é algo que dá para diminuir, e nós apostamos muito, principalmente com a alavanca de educação, que vamos conseguir. Quando as pessoas acreditam na companhia ou têm gratidão com a empresa, isso faz diferença. Se podemos dar uma oportunidade para a pessoa, elas ficam muito mais do que saem. É nisso que a gente acredita: conexão, estruturação, criação de uma agenda de desenvolvimento, tratando o colaborador com amor para que ele também trate bem o consumidor. O turnover vai ser consequência: já é mais baixo que a média, mas dá para melhorar. 

Há vários Brasis dentro do Brasil, com realidades locais muito diferentes nesse universo de 1,7 mil lojas. O que vocês encontraram de diferenças locais e necessidades específicas que foram desafios? 

O que nós encontramos foram praças com algumas dinâmicas peculiares. No Centro Oeste, por exemplo, há uma pujância por conta do agro. Nós conseguimos atrair as pessoas, mas pensando no turnover, o turnover é mais nervoso lá. Meu maior desafio é que as condições do varejo, versus as condições do agro, tem uma predisposição, tem pleno emprego numa cidade, ou pacote maior. Agora, estou estudando os fatores monetários e não monetários que nos ajudem a ter alavancas. Não é sobre cultura, porque a nossa cultura é afetiva, mas o desafio é outro. O desafio é o ambiente externo, que tem outras condições e, às vezes, outras vocações. Já no Sul, por exemplo, temos poucas lojas, mas temos turnover baixo, com pleno emprego. É o que o agro é um elemento à parte. Mas, de forma geral, a cultura do acolhimento, a cultura de ser mais informal, de ser menos transacional, isso é bem recebido ao longo do Brasil, do que eu pude viajar e conversar com as pessoas. 

A Pague Menos é uma empresa de capital aberto. Graças às mudanças recentes, que destravaram valor, vocês também tiveram bons resultados financeiros. Por outro lado, essa performance não vai se repetir ao infinito – enquanto o investimento em Gente seguirá sendo necessário. Como justificar para o mercado essa aposta, buscando manter os bons números? 

Acho que há movimentos importantes. Um deles é que a área de Gente é que está liderando a revisão estratégica da companhia. Estou exatamente nesse momento trabalhando com meus pares revendo as alavancas que destravam valor. Falamos muito de gente e de cultura, mas há muitas oportunidades na prática. Nesse contexto, tomamos a decisão de fazer a revisão estratégica, que não muda a direção em 180º, mas que traz novas hipóteses. Gente de fato é um custo, ainda mais no varejo presencial: apesar do crescimento da omnicanalidade, a loja seguirá sendo um ponto de primeiro atendimento, especialmente considerando o envelhecimento populacional. Mas em vez de olhar Gente como custo, Gente gera novas alavancas que destravam valor, crescendo a receita e diluindo custos. Nada se faz se a gente não partir das pessoas e de sua transformação. Precisamos ter gestão ambidestra para destravar valor. Apostamos nessa engrenagem. 

Para fechar, você tem alguma indicação de leitura? 

Eu gosto muito do Princípios, do Ray Dalio. É um livro que leio, releio e relembro. Quando a gente tem um porquê, uma razão pela qual a gente acredita em alguma coisa, – mas geralmente são pessoas, sentimentos ou relações – coisas maravilhosas acontecem desde que a gente não se desvie de quem a gente é.

Bruno Capelas é jornalista. Foi repórter e editor de tecnologia do Estadão e líder de comunicação da firma de venture capital Canary. Também escreveu o livro 'Raios e Trovões – A História do Fenômeno Castelo Rá-Tim-Bum'.