Com papel central na concepção dos valores do C6 e na contratação dos primeiros colaboradores, líder responsável por time de 3,8 mil pessoas fala sobre trajetória, filosofia organizacional e uso de IA no RH

Não é segredo para ninguém que o período da pandemia trouxe profundas transformações para o RH – dos modelos de trabalho à discussão sobre saúde mental e bem-estar, não foram poucos os paradigmas questionados desde 2020. Passados cinco anos do início do isolamento social, há alguns temas que seguem em debate. É o caso dos benefícios. Se de um lado a pandemia recalibrou as necessidades e demandas dos colaboradores, do outro as empresas enfrentam o dilema de atender a esses pedidos enquanto buscam sua sustentabilidade financeira em um contexto econômico desafiador.
É um pêndulo ainda distante de alcançar um equilíbrio – que exige uma discussão complexa por parte dos profissionais de gente e gestão. O debate ainda parece distante de muitos RHs: em pesquisa recente feita por Cajuína, Comp e Pipo Saúde, o tema de benefícios foi citado como preocupação prioritária por apenas 16,9% dos entrevistados, distante de aspectos que podem ser influenciados diretamente pela área – como bem-estar (73%), retenção de talentos (44,9%) e atração de talentos (30,9%). Para especialistas, é um sintoma de que a conversa sobre benefícios também precisa passar por uma transformação.
Muitos dos benefícios mais comuns no Brasil – como vale-refeição, vale-alimentação, vale-transporte ou auxílio-creche – não são liberalidades das empresas, mas sim fruto de exigências legais implementadas ao longo do século XX. São itens que geram custos para as organizações, mas que são percebidos pelos colaboradores, muitas vezes, como parte de um direito adquirido, sem espaço para uma discussão sobre compensação. Para Christophe Gerlach, CEO da startup especializada em compensation Comp, o primeiro passo para o RH trazer à tona o valor dos benefícios é um plano de comunicação que traga a compreensão de que eles são parte de um pacote de remuneração total.
“Você pode desenhar o plano de benefícios perfeito, a tabela salarial perfeita, a estratégia de remuneração perfeita, mas nada disso importa se você não estiver comunicando isso adequadamente para que seus funcionários ou candidatos entendam o valor total do seu pacote de remuneração total”, diz Gerlach. Isso é especialmente relevante para empresas que oferecem um pacote de benefícios robusto, mas que nem sempre é totalmente compreendido pelos colaboradores. “A empresa pode oferecer 20 ou 30 benefícios, mas, se perguntar ao time, a maioria não consegue nem listar 10 – seja porque não estão cientes ou porque não os utilizam”, ressalta o executivo.
Em alguns casos, além da dificuldade de listar todos os benefícios, é difícil quantificar o valor de algumas ofertas – especialmente se elas tiverem uma janela de longo prazo, como stock options ou previdência privada, ou se forem não-monetárias, como um plano de saúde. “Há vários jeitos de fazer essa conta: uma é o custo que o funcionário teria se fosse contratar um plano de saúde por conta própria; outra é o gasto que a empresa tem. Escolher de qual forma comunicar é um problema”, diz Gerlach.
Na Pepsico, parte da oferta volumosa de benefícios foi gerada com as transformações do mercado. “Passamos de um RH assistencialista para um RH que buscava se diferenciar na guerra de talentos. Fizemos parte desse movimento e hoje temos 44 benefícios para nossa população; destes, mais de 30 são oferecidos a todos os colaboradores”, conta Nadja Aki Minami, diretora de Total Rewards da empresa responsável por marcas como Pepsi, Elma Chips e Toddy. “Agora, depois de oferecer tudo, temos um olhar para entender como podemos dar benefícios e alinhar os custos versus o valor.”
O primeiro passo, conta Nadia, foi educar os colaboradores – e também seus dependentes, que muitas vezes usufruem desses benefícios. “Chegamos até a fazer ímãs de geladeira para que o conhecimento chegue à família das pessoas. Não é sobre ser boazinha, mas sobre fazer valer o investimento. Quando o colaborador pensar na gente, quero que ele não pense só no salário, mas também na gama de benefícios que fazem o dia a dia dele e da família melhor”, diz a executiva. Ao longo de 2024, a executiva diz que a empresa passou a fazer uma campanha de “start”, “stop” e “continue”. “Fizemos uma pesquisa de necessidades do colaborador, entendendo as preferências, as demandas e o que os faz permanecer na Pepsico”, diz.
O que não necessariamente significa que benefícios pouco usados foram descartados. Um exemplo é o da telemedicina, que teve um boom durante a pandemia, mas passou a ser menos usada recentemente. “Se olharmos localidades sem hospital próximo, porém, o uso é alto. As colaboradoras que são mães também usam muito”, diz Nadja.
A questão por trás do benefício não é o desuso, mas sim como gerar diferenciação de acordo com o estágio de vida de cada colaborador. Não basta fazer igual para todos.
A fim de lidar com a pluralidade de demandas, a Pepsico passou a implementar um sistema de benefícios flexíveis, movidos por pontos. É uma forma da empresa obedecer às exigências da lei, mas também permitir que o colaborador escolha se prefere, por exemplo, um vale-alimentação mais polpudo em detrimento de um upgrade no plano de saúde – ou vice-versa. A quantidade de pontos é determinada pela senioridade de cada colaborador, que fica livre para optar pelo que deseja.
A estratégia também tem sido implementada por empresas como a Unilever – no SOMA, evento de remuneração e benefícios realizado pela Caju, Comp e Pipo Saúde em 2024, o diretor de people experience na Unilever Petr Hon afirmou que não há mais sentido em ter um plano universal de benefícios. “É preciso definir quem são as suas personas, fazer pesquisas e grupos focais, buscando falar com diferentes gerações e também com diferentes níveis hierárquicos”, disse o executivo.
No evento, o executivo da Unilever também lembrou que investir em benefícios pode fazer parte de uma engenharia financeira para ajudar na retenção dos colaboradores. “Quando você investe R$ 1 em salário, tem que adicionar mais 37% em tributos. Já em benefícios, a cada R$ 1 que você investe, todo o valor trabalha na retenção do empregado e na sua família, no caso de os benefícios se estenderem aos dependentes”, comentou Hon, sempre fazendo a ressalva de que é importante obedecer à legislação trabalhista, considerada pelos painelistas como um desafio para a flexibilização.
Faz eco a ele Caroline Bitar, diretora de People da Monks Brasil, grupo de comunicação com mais de 1,3 mil colaboradores. “Tem uma parte da legislação trabalhista que precisa avançar para acompanhar essas novas tendências. Em muitos aspectos, queremos flexibilizar mais, mas a legislação nos impede”, diz a executiva. Para ela, a flexibilidade de benefícios inclui ofertas que se adequam a poucas pessoas, mas que podem fazer diferença para aquelas que se encaixam – como é o caso da hormonioterapia para pessoas trans. “O impacto que um benefícios desses tem para a pessoa colaboradora é muito grande, e isso faz a diferença para nós. Não é para todas as pessoas, mas é para as nossas pessoas”, diz.
Quando entramos nas individualidades, conseguimos entender muitas nuances e sermos mais assertivos.
Compreender aspectos intangíveis também é algo importante dentro de uma proposta de benefícios – embora seja preciso tomar cuidado para não transformar a prática em discurso clichê. A prática da Monks em oferecer hormonioterapia, mais do que apenas um benefício, traz uma sensação de cuidado e pertencimento aos colaboradores, e pode trazer melhorias em índices como turnover – entre 2023 e 2024, a agência viu cair tal indicador em 48%, algo atribuído não só às iniciativas, mas também a uma estratégia maior de pessoas e liderança.
Outros aspectos que podem e devem ser levados em consideração são questões como cultura organizacional, flexibilidade de horários e, claro, o tão falado modelo híbrido ou remoto. Para o consultor Paulo Bivar, do Kinp Group, os benefícios não financeiros não deixaram de perder espaço mesmo com a retomada das atividades após a pandemia. “O que a gente vê agora é uma tendência das pessoas até estarem dispostas a abrir mão por ganhar menos dinheiro em prol de benefícios não financeiros melhores, como cultura, ambiente, modelo de trabalho”, afirma.
Na Natura, a oferta de benefícios não é apenas uma ferramenta para lidar com a dinâmica e a competitividade do mercado, mas também uma conexão com a cultura da empresa. “Nossa ideia é que todos os benefícios estejam associados à filosofia do Bem Estar Bem, trazendo bem-estar físico, mental, emocional, financeiro e socioambiental para a nossa rede”, destaca Márcio Buck, líder de Experiência do Colaborador e Bem-Estar da perfumaria. “O grande diferencial da Natura é sempre ir além, trazendo elementos que são importantes em outras dimensões e que se conectam com os nossos valores e compromissos”.
Nesse sentido, ele destaca diferentes benefícios oferecidos pela empresa e que se comunicam diretamente com a cultura – do pioneiro berçário, oferecido há três décadas, à oferta de carros corporativos limitada a veículos híbridos elétricos, ressaltando a ligação da empresa com a sustentabilidade.
Em meio a tantas possibilidades, porém, o executivo ressalta que é preciso ter equilíbrio nas propostas. “O segredo é a gestão, com um entendimento do perfil dos colaboradores, do que eles valorizam e de medições constantes para fazer os controles necessários. Os benefícios devem entregar de forma prática o que a empresa valoriza, sendo ferramentas importantes na construção da cultura organizacional”, diz.
Em meio às muitas dúvidas e hipóteses citadas pelos entrevistados desta reportagem, a sensação que fica é de que as transformações sociais continuarão gerando demanda por novos ou diferentes benefícios. Se hoje os millennials e a geração Z questionam o uso de carros corporativos por preferirem não dirigir ou veem menos valor em uma previdência privada, uma vez que mudam de emprego mais vezes ao longo da carreira, é um desafio imaginar o que vem por aí.
E, mais do que saber qual é o benefício que ajudará as organizações a incentivar seus colaboradores na direção certa, a certeza que fica é que as empresas precisarão cada vez mais adotar políticas de controle, compliance e eficiência na hora de oferecer vantagens aos colaboradores. Se escutar ativamente as pessoas e flexibilizar políticas é o primeiro passo, medir o uso e demonstrar o valor exato dos benefícios é o que vem a seguir – às vezes, até mesmo de forma matemática. “Quando os empregados não entendem quanto um benefício custa para a empresa, eles não valorizam tanto – talvez justamente por não perceberem quão alto é esse custo”, diz Christophe Gerlach, da Comp.
As mais lidas