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Cultura, influência e gestão em empresas familiares: um papo com Verônica Coelho, diretora executiva de RH da Cimed

Formada em Arquivologia, executiva está à frente do RH da terceira maior farmacêutica do país; em entrevista, Verônica relembra trajetória e destaca desafios de manter uma cultura corporativa azeitada em meio à popularidade crescente da marca

Maria Clara Dias
13 de novembro de 2024
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Diretora executiva de RH da farmacêutica Cimed, Verônica Coelho tem um currículo incomum para grande parte dos profissionais de recursos humanos. No lugar de Psicologia ou Administração, a executiva é formada em Arquivologia e enxerga a profissão pouco usual como o trampolim que a lançou de vez no RH, área na qual trabalha há mais de 20 anos. Com passagens por empresas como BTG Pactual e JBS, ela define sua atuação no setor ao longo dos anos como generalista, “típico de um profissional que quer aprender de tudo”. 

Agora na Cimed, ela se vê diante de um desafio menos corriqueiro do que a escolha da profissão: liderar um time composto, em grande parte, por jovens, cujo posicionamento ambicioso e inovador tem transformado as relações de trabalho. “A geração Z é um desafio quando falamos em empregabilidade e perfil, mas que hoje é determinante para nossa cultura”, diz.

Se, de um lado, os jovens representam um desafio à empregabilidade na Cimed, de outro eles são o grande propulsor do crescimento recente da empresa — hoje terceira maior farmacêutica do Brasil em volume de vendas. Apoiada no lançamento de produtos que se tornaram febre entre os jovens e adolescentes e na visibilidade da alta liderança na internet, a empresa tem gerado burburinho nas redes sociais e ganhado destaque como nunca antes. O cenário afeta diretamente o desempenho da farmacêutica e, para o RH, também exige uma mudança de rota no posicionamento como marca empregadora e na unidade cultural, ligando o chão de fábrica ao time administrativo, sem esquecer da representação de vendas.

Para Verônica, que tem liderado a construção dos novos pilares culturais e de gestão de pessoas na empresa, o alinhamento cultural é hoje o ponto de partida para todo e qualquer processo envolvendo colaboradores da Cimed — das contratações à permanência e à progressão de carreira. “Ninguém entra na empresa hoje sem ter ao menos 70% de aderência ao nosso fit cultural”, conta a executiva, que tem estruturado do zero uma área de RH na companhia de 48 anos, marcada por uma gestão familiar. 

Na entrevista a seguir, a executiva detalha os desafios de conciliar uma cultura corporativa unificada ao crescimento e exposição da marca nas redes sociais. Ela também relembra momentos importantes da carreira e detalha os principais desafios da Cimed para o futuro. Gestão de talentos em empresas familiares e gestão de reputação e de crises também são tópicos da conversa. Confira os principais trechos da conversa a seguir.

Verônica, você é formada em Arquivologia. Como foi parar no RH?

Costumo dizer que não encontrei o RH, o RH é quem me encontrou. Fiz um curso chamado Arquivologia, que basicamente nos ensina a trabalhar com arquivos e documentação. Na época, era um curso muito mais voltado para a área pública, mas as empresas privadas já estavam buscando profissionais para trabalhar, graças a toda a parte probatória, documental, de legislação, enfim. Entrei nesse mundo de RH por uma oportunidade no Banco Pactual, fazendo separação de currículos e licitação de documentos, e me apaixonei. Já estava no final do curso e tinha duas alternativas: ou fazia uma nova graduação, agora em Psicologia ou Administração e afins; ou virava um “Pac-Man”, sabe? Aquele profissional que devora tudo, que absorve tudo aquilo que pode. Assim, fui convidada pelo RH a ser efetivada dentro da área, muito por conta da minha atitude, da minha iniciativa e do meu desejo de conhecer cada vez mais.

Olhando para trás, é possível dizer que você sempre foi generalista em sua atuação dentro do RH, não é?

Comecei atuando na folha de pagamento, uma área extremamente transacional, pouco vista dentro das áreas das empresas. Depois passei por atração, desenvolvimento, reconhecimento, até o momento que as relações de trabalho se encerram, seja pelo lado do colaborador ou pelo lado da empresa. No Pactual, eu tinha o papel de atrair as pessoas certas, trabalhar a carreira delas, e fazer entrevistas baseadas nas competências. Fazia minhas atividades, mas sempre que tinha oportunidade buscava me desenvolver, ter a visão do todo e entender com qual subsistema de RH eu me identificava mais. Sempre entendi que o RH que não entende do negócio como um todo é pouco bem-sucedido. Por isso, fui atender todos os subtemas de RH, de cultura e relação sindical ao desenvolvimento, treinamento, remuneração, entrevista para competências. Adoro entrevistar, conhecer as histórias e entender o quanto aquele profissional vai agregar valor para a empresa e vice-versa. Foi quando de fato descobri que a minha vocação era para DHO, e foi onde eu busquei me especializar.

Depois do BTG, você chegou  à liderança de RH da JBS. Naquele período, a empresa estava num ritmo bem acelerado de crescimento, comprando várias outras empresas.  Vir de um contexto de gestão em meio a tantas aquisições é o que despertou em você o interesse por cultura organizacional? Afinal, encontrar o equilíbrio entre a cultura da empresa compradora e a da comprada exige um esforço muito grande de gestão…

Entrei em 2009 na JBS, quando a empresa tinha cerca de 5 mil colaboradores. Nos quase 15 anos em que fiquei na empresa, chegamos a fazer cerca de 30 aquisições. Com aquele ritmo acelerado de aquisições, o trabalho de cultura, até então leve, cresceu fortemente em função dessas aquisições e acabou se tornando ainda mais importante. Estávamos dobrando de tamanho, trazendo profissionais para um negócio que era diferente do nosso, como no caso da BRF, que vendia outro tipo de proteína animal. Em termos de cultura e valores, para quem estava entrando na empresa aquilo era um casamento.Já para quem já estava ali, era uma renovação de votos. Então o período que eu fiquei na JBS fortaleceu muito um trabalho em que acredito bastante: ter a cultura organizacional como diferencial competitivo. Saí da empresa em 2020, naquela época já com 120 mil colaboradores, olhando apenas Brasil. No mundo, eram mais de 230 mil colaboradores.

Como foi a transição para a indústria farmacêutica? Por que topou o desafio?

Logo de cara, consegui perceber o quanto a cultura exalava e quanto as lideranças da Cimed transpiravam essa cultura, o que já me pegou pelo coração. Eu me apaixonei pelos desafios que surgiram numa empresa que cresceu vertiginosamente porque, como a gente sabe, toda empresa que cresce muito rápido cresce desordenada. Isso não é uma crítica, é uma constatação. Eu sempre fui uma profissional que buscou deixar legado nas empresas que passei. Na hora em que coloquei as oportunidades na balança, decidi que queria construir junto com as lideranças da Cimed.


A Cimed é uma empresa  dividida em muitas áreas: do chão de fábrica até a área administrativa, passando pela alta liderança e por uma equipe de vendas espalhada em todo o Brasil. Como é manter uma cultura forte e uma isonomia entre os colaboradores, dado essa natureza múltipla?

Uma empresa é um organismo vivo. É preciso fazer a leitura de cenários o tempo inteiro para acompanhar as transformações. Também somos todos uma grande engrenagem, e a gente tem que funcionar como um relógio suíço. Mas pra isso, você tem que ter o topo da pirâmide comungando, porque cultura não é algo do RH. Aliás, numa empresa, tudo que se faz não deve ser de RH. O RH é apenas um facilitador, um especialista em algumas áreas para ajudar nesse processo. Mas não adianta se o topo da pirâmide não quiser de fato que as coisas aconteçam. Quando eu cheguei, não tínhamos uma área de RH. Tínhamos um grande departamento pessoal. Em um momento em que a empresa está crescendo, ela precisava focar em outras áreas e ir trabalhando o RH da forma que desse. Mas, quando cheguei, ficou nítida a necessidade de reforçar a cultura, ou seja, o jeito de ser, de fazer as coisas, quais são os inegociáveis para que a gente possa alcançar os nossos objetivos. Hoje fazemos isso desde o chão de fábrica. É algo natural.

Uma empresa é um organismo vivo. É preciso fazer a leitura de cenários o tempo inteiro para acompanhar as transformações.

Com essa prerrogativa de ter dado o pontapé inicial para estruturar o que hoje é o RH da Cimed, quais foram as principais ações que você tomou nessa frente de gestão de pessoas?

A primeira coisa foi um grande diagnóstico para que a gente pudesse ter uma fotografia atual e entender se a cultura da qual a gente tanto falava era a mesma para todos: dos mais próximos aos acionistas e que bebiam diretamente da fonte, até o profissional da fábrica e dos centros de distribuição. O que percebemos era que faltavam processos para manter o ritmo com que isso é perpetuado. Então depois do diagnóstico, fizemos uma série de entrevistas individuais para poder ter clareza sobre como comunicar uma cultura que já existia. Nós não criamos nada, mas era preciso ampliar isso de uma maneira institucional. Então, vimos a necessidade de uma revitalização dessa cultura que já existia, começando com os bate-papos com diretores, gerentes executivos e gerentes.  Todos foram totalmente capacitados para poder fazer essas conversas e disseminar os nossos valores e o nosso propósito entre todas as áreas e hierarquias. Trabalhamos também a porta de entrada. No passado, olhava-se muito a capacidade técnica de um profissional para entender como ele iria agregar valor para a Cimed. Mas, no final do dia, percebemos que as pessoas acabavam sendo desligadas por falta de fit cultural. Hoje, a cultura é primordial. Nenhum colaborador entra na empresa sem que ele tenha pelo menos 70% de aderência à nossa cultura. Os colaboradores precisam hoje estar a par do core da companhia e com esse olhar e essência de empreendedorismo, que é algo natural para nós.

Você esteve à frente do RH da JBS no momento em que a empresa teve a alta liderança envolvida em um dos maiores escândalos do Brasil. Como é que é cuidar do RH de uma empresa em crise? Como não deixar que isso contamine o clima organizacional da empresa?

Era uma empresa com mais de 60 anos e com uma cultura muito sólida. Uma cultura que de fato respirava e transpirava os seus valores. Mas,no caminho, houve acionistas que se desvirtuaram.  O que não significa dizer que a empresa e as pessoas que estavam lá se desvirtuaram também. Então, quando eu estava na cadeira, uma pergunta que escutava com bastante frequência era: “por que você ainda continua aí?”. E o que eu respondia é que nem eu nem os 120 mil colaboradores tínhamos participação no que havia acontecido. Eu tinha por obrigação e respeito manter a empresa viva para que todos pudessem continuar colocando comida dentro de casa, realizando os sonhos familiares e trabalhando para o futuro dos seus filhos. 

E que tipos de aprendizados surgem a partir de episódios como esse?

Primeiro, acho que trabalhar a cultura e não ter vergonha de falar dos problemas. Foram milhares de rodas de conversas onde as pessoas compartilhavam seus temores e inseguranças. Independente do que aconteceu, a JBS é, para mim, a maior prova viva de que uma cultura organizacional sólida mantém uma empresa de pé, mesmo diante das maiores turbulências. Em segundo lugar, é dever do RH não julgar a todos como “farinha do mesmo saco”. Temos contextos muito diferentes. Por fim, e ainda falando de cultura, ter clareza sobre os valores da empresa que vêm desde a fundação e permanecem apesar desses episódios, é fundamental. Na Cimed, por exemplo, independentemente do João e da Karla estarem ativos na condução da empresa ou estarem mais distantes, tudo o que foi criado lá atrás pelo João, o fundador, deve continuar se perpetuando.

E por falar em desafios de gestão, a Cimed é uma empresa familiar. Como isso determina, em termos de gestão de pessoas, a atuação do RH e isso influencia a atração e retenção de talentos na empresa? 

Eu diria que a Cimed não é uma empresa familiar, mas sim uma empresa que é controlada por uma família. Temos um board executivo que trabalha à frente junto com esses acionistas para que cada vez mais a empresa esteja no nível de governança e de responsabilidades adequado. O desafio nessa empresa profissionalizada de família não vem apenas dos colaboradores, mas também do conselho executivo. Diria que a influência está justamente em respeitar a cultura e as particularidades da Cimed, trazer contribuições, além de um trabalho contínuo de desenvolvimento de nossas lideranças para que elas estejam cada vez mais preparadas para os desafios que a Cimed tem hoje e que vislumbra para o futuro. 

Recentemente, a Cimed ganhou muita visibilidade nas mídias sociais e virou febre entre os mais jovens. Que desafios a expansão e a popularidade da marca trouxeram para a empresa, em termos de gestão de pessoas e marca empregadora?

Acho que ajudou muito como marca empregadora. Temos agora o João e Karla como os maiores representantes dessa disseminação dessa nossa marca. É um desafio, sim, porque as pessoas que olham de fora acham que aqui é uma festa o tempo inteiro. Mas é um ambiente de muita responsabilidade em busca de resultados. Então, toda empresa que cresce como a Cimed tem no seu DNA o desejo de crescer cada vez mais. Você não vai encontrar profissionais que não vão dar tudo de si por aqui. Precisamos de pessoas que estejam na mesma sintonia da companhia. É um desafio ser claro e objetivo sobre tudo o que há de mais disruptivo e bacana no que a Cimed propõe ao time, sem deixar de lado o trabalho árduo em prol de um crescimento profissional e da empresa. Aparecemos muito, mas uma das alegrias que eu tenho como recurso humano é saber que o que a gente mostra é real.

A cultura é hoje o seu principal desafio? Se não, qual é o seu principal desafio à frente do RH da Cimed e também para o futuro?

Pra mim, cultura é que nem estalar os dedos. Todos os dias você tem que amanhecer, e estalar os dedos. É um desafio constante,  principalmente numa empresa que cresce do jeito que a Cimed cresce. Precisamos garantir que a gente continue trazendo as informações corretas e trabalhando os comportamentos esperados para que as pessoas estejam integradas dentro dessa cultura e pertencentes àquele ambiente, sem ser ou se sentir um corpo estranho no organismo. O objetivo é fazer com que a cultura seja tão forte, tão transparente, latente, que a própria empresa perceba que aquele profissional já não tem mais lugar ali. Então a cultura nunca vai deixar de ser um desafio. Mas também ver o engajamento, e despertar o desejo das pessoas continuarem aqui é um desafio, sem dúvida alguma, que está na minha lista de prioridades.

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Jornalista de negócios, empreendedorismo e tecnologia. Passou por publicações como Exame, Época Negócios e Autoesporte, além de colaborar com reportagens especiais para a Gazeta do Povo. É vencedora do Prêmio de Destaque em Franchising na categoria Jornalismo de Revista pela ABF em 2022.