Estudo aponta busca por legitimação nas novas funções que surgem no mercado
Como o Grupo Dreamers fez da diversidade uma força central e estratégica
Holding formada por 18 empresas, como a agência Artplan e a RockWorld - operação que é sócia do Rock in Rio, Lollapalooza e The Town -, busca garantir representatividade dos escritórios aos palcos; para Debora Moura, head de diversidade e inclusão da empresa, papel do RH é mostrar que tema não é ‘bicho de sete cabeças
O olhar atento para a diversidade dentro e fora dos palcos reflete a atuação do Grupo Dreamers, holding de comunicação e entretenimento composta por marcas como Rock in Rio, The Town, Lollapalooza e Artplan. Mais do que apenas buscar a representatividade, a companhia também quer garantir que essa característica esteja no ambiente corporativo das 18 empresas. Hoje, 30% dos funcionários são negros e 18,6% estão em cargos de liderança. A empresa tem ainda 58% de mulheres; 18,2% de pessoas LGBTQIAPN+, 2,1% de pessoas com deficiência e 9,3% do quadro composto por pessoas com 50 anos ou mais.
Para Debora Moura, head de diversidade e inclusão da Artplan e do Grupo Dreamers, esses números são apenas o início de um trabalho contínuo para trazer mais pluralidade ao negócio com todas as suas interseccionalidades. “A diversidade, para nós, é um propósito, está no centro da estratégia”, diz.
E apesar de ainda vermos casos em que o discurso está longe da prática, a executiva é otimista. “Tenho conversado com muitas pessoas sobre o tema e, embora seja um trabalho difícil, a maioria concorda o quão importante é para o sucesso de qualquer companhia. Não há volta, pois retroceder ou não avançar impacta negativamente nos resultados – da produtividade e bem-estar das pessoas à retenção de talentos e fechamento de negócios”, afirma. Na entrevista a seguir, Debora conta como o Dreamers trabalha o tema, dá detalhes de alguns projetos e mostra alguns caminhos para as iniciativas de diversidade avançarem, além de descrever o papel do RH dentro desse tema tão relevante.
Quais os principais desafios para sair do discurso e realmente colocar a diversidade na estratégia do negócio?
O primeiro é entender a importância do tema para a sustentabilidade do negócio. Falar de diversidade é falar de competitividade e de resultados. Por isso, é fundamental angariar aliados para dar o passo inicial, tendo em mente que trata-se de um processo contínuo que deve ser baseado no propósito da empresa. Implementar uma ação isolada e não avançar, por exemplo, faz a empresa retroceder como negócio porque não conseguirá “falar” com toda a sociedade. Esse problema também se refletirá na dificuldade de atender as demandas dos clientes, na atração e retenção de talentos, na inovação e na imagem da marca. Também é fundamental ter em mente que nunca vamos encontrar todas as pessoas na mesma página, conscientes da relevância do tema e com o mesmo letramento. Algumas pessoas, por exemplo, não entendem profundamente sobre a necessidade das cotas ou ainda têm dúvidas sobre termos que podem ou não ser usados. Há, ainda, a questão da inclusão de fato, pois não basta apenas contratar, é preciso garantir que esses profissionais avancem na companhia. Por isso, inclusão, letramento e desenvolvimento devem caminhar juntos.
Não basta apenas contratar, é preciso garantir que esses profissionais avancem na companhia. Por isso, inclusão, letramento e desenvolvimento devem caminhar juntos.
Você tocou num ponto importante: a criação de um ambiente no qual as pessoas dos grupos minorizados, como mulheres, negros e PcD, se sintam parte e à vontade para serem elas mesmas, e com oportunidades de crescimento e capacitação iguais. Como fazer isso?
É preciso ter um olhar específico para esses profissionais dentro de cada equipe. Eu sempre sugiro o famoso “teste do pescoço”: olhe para a sua equipe, entenda quem são as pessoas de grupos sub-representados e o que trazem de habilidades, competências e características. Quais as necessidades de cada uma? O que esperam da carreira? E o que precisam para se desenvolver e alcançar esses objetivos? Isso exige dos gestores escuta ativa e um bom alinhamento com o letramento. Isso porque, às vezes, existe a intenção de incluir, mas basta uma palavra errada para afastar um profissional do sentimento de pertencimento. Nesse sentido, é crucial também o olhar individualizado, pois cada um possui uma realidade, assim como contexto social e educacional. Na empresa, temos pessoas de diferentes religiões, o que demanda a ausência em dias sagrados diferentes do calendário oficial, por exemplo. É preciso conhecer e respeitar a história das pessoas, muito além do trabalho. E isso só acontece por meio das conversas.
É preciso conhecer e respeitar a história das pessoas, muito além do trabalho.
Qual é o primeiro passo para iniciar um projeto de diversidade realmente robusto e como foi esse processo no Grupo Dreamers?
Tudo começa com um mapeamento interno, ou seja, entender como está a representatividade de todos os grupos – idade, PcD, neurodivergência, raça, gênero e todas as suas interseccionalidades. No Grupo Dreamers, realizamos um censo da diversidade com o apoio de uma consultoria externa e, a partir dos dados, iniciamos ações para aumentar a presença de profissionais nos grupos ainda não tão presentes na empresa. A primeira foi o letramento. Iniciamos com a pauta racial e, aos poucos, passamos por todas as verticais da diversidade. Quando as pessoas entendem e se aliam a uma pauta, como raça ou gênero, fica mais fácil se aliarem também às outras. Em paralelo, expandimos o comitê de diversidade, que já existia na Artplan desde 2017, transformando-o em Comitê da Diversidade do Grupo Dreamers, em 2020, para envolver todas as empresas. Também criamos seis grupos de afinidade – mulheres, raça, LGBTQIAPN+, pessoas com deficiência, 50+ e responsabilidade social – e realizamos um treinamento com todos os membros inscritos para abordar o papel e responsabilidade de cada um. O objetivo é que os grupos sirvam de apoio, acolhimento e ponte para novos projetos.
Pode dar um exemplo de ação que surgiu a partir das discussões desses grupos?
O programa de mentoria, criado em 2021 a partir do grupo de raça. A inspiração veio da observação de uma colaboradora negra com muito potencial, formada em publicidade, mas que atuava na área de check-in. Precisávamos implementar alguma ação para realizar uma movimentação de setor. No primeiro ano, o programa foi dirigido para mulheres negras, mas com o tempo e a maturidade da ação, estendemos para outros grupos. Este ano, além de funcionários negros, pessoas LGBT+, com deficiência e neurodivergentes também podem participar do projeto. Nas três primeiras edições, 17% dos 92 colaboradores mentorados tiveram movimentação de carreira, como promoções para cargos de liderança, efetivações após serem estagiários ou migrações entre equipes e entre empresas do Grupo. Por meio de uma metodologia própria, a iniciativa prevê 10 encontros entre mentores e mentorados, destinados ao empoderamento e visão de futuro dos participantes, sempre pensando em identificar talentos, ampliar possibilidades e criar um ambiente cada vez mais inclusivo. Eu mesma participei da primeira edição do programa e passei a olhar de maneira diferente para a minha carreira. Entendi, por exemplo, o valor da minha história de vida e de família. Percebi o quanto isso é importante para a minha trajetória profissional e que, de certa forma, faz parte das minhas habilidades e competências.
Outro exemplo é a Política de Enfrentamento à Violência Contra as Mulheres, lançada em julho de 2022. A iniciativa surgiu no grupo de mulheres para apoiar funcionárias que sofrem abusos dentro ou fora do ambiente de trabalho, e prover letramento e informação a todos os colaboradores do Grupo sobre como agir diante das mais diversas situações dentro desta temática. A política acontece em três frentes — prevenção, combate e assistência — e conta com a parceria do Instituto Gloria e do Instituto Maria da Penha.
Há, ainda, projetos voltados à capacitação de jovens, não é mesmo?
Sim. Sabemos que a qualificação profissional e técnica é um grande obstáculo para a inclusão de jovens no mercado de trabalho. Assim, por meio do Comitê, criamos o projeto Futuros Sonhadores, em parceria com a escola Adolpho Bloch, no Rio de Janeiro. As edições contam com 80 horas de conteúdo extracurricular, com professores como Rodolfo Medina, presidente executivo do Grupo Dreamers; Antonio Fadiga, sócio e presidente da Artplan; e Gláucia Montanha, CEO da Artplan SP, e oferecem nove vagas de estágio na empresa. Temos também o Projeto Estagiar, que atua para selecionar alunos de faculdades que não são de renome ou que estão localizadas na periferia. Outra ação é o projeto com a Escola Rua, que oferece oportunidades para pessoas de grupos sub-representados, entre trans e travestis, LGBTQIAPN+, pessoas pretas, PCDs e mulheres. O projeto está em andamento, já recebeu 165 inscrições e conta com uma turma de 35 alunos que estão recebendo conteúdo sobre comunicação e soft skills.
E como garantir que a atuação dos líderes, que estão no dia a dia com os profissionais, tenha como base a diversidade e o respeito às diferenças?
Esse é um trabalho diário. Estamos sempre em movimento para que o tema se mantenha em pauta. Todos os meses, temos entre duas e três ações voltadas à diversidade e com a participação ativa da alta gestão, como Rodolfo Medina, presidente do Grupo, e Gláucia Montanha, CEO da Artplan São Paulo. Eles nos ajudam a engajar as lideranças para que sejam disseminadores da pauta. Recentemente, por exemplo, estive em São Paulo para um encontro com os líderes. Na pauta, falamos das questões que envolvem a diversidade, do clima no escritório e da evolução das diretrizes que estabelecemos, além de debater como está o engajamento e as ações de acolhimento para os grupos sub-representados, qual o perfil do time e o que pode ser feito para a inclusão e desenvolvimento de todos.
Temos, ainda, o calendário da diversidade, que contempla datas específicas relativas às questões dos grupos sub-representados, como Dia da Consciência Negra, Dia Internacional da Violência contra a Mulher e Dia da Pessoa com Deficiência. Realizamos o 10pras10 Especial Diversidade, que aborda em dez minutos assuntos importantes, mas com profundidade, e o 20Contar, para tratar de temas em alta. Na vinda da Madonna para o Brasil, por exemplo, falamos de idadismo.
Qual o papel do RH nesse sentido, na sua visão?
A maior contribuição da área é trabalhar para fazer com que o tema pareça o mais simples possível, mostrando que não é nenhum “bicho de sete cabeças” e basta estar aberto a aprender e escutar genuinamente o outro para avançar. A ideia é abrir caminhos para que as conversas sobre diversidade aconteçam, pois nada deve ser imposto. E o RH é o grande facilitador disso.
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