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O que quer a geração Z do mercado de trabalho?

Ocupando cada vez mais espaço no ambiente corporativo, jovens nascidos entre 1995 e 2010 rompem com os padrões estabelecidos pelas gerações anteriores, oferecem um novo olhar sobre a carreira e exigem transformações intensas na cultura organizacional

Alana Della Nina
21 de novembro de 2023
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A geração Z representa cerca de um terço da população mundial. Boa parte desse público, nascido entre 1995 e 2010, já entrou no mercado de trabalho e o restante está chegando em breve. O efeito desse movimento dos Zs já é sentido nos escritórios – e as empresas se desdobram para acolher esse novo contingente e atender às suas demandas. “Conectados, empoderados, criativos, empreendedores, desprendidos e multitarefas são algumas das características mais marcantes dos profissionais jovens”, diz Anaísa Lübeck Carlini, head de pessoas e desenvolvimento organizacional do hospital A.C. Camargo Cancer Center. “Para a geração Z, chegar ao topo da carreira não significa que, necessariamente, o dinheiro esteja no centro. Uma vida profissional bem-sucedida consiste em realizar atividades que gostam, que se conectam com seu estilo de vida e seus ideais, além de oferecer qualidade de vida.”

“Para a geração Z, uma vida profissional bem-sucedida consiste em realizar atividades que gostam, que se conectam com seu estilo de vida e seus ideais, além de oferecer qualidade de vida.”

Anaísa Lübeck Carlini, head de pessoas e desenvolvimento organizacional do hospital A.C. Camargo Cancer Center

Lançada em março de 2023, uma pesquisa feita pela consultoria Deloitte em 44 países corrobora a opinião da executiva do A.C. Camargo: segundo o estudo, o equilíbrio entre trabalho e qualidade de vida é a característica que os membros da Geração Z mais admiram em seus colegas e o fator que eles mais consideram na hora de escolher uma nova vaga. Isso não quer dizer que o trabalho não seja importante: 49% dos 14 mil Zs escutados pela Deloitte dizem que suas profissões são um elemento central de sua identidade. A questão é que o trabalho não é a única força motriz de suas vidas – a ponto de 24% desse público desejar que as empresas criem mais vagas de trabalho parciais ou compartilhadas, de maneira flexível. Trabalho remoto e/ou híbrido também são demandas constantes.  

Para os nativos de gerações anteriores, como os millennials, talvez algumas dessas ambições soem indigestas – já que, para este público, dedicar muitas horas ao trabalho estava entre as ações fundamentais para evoluir na carreira. Kimberly Alves, 24 anos, recém-formada em Relações Públicas, acredita que investir na carreira e priorizar qualidade de vida não precisam ser objetivos mutuamente excludentes. “Entendo que investir no meu bem-estar físico, mental e emocional impulsiona o meu crescimento profissional. O sucesso profissional não deve custar a minha qualidade de vida”, diz ela. 

Kimberly Alves, 24 anos, recém-formada em Relações Públicas

Novas fórmulas

Neste cenário, em que diferentes gerações dividem o espaço de trabalho e, muitas vezes, têm posições diferentes na hierarquia, os conflitos são inevitáveis. “A geração Z está se formando em um mundo muito diferente do de seus pais e avós. Desde o início da era industrial, empregos com base em cargos definidos têm sido a estrutura padrão para organizar e gerenciar o trabalho, mas esse cenário está mudando”, diz Débora Mioranzza, vice-presidente para as Américas da Degreed. “As inúmeras pressões sobre os líderes empresariais fizeram com que a liderança repensasse sua abordagem em relação ao trabalho e à força de trabalho.” 

Leia também: Talento tem idade? Como superar desafios da diversidade etária e alavancar os negócios

A executiva cita como exemplo outra pesquisa da Deloitte, Tendências Globais de Capital Humano 2023, que constatou que 93% dos líderes consideram o abandono do modelo tradicional de emprego importante para o sucesso futuro. Dentro da cultura organizacional, Mioranzza defende que não dá mais para recorrer a fórmulas prontas para lidar com um público interno tão diverso. “Não existe uma receita que possa ser aplicada de maneira homogênea a toda força de trabalho hoje. Cada uma das gerações têm características únicas e essa gama de atributos tem de ser levada em conta pelo RH e pelos responsáveis pelo treinamento e desenvolvimento desses profissionais”, afirma. 

Débora Mioranzza, vice-presidente para as Américas da Degreed

Para a executiva da Degreed, o modelo tradicional de emprego deve ser substituído, pouco a pouco, pelo trabalho com base em tarefas e projetos – e que as organizações devem se preparar para isso. “Os estudantes que se formarem hoje não ficarão em uma única função por muito tempo e, em breve, poderão ter carreiras de portfólio, nas quais assumirão trabalhos em vários departamentos e até mesmo em diferentes empresas. A adequação do trabalho às suas habilidades e metas de carreira será o padrão, tornando o trabalho diário mais satisfatório e variado para essa geração”, diz. 

Encontros e desencontros geracionais

Já Carlini, do A.C. Camargo Cancer Center, defende que é fundamental investir em ações de letramento para gerenciar conflitos e diferenças entre as gerações. Tais ações ajudam a ampliar o entendimento das necessidades e expectativas de cada público, buscando extrair os aspectos mais positivos que cada geração tem a oferecer. “A geração Z é formada por nativos digitais, a tecnologia influencia seu modo de aprender, socializar e lidar com o trabalho e com o mundo. Eles também se destacam por seu compromisso natural com a diversidade e inclusão, causas sociais e busca por equilíbrio. É uma geração que nos convida a repensar o nosso papel na sociedade, e na busca por um mundo melhor”, diz.

Na visão da executiva da instituição de saúde, essas características podem ser muito bem somadas à busca por resultados dos baby boomers, a facilidade de adaptação da geração X e a busca por novas experiências da geração Y. “Para termos um time de alta performance, o pensamento plural e a diversidade que compõem as gerações são elementos fundamentais”, complementa. 

Jean Carlo Nogueira, Chief People Officer (CPO) da Gol Linhas Aéreas, conta que lá o tema é abordado diretamente: a companhia tem, entre seus grupos de afinidades, o Gerações. “Este grupo conta com um especialista, um representante do tema e uma liderança da organização como sponsor, com metas a serem cumpridas ao longo do ano”, diz Jean. Com mais de 14 mil colaboradores, a Gol investe no desenvolvimento de carreira desde os primeiros passos, abrindo espaço para os jovens circularem entre seus muitos setores. Seu Programa de Estágio 2024, lançado recentemente, oferece cerca de 100 vagas entre São Paulo e Minas Gerais. “A Gol tem uma gama gigante de oportunidades em suas diversas áreas e unidades de negócios. Isso permite que os talentos aprendam em um curto tempo muitas coisas, potencializando suas carreiras”, explica o executivo. 

Jean Carlo Nogueira, Chief People Officer (CPO) da Gol Linhas Aéreas

Quando o assunto é liderança, tocamos num ponto sensível para os Zs. Apesar de preferirem médias e grandes empresas (79%) às startups (14%), eles não apreciam estruturas altamente hierarquizadas. De acordo com a pesquisa Líderes do Futuro, feita em 2019 pelo Meio & Mensagem, esta geração de brasileiros acredita que um bom líder é colaborativo, experiente e interessado em desenvolver sua equipe. Além disso, eles valorizam muito mais o conhecimento do que cargos de poder. “Para mim, uma gestão eficaz é aquela que inspira, confia no time e proporciona a liberdade necessária para todos prosperarem. Também reconheço a importância da escuta ativa e capacitação do time”, diz Alves. 

Propósito = engajamento

Em um mundo que enfrenta uma grave crise climática, é natural que este tema para os mais jovens seja assunto sério – afinal, diz respeito sobretudo ao futuro deles –, e isso se reflete nas suas escolhas de consumo e profissionais. De acordo com dados da IPSOS de Londres, 26% dos Zs afirmam rejeitar produtos dependendo de suas condições de produção.

Nesse sentido, para além da agenda ESG, as empresas que querem conquistar e reter talentos jovens devem estar profundamente comprometidas com causas ambientais e sociais. “Fazer parte de uma empresa que apoia essas causas cria um senso de propósito. Mas elas têm que ser mais do que filantropia – devem moldar nossa cultura e nosso impacto”, diz Kimberly Alves, que cumpriu recentemente seu estágio em uma multinacional da indústria de cosméticos. “Para mim, é importante sentir que estou contribuindo de alguma forma para a melhoria da sociedade e do meio ambiente.”

Anaísa Carlini acredita que esses valores devem estar intrínsecos na identidade da organização. “A forma de atração de profissionais mudou ao longo das últimas décadas. Trabalhar a marca empregadora por meio da divulgação das ações positivas praticadas pelas instituições, seus compromissos sociais e ambientais e pactos assumidos, gera conexão e estimula o interesse em fazer parte”, ela diz. 

Com uma malha aérea que abrange todo o país, além de destinos em outras regiões das Américas, a Gol é naturalmente marcada pela diversidade, o que norteia um dos grandes investimentos da companhia: seu impacto social e a inclusão e igualdade no seu corpo profissional. “A diversidade do nosso público externo, os clientes, precisa estar refletida no nosso público interno, os colaboradores”, diz Nogueira. Neste contexto, o executivo cita novamente os grupos de afinidades, que contam ainda com núcleos étnico-racial, ambiental, de acessibilidade, entre outros. 

Para o executivo da Gol, respeitar as ambições dos mais jovens é importante, mas sem abrir mão da cultura e dos valores que sedimentam a empresa. “É preciso compreender os anseios da nova geração, mas também expor objetivos e metas a serem cumpridos dentro da companhia. Deixar claro o que se espera desse jovem, mas também apresentar os possíveis caminhos para ele se desenvolver e, consequentemente, crescer na organização”, explica. É assim que, provavelmente, os líderes do futuro serão formados – e ganha vantagem quem começar a trabalhar com eles desde já.



Desejos e anseios da Geração Z no mercado de trabalho
– Trabalhar em organizações com impacto social
– Mais qualidade de vida e equilíbrio entre vida profissional e pessoal
– Menos hierarquia e dinâmicas mais horizontais e colaborativas
– Um ambiente diverso (de verdade)
– Líderes mais próximos


Como fomentar um ambiente “Gen Z-friendly”
– Foque em aprendizagem colaborativa
– Incentive uma cultura de feedbacks formais e informais constantes
– Ofereça opções de desenvolvimento de carreira dinâmicas e flexíveis
– Invista em uma estratégia de educação profissionalizante personalizada

Alana Della Nina é jornalista e tradutora, tem mais de 15 anos de experiência e passagens por Trip Editora, Abril, Globo e New Content.