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IA, pertencimento e inovação: um papo com Fernanda Ramos, diretora de RH da Ford na América do Sul

Executiva entrou na empresa há 25 anos por um programa de trainee e nunca mais saiu; hoje, Fernanda lidera o RH de sete países, em um grupo de 5 mil colaboradores

Vanessa Fajardo
17 de janeiro de 2025
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Após ser selecionada para um programa de trainee em 1999, Fernanda Ramos começou a trabalhar na Ford e nunca mais saiu. Já são 25 anos na companhia global que projeta, fabrica e comercializa uma linha completa de carros. Ao longo desse período, a executiva de 48 anos teve a oportunidade de vivenciar diferentes experiências, incluindo a de morar na Argentina e no México, até chegar ao cargo atual de diretora de Recursos Humanos da Ford América do Sul. 

“Por mais que sejam 25 anos, foram desafios tão diferentes que sempre digo que parece que foram outras empresas, outros momentos. É como se eu estivesse mudando de desafio a cada momento”, conta Fernanda, em entrevista para Cajuína. Atualmente, responsável por um grupo de 5 mil colaboradores distribuídos por sete países, a executiva afirma que um de seus principais desafios é implementar a cultura digital e disseminar o uso de tecnologias como a inteligência artificial. 

Começamos há três anos com letramento, estimulando a curiosidade sobre o assunto porque para alguns setores ainda era um tema distante. Hoje, data analytics e inteligência artificial não pertencem mais só à área de tecnologia.

Confira a seguir os principais trechos da conversa:

Como foi sua entrada na Ford, já tinha interesse em trabalhar com RH?

Eu me formei em Administração de Empresas, mas comecei a trabalhar com RH na faculdade, em projetos de empresa júnior. Lembro que não era algo muito comum na época. As pessoas preferiam estudar finanças e trabalhar em banco, mas eu gostei da área. Entrei na Ford em 1999, em um programa de trainee específico de RH. 

Quais foram os passos seguintes?

O programa terminou e eu fui para área de remuneração, onde tive meu primeiro desafio profissional. Ali, participei de uma reestruturação, em um projeto especial que acabou me dando visibilidade. Alguns anos depois, fui promovida como supervisora da área de remuneração para o Brasil. Em seguida, em 2002 assumi uma responsabilidade regional. 

Para aprender mais sobre o assunto, encontrei um especialista de remuneração da Ford que estava na Ásia e me ensinou muito. Trabalhava durante o dia e à noite ia fazer reunião com ele. Quando ele se aposentou, meu diretor global de remuneração me convidou para assumir um cargo na Tailândia para substituí-lo. 

Tinha 28 anos e queria morar fora do país, mas minha chefe da América do Sul me fez outra proposta para assumir uma posição mais interessante e generalista na Argentina. Fiquei quase cinco anos como RH e tive o desafio de contratar as primeiras mulheres da fábrica da Argentina lá em 2007.

Depois você retornou ao Brasil?

Acabei mudando para a área de Labor, sendo a negociadora da companhia. Tínhamos uma estratégia interessante na época, porque passamos a fazer as negociações individuais e não mais por meio da Anfavea [Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores]. Fiz essa transição para Labor e assumi a diretoria de Labor e Saúde para a América do Sul. No final de 2017, fui convidada para assumir um cargo no México. 

Como foi o seu trabalho por lá?

Tínhamos duas fábricas em lançamento e ainda precisávamos lançar o centro de serviços compartilhados. Na época, havia ainda uma mudança muito grande no governo local, que era mais voltado para os trabalhadores. Então havia a necessidade de alguém que conhecesse o sindicato e fizesse essa transição. Fiquei por três anos e voltei para o Brasil para fazer a análise da reestruturação do negócio. Fizemos toda a transformação do business em 2021 e, desde então, estou à frente da Ford na América do Sul. 

25 anos é uma longa trajetória. Como é estar há tanto tempo na mesma empresa?

Por mais que sejam 25 anos, foram desafios tão diferentes que sempre digo que parece que foram outras empresas, outros momentos. É uma paixão. É como se eu tivesse mudando de desafio a cada momento. Eu conheço toda a América Latina, hoje eu cuido de sete países, Brasil, Argentina, Chile, Colômbia, Peru, Venezuela e Uruguai com cerca de 5.000 empregados. 

Temos a fábrica de Pacheco, na Argentina, onde produzimos a Ranger, uma joint venture no Uruguai. Temos mais de 1.500 engenheiros no Brasil, sendo a maioria na Bahia, onde está nosso centro de tecnologia, a partir de onde desenhamos carros para o mundo inteiro. Grande parte das tecnologias embarcadas que você vê hoje nos veículos globais da Ford são feitas pelos nossos engenheiros. Além disso, temos um campo de provas em Tatuí [interior de SP]. É uma organização bem dinâmica que atua de maneira totalmente diferente, muito voltada para tecnologia e inovação. 

Quais seus principais desafios hoje à frente do RH na América Latina? Há algo em comum em todos os países?

Há o desafio de implementar a jornada digital em todas áreas que permeiam a organização. Começamos há três anos com letramento, estimulando a curiosidade sobre o assunto porque, para alguns setores, ainda era um tema distante. Hoje, data analytics e inteligência artificial não pertencem mais só à área de tecnologia. 

Junto com o marketing, fizemos um programa de incentivo à utilização de ferramentas de inteligência artificial com letramento, mostrando exemplos de utilização e trazendo isso para a realidade do trabalho. Temos habilitado uma série de ferramentas que ficam disponíveis para todos os funcionários. 

Ainda vejo empresas que bloqueiam a utilização de inteligência artificial. Aqui é o contrário: nós fomentamos, mas com responsabilidade. Todo mundo sabe que tipo de dado ou informação pode ser ou não utilizado. 

Leia também: ‘Ninguém será substituído por robôs, mas pode ser por quem souber usá-los bem’, diz Marco Stefanini, CEO e fundador da Stefanini

Pode citar alguns dos programas oferecidos pela Ford atualmente destinado aos colaboradores?

Além do básico de ter uma boa remuneração e um bom pacote de benefícios para ser atrativo, temos a preocupação de disseminar a cultura do pertencimento com muitas ações voltadas para a conexão com a marca e com o produto. Nossos empregados participam de todos os eventos que temos da marca, realizamos os “track days” em que eles podem se inscrever para testar os carros no campo de Tatuí. 

Em Pacheco, na Argentina, tivemos o Ford Corre, uma maratona solidária em que 1.200 funcionários participaram, arrecadamos 3 milhões e meio de toneladas de alimentos para distribuir. 

Temos ainda eventos de visitas às fábricas e no ano passado retomamos a mentoria focada nos filhos dos funcionários, que estão em idade de entrar na universidade. Eles podem se inscrever para participar de uma sessão de mentoria com nossos executivos sobre carreira. Procuramos sempre fazer coisas que façam sentido para aquela localidade, então os programas não são necessariamente todos iguais, mas atendem a necessidade de uma determinada operação.

E para o público externo, há alguma iniciativa?

Temos o Ford <Enter>, um programa feito em parceria com o Senai, de qualificação para estudantes de baixa renda na área de tecnologia. Ele existe em toda a América Latina. No Brasil, já são três turmas em São Paulo e expandimos recentemente para a Bahia. Os contemplados recebem bolsa auxílio, acompanhamento psicológico e mais oportunidades para conseguir se inserir no mercado de trabalho. Alguns dos nossos estagiários atuais vieram desse programa. 

Quais competências e habilidades vocês priorizam dentro da equipe de colaboradores hoje e buscam no momento da contratação?

Buscamos empregados que trabalham com excelência, foco e colaboração. Isso é algo que permeia todas as nossas comunicações, ferramentas, ações de desenvolvimento e de desempenho. Claro que as competências técnicas são importantes, mas elas podem ser treinadas. A questão da conexão com a cultura e com os valores acaba sendo mais importante. Então, na hora de contratar, a gente acaba dedicando mais tempo para entender se a pessoa tem esse fit com a organização, mas até do que para avaliar as habilidades técnicas.

Vanessa Fajardo é jornalista, com passagens pelas redações do portal G1 e Agora SP. Também faz contribuições para veículos como Estadão, BBC Brasil, UOL e Porvir.