Estudo aponta busca por legitimação nas novas funções que surgem no mercado
Transição de carreira, protagonismo e trajetória não linear: um papo com Cíntia Magno, Head de RH da GSK no Brasil
Após mais de uma década na Vale, executiva lidera mais de 1 mil funcionários na farmacêutica no Brasil; para Cajuína, Cíntia recorda trajetória ligada à educação no RH e dá dicas para profissionais em meio à transições de setor e atribuições
Dez anos separam a atuação de Cíntia Magno no ramo da mineração da presença em outros setores do mercado. À frente da área de pessoas e recursos humanos da Vale, uma das mais proeminentes empresas do país, ela teve o árduo desafio de liderar um processo de transformação cultural após a privatização da companhia, além de criar as bases da primeira iniciativa de educação corporativa para mais de 100 mil funcionários. A experiência fez parte de uma carreira no RH que já totaliza 25 anos — e que foi ocupada, em sua maior parte, por posições ligadas à atuação mais estratégica da área, como o desenvolvimento contínuo e criação de planos de carreira.
A longa passagem pela Vale também forjou na executiva o desejo de testar outras áreas nada parecidas com a mineração. Atualmente, Cíntia é líder de RH da farmacêutica britânica GSK no Brasil e mantém por ali a vocação para o desenvolvimento dos colaboradores. Somado a isso, a diretora também tem o desafio de adaptar a cultura da multinacional à realidade brasileira, enquanto prepara a liderança para os desafios do futuro.
Os profissionais hoje já entenderam que carreiras não são lineares, mas grandes teias. O papel do RH é apoiar as empresas a usarem suas estruturas — incluindo a educação continuada — para que essas pessoas se desenvolvam.
Ela sabe o que diz: ao longo dos últimos anos, se tornou símbolo do próprio discurso ao transitar entre posições mais generalistas e mais estratégicas, como a de educação — além, é claro, de ter vivenciado uma ruptura ao mudar de segmento. Confira os principais trechos da entrevista.
Cíntia, você se formou em Psicologia nos anos 2000 e sempre atuou no RH. O que, na sua opinião, mudou na forma como o setor atua de lá para cá?
Quando comecei a trabalhar em RH, há mais de 25 anos, cheguei num momento em que o RH já tinha começado a tentar se reposicionar com um RH muito mais parceiro, com a função de business partner, e não uma área de suporte que apenas processava processos, folha de pagamento, ou enfim… Apesar de ser um papel importante, não era uma área assistencialista na sua essência. Isso me encantou muito.
Minha opção inicial não era ser RH: eu queria ser diplomata. Fiz Direito há algum tempo, mas odiei o Direito, apesar de adorar diplomacia. Acho que isso diz um pouco sobre meu perfil. No ambiente corporativo, busquei entender como se pode apoiar as pessoas para que elas possam ser felizes nesse ambiente e possam agregar valor para as empresas nas quais elas trabalham. Desde cedo, achava muito interessante pensar como o RH pode viabilizar esse impacto. É o que tenho feito ao longo desses mais de 25 anos.
Você esteve por mais de uma década na Vale. Como foi sua passagem por lá?
Foi uma incrível escola. A Vale é uma organização que tem um impacto enorme na transformação das comunidades onde atua, com geração de emprego e renda. É uma indústria ativista e que tem um compromisso muito grande de giveback, de minimizar o impacto e de viabilizar as vocações daquelas comunidades onde opera. Enquanto estive lá, a empresa cresceu muito, o que me desafiou a ajudar o time, principalmente as lideranças, na aquisição de novas competências fundamentais para a organização naquele momento como transformação cultural (de uma cultura de empresa pública para a empresa privada), investimentos em educação continuada, entre outros. Criamos uma universidade corporativa para investir nesse desenvolvimento. Estive em posições de desenvolvimento de carreira e sucessão, além de ter a chance de viajar muito o mundo inteiro e conhecer inúmeras culturas.
Como foi sua saída da Vale? E o que a levou a procurar novos desafios?
Eu não estava procurando nada novo. Eu já tinha passado por várias cadeiras em RH e, na experiência mais recente, estava em um papel generalista. E aí surgiu a possibilidade de ir para a Essilor, que é uma empresa francesa que produz lentes e outros equipamentos para a indústria óptica. Foi quando a possível mudança de indústria me chamou a atenção pela primeira vez. Na época, lembro que o propósito da GSK, porém, me chamou muita atenção. Era uma empresa em ritmo acelerado de crescimento e evolução. Eu seria a posição número um em RH e faria parte do conselho, e essa possibilidade me encantou.
Há também aqui uma adaptação cultural, afinal, a GSK é uma multinacional britânica. Como equilibrar a atuação do RH, as diretrizes internacionais às demandas dos colaboradores brasileiros?
É muito diferente fazer parte de uma empresa brasileira que está conquistando o mundo para uma empresa britânica que tem uma unidade no Brasil. Temos grandes elementos de cultura e direcionadores dessa cultura. O desafio é traduzir isso na prática para cada um dos países em que a GSK atua, respeitando as sutilezas de cada mercado. Para mim, estando agora em uma posição global, sempre fica o questionamento de como influencio de uma forma inteligente e faço a região da qual eu faço parte estar inserida num ambiente global. Eu diria que são esforços diferentes, mas há muita liberdade para adaptação, mesmo tendo que seguir algumas diretrizes.
Na Vale, você teve uma trajetória voltada à parte educacional do RH. Trabalhou com formação e capacitação, construção de planos de carreira e sucessão. Como você enxerga essa sua inclinação à educação profissional, em um contexto de mercado mais amplo?
Sempre tive esse desejo e esse interesse. Seja trabalhando com educação corporativa ou com RH mais generalista, que é o que eu faço hoje, minha paixão pelo desenvolvimento profissional continua. Tento discordar quando ouço que o RH é visto apenas como executor de processos. Afinal, um colaborador tem todo um ciclo de vida dentro de uma empresa. No momento em que é admitido, ou tem um processo seletivo, aí entra a área de recrutamento. Depois temos os processos, seja de admissão, de pagamento ou folha de pagamento, que estão ligados à área de benefícios. E aí você tem o dia a dia: a relação dele com o gestor, o desenvolvimento de carreira, o ajuste à cultura da empresa, a necessidade de preparar melhor a liderança para ter as boas conversas de desenvolvimento, de carreira…Tudo isso tem a ver com esse papel estratégico de RH voltado à preparação contínua – e que é cada vez mais vital nas empresas, que já entendem que carreiras não são lineares, mas sim grandes teias. O papel do RH é apoiar as empresas a usarem suas estruturas — incluindo a educação continuada — para que essas pessoas se desenvolvam nessa nova lógica.
E na GSK, quais são suas prioridades estratégicas, como Head de RH? Qual é o hoje o cenário, em termos de gestão de pessoas, na empresa?
A GSK é uma organização que está crescendo muito, em todas as suas unidades de negócio. Estamos falando de impacto positivo na saúde, e temos que continuar maximizando esse impacto. Para isso, precisamos também evoluir muito como organização. Uma das minhas prioridades é preparar cada vez mais a liderança nesse contexto de evolução, de transformação da organização. Meu objetivo é não somente preparar os líderes atuais, mas ter um um pipeline de talentos, de potenciais líderes igualmente preparados, crescendo e criando novas posições e conhecimentos, novas áreas que a gente não operava até então. A segunda preocupação é a cultura. Se você não tem uma cultura que viabilize a sua estratégia, de nada adianta. Estamos vivenciando a transição para uma cultura mais ágil, aberta e fluida, na qual as pessoas tenham mais protagonismo e segurança psicológica, com foco em bem-estar. A terceira classe desses desafios são as competências. Estamos entrando em novos ambientes, em novas esferas que requerem conhecimentos diferentes, e talvez formas diferentes de fazer. Então como é que continuamos desenvolvendo a nossa força de trabalho, criando espaço para a organização balancear a busca por esses conhecimentos no mercado e também dentro de casa, para aqueles que vão crescer junto com a empresa.
Falamos muito de transição de carreira, no sentido mais bruto do termo. De pessoas mudando de área e transformando totalmente sua atuação profissional, da água para o vinho. No seu caso, que sempre esteve no RH, a transição parece ter sido mais “suave”, mudando apenas de atribuições ou indústrias. Que dicas você daria a profissionais que estão pensando em fazer mudanças de carreira similares?
A chave é a curiosidade. Não ter medo de correr risco. Quando mudamos, seja de empresa ou de função dentro de uma área, tem sempre um risco e um medo. Por isso, é preciso coragem. É também preciso cuidado, sem coragem ou confiança excessiva. É o que falei sobre vulnerabilidade. Ter mentores também é algo que, para mim, funcionou muito bem. Para mim, nessas transições, ter pessoas que me deram insights, que me inspiraram e que de alguma forma me deram um nível de segurança para que eu pudesse talvez correr algum risco de fazer mudanças foi muito importante. Outra coisa é a proatividade ao demonstrar interesse pelas mudanças. Sinalize para a organização, busque, demonstre interesse e se aproprie da sua carreira e do seu desenvolvimento.
Quando falamos sobre o que esperar para os próximos anos no RH, constantemente ouvimos líderes falarem de uma mudança de papéis do RH, para algo menos operacional, para algo mais estratégico, atuando como parceiro de outras áreas e do próprio colaborador. Isso é algo que você trouxe como sendo antigo, coisa de 20 anos atrás. Então queria saber o que você vê como mudança substancial para os próximos cinco anos, considerando o curto prazo?
Eu acho que tem algumas coisas que são fundamentais, se eu já puder fazer o link com os próximos cinco anos de RH e de uma forma geral. A primeira é a vontade de aprender e desaprender. As coisas estão em uma velocidade de transformação tão absurdamente grande, que só nós, como profissionais, independente de ser RH, tecnologia, comunicação ou área comercial, não temos capacidade de aprender rapidamente, não teremos sucesso. É preciso curiosidade e flexibilidade. Em segundo lugar está a vulnerabilidade. Eu sei que é uma palavra super batida, mas se a gente não é vulnerável para assumir o que sabemos, a gente sempre vai achar que está mais preparado do que realmente está. Outra coisa é a agilidade: sermos mais ágeis ao tomar decisões mais rápidas, o que não quer dizer é ter pressa. Já numa perspectiva de flexibilidade, não vou nem falar dos novos modelos de trabalho, como o trabalho híbrido, porque eu acho que tem uma ligação direta entre tudo que mencionei, principalmente adaptação e flexibilidade.
Para finalizar, Cíntia, você tem alguma dica de livro, filme ou podcast pros leitores?
Gosto muito do livro Comece Pelo Porquês, do Simon Sinek. Eu já tinha lido e devo reler em breve com muito carinho, porque ele fala sobre a importância de olhar para o mundo não da perspectiva das ações, mas do porquê as pessoas fazem as coisas. Outra dica é o Um pouco de Otimismo, podcast também do Simon Sinek. Em um episódio em especial, ele conversa com Adam Grant e Brené Brown sobre a união de propósito com vulnerabilidade, segurança psicológica e potencial. Recomendo fortemente.
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