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‘A próxima onda é olhar a jornada das pessoas de maneira individualizada’, diz Luiza Ribeiro, CHRO da XP

Tecnologia será chave para criar trilhas únicas, enquanto alinhamento cultural garantirá lado humano do negócio, afirma executiva

Bruno Capelas
15 de janeiro de 2025
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Engenheira de produção, Luiza Ribeiro demorou para se entender como uma profissional do RH – mas passou a fazê-lo quando percebeu como a área de pessoas se tornava estratégica dentro dos negócios. “Conforme se veem empresas construindo áreas de RH estratégicas, isso passa a atrair outro tipo de profissional”, diz a CHRO da XP, sobre o movimento que colocou profissionais da sua posição “como um braço direito do CEO”. 

Com passagens por empresas como Itaú, McKinsey e Usiminas, a executiva vê um futuro complementar no RH. De um lado, o uso de tecnologia permitirá criar jornadas das pessoas de maneira mais individualizada. Do outro, o alinhamento cultural será importante para garantir o aspecto humano do negócio – e até mesmo evitar armadilhas de saúde mental e diversidade. “A complementaridade é a chave para criar soluções mais complexas e robustas”, diz Luiza, que também fala sobre o uso de People Analytics e a importância do equilíbrio ao longo das próximas linhas. 

Qual foi a principal mudança do RH nos últimos cinco anos? 

Havia antes um RH mais operacional, muito distante do negócio. Era um RH que se estruturava criando políticas de gente, mas distanciado do dia a dia dos negócios e sem dados. A principal evolução que vejo – e que começa antes de 2020 – é a do RH se aproximando do negócio, com o CHRO virando um braço-direito do CEO. No fundo, os maiores problemas de negócios são problemas de gente. Mas para resolvê-los, o RH tem que entender de negócio, identificando desafios e usando ferramentas de engajamento, meritocracia e recrutamento para fazer o negócio performar melhor. Para isso, é preciso mudar o formato que o RH está estruturado, saindo da estrutura de departamentos para o que vemos com os Business Partners, com áreas de RH capazes de customizar soluções para dores específicas, em vez de empurrar soluções prontas. Alinhado a isso, hoje há times de RH mais multifuncionais. Hoje, seguimos com times de especialistas para as fortalezas do RH, mas em cada canto há uma réplica do CHRO para os grandes negócios, com um time multifuncional que traz soluções para as dores do negócio. É uma mudança para uma perspectiva que antes era bem silada. E vejo uma mudança grande em fatos e dados, com crescimento de People Analytics. Hoje, não basta ter hipóteses: é preciso que elas estejam apoiadas em fatos e dados, pois é assim que se ganha o respeito das áreas. People Analytics e o fundacional de dados crescem muito. Já temos comunidades de tech trabalhando para desenvolver sistemas de RH ou usando IA generativa nesse sentido. Por fim, há também uma mudança de perfil nas pessoas que os RHs buscam atrair. Meu time hoje tem muitas pessoas que sabem resolver problemas, como engenheiros, pessoas de dados, gente das mais diversas carreiras. Se a pessoa sabe resolver problemas, tem agilidade de aprendizado para entender o negócio e sabe influenciar, são as habilidades necessárias. 

O conceito de Business Partner não é exatamente novo. Por que demorou para haver esse estalo e chegar a essa maturidade? 

É uma questão de ovo e galinha, que talvez esteja ligada ao perfil de pessoas no RH. Eu falo por mim: demorei a aceitar que eu trabalhava no RH. Sou engenheira, trabalhei em consultoria por muito tempo e não admirava as pessoas que eu via no RH, não conseguia enxergar o assento na mesa. Como você faz alguém aspirar a ser da área, se não vê a área como estratégica? Aqui, faço um paralelo com a importância da representatividade: conforme se veem empresas construindo áreas de RH estratégicas, esse tema começa a ser debatido e isso passa a atrair outro tipo de profissional. Mas o estalo aconteceu, e há vários fatores: há uma questão cultural que faz com que a mão de obra seja um gargalo, exigindo uma inteligência no recrutamento. A pandemia também nos fez aprender muito sobre as diferenças de engajamento entre as empresas. E a tecnologia que existe hoje em fatos e dados trouxe mais ciência para algo que era abstrato. Mas repito: essa é uma mudança que vem de 2015 para cá. Hoje, falar em RH estratégico é quase padrão. 

É tão padrão como discurso que até é difícil saber como ele entra na prática. 

Não é fácil sair do discurso e ir para a prática. Vejo a XP muito avançada, mas seria ingenuidade achar que todos os líderes já passaram por esse chamado. É nossa missão falar de dados. Com fatos e dados, vemos links claros entre o papel do engajamento na performance ou do turnover no impacto dos resultados. Gosto muito de pensar sobre o ciclo de um colaborador e o quanto de valor ele adiciona à empresa. Ao entrar na empresa, ele ainda precisa “rampar”, então é um investimento. Ele cresce até chegar a um platô, que começa a cair quando o colaborador se desengaja. O papel da área de gente é acelerar etapas: o onboarding deve ser mais rápido e é preciso fazer com que o colaborador não pare em um platô, desenvolvendo-o para que ele performe melhor e engajando-o para ficar mais tempo numa linha de alta performance. Para setores em que o principal ativo são as pessoas, como no mercado financeiro, essa correlação fala diretamente sobre produtividade. É poderoso ter uma área capaz de otimizar a performance das pessoas. Não é algo trivial: as pessoas são únicas e é preciso atuar de forma customizada para cada indivíduo, o que torna o trabalho dos líderes cada vez mais complexo. 

People Analytics é um tema que evolui muito rápido, mas que há dúvidas sobre sua utilização e a maturidade desse uso. Como está o tema na XP? Há exemplos? 

Da mesma forma que os computadores ou a internet, people analytics é uma ferramenta. Ela não substitui o humano – e ter clareza disso é importante para usá-la da melhor forma possível. E isso vale para várias tecnologias, como a IA generativa: não acredito que ela vai remover vagas de trabalho, mas sim que o modo de trabalhar e os skills exigidos terão uma modificação nesse processo. É algo que muda o trabalho, mas não substitui as pessoas. Quanto à experimentação, ela passa por etapas. Em People Analytics, o ponto mais básico é fazer reports baseados em dados, a partir de um data lake. É algo que muitas empresas já fazem hoje. Acompanho milhares de indicadores mensalmente, como turnover, engajamento, qualidade de recrutamento, eNPS, com quebras por recorte de diversidade, por área, tipo de liderança. É uma fase até que já “passou”. A segunda fase é usar os dados para chegar a hipóteses e conclusões, buscando resolver problemas, fazer pilotos. É uma análise que vai além do puro report, que já vejo muitas empresas fazendo bem. Agora, o futuro está em dois pontos. Um é a análise preditiva, outro é como usar Gen AI num nível mais individual. Hoje, já temos modelos preditivos de recrutamento ou de turnover. Mas qual cuidado precisamos ter? Modelos preditivos usam bases enviesadas por natureza – e isso pode ser um problema para transformações, pensando, por exemplo, em questões de diversidade. É preciso fazer ajustes, bem como usar informações de forma confidencial e cuidadosa. Um modelo preditivo de turnover pode virar uma profecia autorrealizada. Já na Gen AI, o maior brilhantismo é acelerar a forma de fazer e buscar customização. Será que consigo usar IA para recomendar treinamentos para cada indivíduo? Se fizesse na mão, jamais conseguiria. Mas posso pedir pro robô ler feedbacks, fazer match com a posição e propor uma trilha. Se o robô fizer para cada colaborador, o gestor vai entender aquilo como primeiro rascunho e complementar com a visão dele. É um exemplo. Hoje, ainda há pouca coisa na maturidade, mas estamos testando muitos pilotos. 

A tecnologia traz uma nova fase no RH? 

São ondas. Antes dos anos 2000, a área de gente era sobre criar políticas, fundações e processos. Nos últimos dez anos, usamos dados e fatos, nos aproximamos do negócio e fazemos arquétipos – trato a área de varejo diferentemente da área de atacado ou de tecnologia, mas ainda preciso agrupar as pessoas. Para mim, a próxima onda é olhar a jornada das pessoas de maneira individualizada. Isso muda o jogo porque cada indivíduo é único, e virá daí a próxima revolução. 

Como chegar logo nesse futuro? 

Não tem como chegar e individualizar de uma vez só. É preciso seguir perto do negócio e buscar robustez, lidando com áreas de forma integrada. Não dá para recrutar de uma forma e desenvolver de outra, é tudo integrado. Cada vez mais, vejo a área de gente numa abordagem skill-based: as competências pelas quais recruto deveriam aquelas pelas quais faço desenvolvimento e avalio as pessoas, porque aí há consistência no processo. Outra questão é desenvolver mais os líderes, que terão papel fundamental. Acredito muito que há espaço para todo mundo. Outro ponto importante é sobre alinhamento cultural. Quando comecei a buscar trabalho, eu pensava em salário ou plano de carreira, mas não na cultura. Ao longo da carreira, vi que isso é fundamental. Sem alinhamento cultural, não dá para “walk the talk” e estar na melhor performance. Quando olho para XP, temos uma cultura forte. Em 2024, traduzimos como essa cultura se reflete nas práticas do dia a dia, no que chamamos de proposta de valor. Quem fizer isso de forma concreta terá relações mais transparentes e mais claras. As empresas passaram por um boom de recrutamento em que precisavam se vender. Não acredito nisso mais: se você trouxer a pessoa certa para uma empresa que é o que ela espera, ela pode se desiludir em três ou seis meses, o que gera custo para os dois lados. Aqui, quando recrutamos, fazemos um anti-pitch: explicamos o que é bom na cultura da XP – crescimento, autonomia, agilidade, tomada de decisão, líderes próximos – e quais são os efeitos colaterais. E está tudo bem se as pessoas não gostarem: há outras empresas que oferecem outros pontos. Nossa forma de aprender é por meio de desafios, cada vez maiores, puxando cada vez mais, em um ambiente que sempre muda. Mas para isso funcionar, é preciso ter líderes próximos, presentes, dispostos a ensinar. E entendemos que há perfis de pessoas que não querem essa carreira. Ter clareza do que se pode oferecer é importante, porque é uma mega responsabilidade trazer alguém para a empresa – e é um investimento dos dois lados, ninguém vem para uma empresa para mudar em 3 ou 6 meses. Firmar um value proposition é muito importante para qualquer empresa mostrar para o colaborador o que ela é. 

Mas como garantir a cultura e, ao mesmo tempo, prestar atenção em saúde mental e diversidade? 

Ainda estamos aprendendo todos os fatores envolvidos em saúde mental. É um tema para o qual não dá para fugir mais. Mas tenho um ponto: a falta de alinhamento de valores é um dos principais fatores de adoecimento mental. Quando você faz algo que não se sente pertencente no seu melhor, quando você não é fiel a quem você é, a carga cognitiva ali acaba pesando. Por muito tempo, tentamos colocar todo mundo no mesmo quadrado – e isso é ruim. As pessoas são diferentes. Então, quanto mais você conseguir customizar a jornada e ter alinhamento de valores, você diminui a carga cognitiva das pessoas. Não acredito que burnout seja exclusivamente vinculado à carga de trabalho, há uma série de fatores: da genética ao ambiente de trabalho, ao pertencimento, tolerância aos erros, autonomia. Por outro lado, o trabalho faz parte da minha vida, mas tenho que estar feliz. Não acredito em “work-life balance”. Quando se fala nele, parece que é tudo platô, mas a vida de ninguém é um platô. Estou grávida de 9 meses: você acha que minhas prioridades não vão mudar? O ponto é como as empresas se ajustam para que as pessoas possam se equilibrar. 

Mas é um equilíbrio móvel. 

Sim. E ao longo do tempo. Se você puxa sempre para um lado e não der nada em troca, não é equilíbrio. Mas as empresas que tiverem um value proposition alinhado e líderes humanos em um ambiente de troca, respeito, transparência, tratando gente como gente, poderão vencer. Não há bala de prata, mas há um conjunto de ações e preocupações que precisam estar na cabeça dos gestores e da alta liderança. Você falou sobre diversidade e para mim está mais claro o poder da representatividade: recebi muitas mensagens sobre estar grávida no palco de uma conferência como a Expert. O poder de ter representatividade cria o poder de ter um ambiente de vulnerabilidade. E isso vale para os líderes: nenhum líder será perfeito, ninguém é, então é preciso normalizar o lado humano das pessoas. Quanto mais claros forem os combinados, diminui a carga cognitiva. Quanto mais a liderança se mostrar vulnerável e humana, melhor. Já passei por instituições que tinham refeitórios divididos por cargo. Quer coisa menos humana que isso? É preciso tornar o líder alguém que senta do lado do colaborador, que fala com o estagiário, que confessa que não está bem. Por muito tempo, colocamos uma carga grande para as pessoas serem super-heróis ou máquinas, mas elas são… humanas – e eu acredito em pessoas humanas. 

De um lado, a experiência é mais individualizada por meio da tecnologia. Do outro, o alinhamento cultural é uma questão muito humana. Não há bala de prata, mas sim a conexão de pontos que parecem até vir de pólos opostos. 

É preciso trabalhar a complementaridade, mas acredito que os valores e o propósito têm de ser comuns. Posso tratar cada um à sua maneira, mas é preciso ter o mesmo objetivo, a missão tem que estar clara sobre onde queremos chegar e quais são as principais normas de trabalho. Uma empresa que preza por crescimento independe de gênero, raça, mas depende de ter o mesmo propósito ou sonho grande. A complementaridade é a chave para criar soluções mais complexas e robustas. Eu fui criada na McKinsey e lá há um valor que é a obrigação de discordar: expor um ponto de vista abre a humildade de construir algo novo. A XP tem um valor parecido, “mente aberta”, para ouvir diferentes visões. Uma das coisas que me trouxeram para a empresa é que queriam realmente ouvir minha opinião. É uma construção coletiva – e a humildade de reconhecer que o coletivo é mais transformador que uma pessoa só. 

Para fechar, queria saber se você tem alguma indicação de leitura para inspirar os RHs que leem essa entrevista. 

Há dois livros que guiaram minha carreira – um como profissional de gente e outro como mulher. São livros antigos, que ajudam a entender a visão de RH com o negócio. Um é o livro do Laszlo Bock, Work Rules. Ele trabalhou no Google e é uma referência em visões inovadoras, eu guardo como uma bíblia. O outro é Faça Acontecer, da Sheryl Sandberg, que fala de dicas práticas, de como facilitar conversas, é algo que faz cair várias fichas para uma mulher.  E para fechar, um terceiro é o A Geração Ansiosa, do Jonathan Haidt, que fala sobre essa geração que cresceu olhando mídias sociais, sendo comparada, sofrendo com adoecimento mental, e o livro ressalta o quanto isso é perigoso.

Bruno Capelas é jornalista. Foi repórter e editor de tecnologia do Estadão e líder de comunicação da firma de venture capital Canary. Também escreveu o livro 'Raios e Trovões – A História do Fenômeno Castelo Rá-Tim-Bum'.

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