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As lições da Conta Azul para um modelo híbrido de trabalho fora do eixo RJ-SP

Após a pandemia, empresa sediada em Joinville decidiu manter aprendizados do formato remoto com atenção em desenvolvimento de liderança, gestão de crises e comunicação; para executiva, sistema segue em teste, mas resultados são mais que satisfatórios até aqui

Bruno Capelas
11 de setembro de 2024
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No universo pós-pandemia, manter o trabalho remoto ou voltar ao sistema presencial foi um dos grandes dilemas das organizações – especialmente aquelas que contrataram colaboradores em diferentes partes do país. Enquanto uma vasta maioria decidiu regressar ao escritório, houve quem apostasse em modelos híbridos, como foi o caso da Conta Azul. Mas há uma particularidade na receita da empresa de tecnologia e finanças: sua sede não fica em um grande centro nacional, como São Paulo ou Rio de Janeiro, mas sim em Joinville, cidade no norte catarinense com cerca de 600 mil habitantes. 

Hoje, a empresa de 540 colaboradores tem dois regimes de trabalho: os 46% que moram a mais de 150 km da cidade podem atuar de maneira remota, só indo à sede em Santa Catarina quando é convocados ou por conta própria. Já quem reside perto da empresa – 54% da organização – tem de ir ao escritório duas vezes por semana. “Estar no híbrido é diferente de uma empresa inteira estar remota. Se todos estão remotos, o canal de comunicação é igual para todos. No híbrido, pode ter metade das pessoas na sede e metade a distância. Por isso, precisamos desenvolver uma série de boas práticas”, explica Karin Ramos, vice-presidente de Pessoas da companhia. 

Na entrevista a seguir, Karin fala mais sobre como foi a implementação desse modelo híbrido, as adaptações e os aprendizados ao longo do processo, que vem sendo aprimorado desde 2021, com o primeiro arrefecimento da pandemia. Para quem acredita que o sistema não funciona, ela traz ainda dados sobre o desempenho da empresa – que têm crescido de 20% a 30% anualmente desde a nova forma de trabalhar. Além disso, a executiva revela ainda que o sistema sempre pode ser transformado, ouvindo as partes envolvidas. “Não pode existir modelo de trabalho que esteja desconectado do desafio de negócio, da escuta da liderança e da escuta das pessoas”, diz. 

Não pode existir modelo de trabalho que esteja desconectado do desafio de negócio, da escuta da liderança e da escuta das pessoas

Como o modelo híbrido de trabalho surgiu na Conta Azul? 

Oficialmente, o modelo de trabalho remoto começou aqui durante a pandemia. Embora a gente fosse uma empresa de tecnologia originalmente, não havia a prática do trabalho remoto. No entanto, quando a Conta Azul começou, os fundadores passaram quatro meses morando no Vale do Silício – e lá eles trabalhavam de casa, porque o escritório da aceleradora que eles foram selecionados era apertado. De maneira que o trabalho remoto, de certa forma, estava nas origens da empresa. De fato, porém, viramos pro remoto em 17 de março de 2020, mandando todo mundo para casa. Com o arrefecimento da pandemia, decidimos que não íamos tomar uma decisão rápida sobre o modelo de trabalho do futuro: começamos entendendo quais eram os modelos de trabalho possíveis e como o mercado reagiria, especialmente na atração de profissionais de produto, engenharia e design. Chegamos a sugerir alguns modelos e a partir do diagnóstico, criamos o modelo atual com uma divisão entre quem está perto de Joinville e quem está distante da região. Aos poucos, chegamos ao desenho que estabelecemos em 2021 e consolidamos em 2022: quem mora a menos de 150 km da sede vem presencial duas vezes por semana; já quem mora mais distante que isso só vem à sede por convocação, com os gastos de viagem e hospedagem custeados pela empresa, ou por conta própria. E isso vale para a empresa inteira: qualquer um dos times pode ter pessoas remotas ou presenciais, não tem regra específica. 

Como foi estabelecer essa regra do jogo? Qual foi a primeira reação das pessoas? 

Durante a pandemia, nós contratamos pessoas fora de Joinville. Com isso, percebemos que independentemente da área de atuação, algumas pessoas iam trabalhar remotamente. E decidimos adotar uma prática: para tudo que é novo, entendemos que é um experimento e que nada estava escrito na pedra. Foi assim que lançamos nosso modelo híbrido: decidindo aprender com ele e entendendo se deveríamos ou não seguir. Claro que deu um frio na barriga inicialmente, muita gente temeu pela volta ao trabalho 100% presencial, mas estamos aqui até agora. E claro que foram necessárias adaptações: afinal de contas, estar no híbrido é diferente de uma empresa inteira estar remota. Se todos estão remotos, o canal de comunicação é igual para todos. No híbrido, pode ter metade das pessoas na sede e metade a distância. Por isso, precisamos desenvolver uma série de boas práticas. 

A Conta Azul é uma empresa que está fora do eixo Rio-São Paulo. Como a implementação do modelo remoto, e depois, do híbrido, mudou a atração de talentos? 

Antes da pandemia, um dos nossos desafios era trazer lideranças e pessoas sênior para vir morar em Joinville. Conseguíamos trazer gente de São Paulo, do Rio e até do Nordeste, com o apelo de que Joinville tem uma grande qualidade de vida. Para muitas pessoas, era um argumento que casava com o momento de vida, nós tínhamos um auxílio-mudança. Por outro lado, também perdemos candidatos que não quiseram se mudar, ou até mesmo pessoas que trouxemos mas que não se adaptaram à região. Durante a pandemia, nós contratamos as pessoas de maneira remota, numa política de “depois vê como fica”, até porque naquele momento nós tínhamos um escritório em São Paulo. E um dos argumentos pela decisão de ficar no híbrido foi quando percebemos que já tínhamos um volume de pessoas espalhadas e que não íamos conseguir forçar a barra para a mudança, especialmente nos times de tecnologia. Seria um entrave trazer todos para o presencial. Logo que a gente virou o modelo, porém, vários profissionais de tecnologia que moravam em Joinville questionaram a regra, entendendo que havia muita gente trabalhando remoto e que eles precisariam ir ao presencial. Aos poucos, fomos entendendo que cada desafio funcionava de um jeito e era preciso olhar caso a caso. 

Um dos aspectos mais difíceis do trabalho híbrido para a liderança é fazer a gestão das pessoas, sem tratar membros do time de maneira diferente. Como foi esse aprendizado? 

Quebramos muito a cabeça com esse tema. O primeiro passo foi mapear os desafios que as lideranças estavam enfrentando. Tinha gente que tinha dificuldade de comunicação, porque as pessoas não respondiam no sistema assíncrono. Tinha questões de saúde mental que estavam presentes e continuam hoje em dia. Outra questão comum era que muita gente fazia reunião com câmera fechada, sem aparecer. Com base nesses problemas, criamos um modelo de mindset, que hoje virou um livro de boas práticas, o Mindset Híbrido, com as principais diretrizes. Esse livro determina como são os ritos e como eles precisam ser cumpridos. No time de vendas, por exemplo, todo mundo precisa entrar na daily no horário certo e com câmera aberta, para ter o olho no olho – e caso alguém tenha uma situação que não pode abrir a câmera, deve ter transparência para explicar no chat. No caso de problemas de comunicação, o livro lembra que o telefone continua existindo para comunicações urgentes, caso as pessoas não respondam na ferramenta de mensagem ou de reunião. Também adaptamos as situações de reunião: mesmo que você esteja presencial, todo mundo que participa de reunião precisa estar com fone e conectado no seu computador, para não haver perda de informação. Além disso, criamos rodas de conversa com os líderes, para ter troca de experiências. 

Que tipo de assuntos surgiram nessas rodas de conversa? 

O que os líderes traziam ali eram questões e soluções que surgiam. É um espaço importante para troca: quando chega um líder novo, é fácil ele sentir o impacto. Às vezes, se o líder chega de maneira remota e não conhece o time presencialmente, ele pode ficar em dúvida sobre como agir. Não é exatamente um treinamento, mas sim uma acomodação aos ritos e combinados. Não tem posturas únicas que funcionam para todos os times, cada time tem seu jeito: tem líder para times que precisam passar o dia todo no Slack; outros que podem olhar o Slack apenas em alguns períodos. É importante entender o que é possível aprender conjuntamente e compartilhar os erros e acertos no processo. 

Muitas empresas que adotaram esse formato híbrido, com convocações ao escritório, ficam em grandes capitais ou hubs aéreos. Não é esse o caso de Joinville. Fica mais difícil reunir as pessoas? 

É engraçado: as pessoas adoram quando a gente convoca para vir até Joinville. Há uma briga para que o modelo de trabalho seja remoto, mas hoje existem muitas reclamações que a Conta Azul não custeia para as pessoas virem presencial. Hoje, o custo é um desafio, mas conseguimos contornar: além do aeroporto de Joinville, temos Curitiba e Navegantes como opções. Há perrengues que acontecem, mas é pouco, sabe? Hoje, temos lideranças que vêm de lugares como São Paulo e Belo Horizonte, e eles vêm para cá frequentemente. É muito prazeroso ver que as pessoas se sentem bem aqui – a sede é bacana, espaçosa, tem espaços para descompressão, alimentação. É claro que isso não é o chamariz, já foi o tempo que a gente viveu essa maluquice das startups atraindo as pessoas com comida e espaços coloridos, mas isso é valorizado por quem está aqui no dia a dia. 

Ao longo desses anos nesse novo modelo, que tipo de aprendizados vocês colheram? 

Um grande aprendizado veio no aspecto das gestões de crise. Inicialmente, nossa crença é que quando havia um problema mais complexo, que precisava ser resolvido com agilidade, a gente chamava todo mundo para uma sala de guerra presencial. Em períodos de trabalho remoto, a gente bateu muita cabeça até encontrar as soluções – e definiu que não importava se era preciso que alguém viesse de São Paulo para cá, era importante reunir e trabalhar juntos. Com o tempo, porém, fomos percebendo que eram necessários diversos protocolos: se a plataforma caiu, era preciso comunicar clientes, o time interno e criar um canal onde estão estabelecidas responsabilidades e papéis. Outra questão que a gente observou está ligada aos times que estão na linha de frente com o cliente, como vendas e sucesso do cliente. Nosso produto é um ERP de gestão financeira com temas complexos, como contas a pagar, DRE, gestão de fluxo de caixa, são muitas informações para aprender. Por isso, passamos a contratar pessoas de Joinville e região para fazer esses trabalhos, por conta da complexidade do treinamento e do negócio em si. São funções que as pessoas aprendem fazendo – e vendo as outras – de maneira que priorizamos contratar por aqui e tê-las sempre no presencial, vendendo pro Brasil inteiro a partir daqui. 

Comunicação é um desafio em qualquer modelo de trabalho, mas o híbrido traz desafios adicionais. Quais foram os combinados nesse sentido? 

Aprendemos muito sobre comunicação e sobre gestão de conflitos. Percebemos que no híbrido, muita gente tenta resolver problemas apenas usando comunicação assíncrona. Nem sempre é assim: tem momento que só colocando todo mundo na mesma sala para falar, comunicar. Em temas críticos, não adianta ficar no assíncrono porque ele não traz a emoção do que está acontecendo – e é comum haver uma percepção equivocada da comunicação escrita. Os times de tecnologia foram pioneiros nessa prática, mas precisamos de algum tempo para criar esse costume de chamar a comunicação em tempo real nas outras equipes. Outro aprendizado foi sobre a comunicação rápida – por exemplo, se for necessário fazer uma mudança numa oferta que a gente tem pros clientes. Se não dá tempo de treinar, a gente manda um playbook para o time todo explicando as alterações, porque é algo que se ajusta rapidamente. Outra coisa que ficou presente na pandemia e corria o risco de passar batida hoje é a questão do uso do tempo: a gente se acostumou, no home office, a alternar tarefas de trabalho e de casa, mas hoje as pessoas deixaram de informar essas pausas ou até mesmo quando saem para uma consulta médica, por medo de formalizar. É um problema – e por isso nós criamos um manual de saúde emocional para o modelo híbrido, compreendendo que a vida é holística e que as pessoas precisam estar bem de maneira geral, que é pra formalizar se precisa sair pra uma consulta ou ir na escola dos filhos. Esse manual traz informações também sobre como planejar o dia, como lidar com agenda lotada, como sinalizar para os gestores se há sobrecarga, além de incentivar o uso dos benefícios de saúde. Foi um grande aprendizado na pós-pandemia, até por conta do efeito rebote que aconteceu: durante a pandemia, muita gente ficou alerta quanto a saúde mental e física, mas depois disso as pessoas se esqueceram, então é importante lembrar. 

Muitos gestores e executivos acham que só o trabalho presencial dá resultados – e até fazem barulho nas redes sociais falando disso. Como a Conta Azul mostra o contrário? 

O principal número que nós temos para comprovar que o híbrido dá certo é o crescimento consistente da Conta Azul nos últimos anos: no pós-pandemia, temos crescido entre 20% e 30% ao ano, e a previsão é que a gente cresça em torno de 30% em 2024. Somado ao crescimento, também aprendemos a ter capacidade de eficiência e de gerar caixa, chegando a dois dígitos de ebitda. Em termos da eficiência e produtividade dos times, aprendemos a administrar o turnover e ter um bom pipeline de recolocação das pessoas, algo que o híbrido ajudou muito. Nós batemos muita cabeça para entender como mensurar a produtividade das pessoas, e a verdade é que isso muda de time para time e conforme contextos. Não necessariamente o fato de um time estar presencial ou remoto muda o resultado, porque o resultado depende da liderança, das pessoas, são vários contextos. De maneira geral, o que acontece é que não vimos perda de eficiência no híbrido. Por outro lado, percebemos que precisávamos ser melhores na gestão do conhecimento, especialmente quando uma pessoa deixa o time: aquilo que se passava no olho no olho é diferente no híbrido e precisa ser bem documentado. Outra coisa bacana que ajudou a manter a produtividade do time, não relacionada ao híbrido, é que temos melhorado o alinhamento da estratégia e o desenvolvimento de metas. Todos os anos, buscamos melhorar nisso, para que as pessoas saibam a estratégia da empresa, o quanto se quer crescer, por qual propósito, desdobrando a estratégia nas táticas, em alinhamentos… é todo um processo. E isso vai além do híbrido, porque é uma mudança de gestão. Não dá para fazer uma comparação justa com o presencial sem gestão. De qualquer maneira, internamente a gente também observa que os indicadores de clima se mantêm na zona de excelência ou de qualidade – como o eNPS ou o NPS das lideranças. De maneira geral, o turnover também caiu, mas não foi uma queda estrondosa – algo que se relaciona não só com o híbrido, mas também com movimentos gerais de mercado. 

Dá para dizer que o modelo híbrido é pra sempre na Conta Azul? 

O que a gente sempre responde é que está funcionando, mas não está escrito em pedra. É algo que a gente buscou ser transparente com o time, especialmente no momento em que muitas empresas decidiram voltar ao presencial. É claro que nós vamos olhar atentamente para entender questões de performance individual, percebendo se alguém está perdendo performance ao mudar do presencial pro remoto, ou quando alguém deixa de aparecer nas reuniões. Mas existe sempre essa busca por transparência. 

Se nada está escrito em pedra, como dar paz de espírito para as pessoas sobre o futuro do trabalho delas?

Nós temos dois caminhos. Assim como buscamos transparência, incentivamos que as pessoas sejam transparentes – informando, por exemplo, no caso de alguma mudança. Já tivemos casos de pessoas que decidiram sair do Brasil. Nesse caso, é importante sinalizar para o líder e para o business partner, entendendo prós e contras e vendo se há problemas, como o fuso horário. Transparência é um artefato de cultura e faz parte dos nossos princípios básicos para tomada de decisão. E pode dar certo ou errado: teve gente que não se adaptou a trabalhar num fuso horário diferente, por exemplo. Já quando a pergunta surge no coletivo, como em uma reunião geral dos times, sou eu quem respondo e o CEO endossa: nós sempre deixamos claro que não há nada sendo discutido sobre uma volta ao presencial e, caso pensemos em fazer tal movimento, vamos fazer um diagnóstico e entender os impactos. Vamos dar sinais antes de tomar essa decisão. Nós buscamos sempre dialogar. 

Para quem está lendo essa conversa, que conselho você dá para lidar com desafios como a escolha de um modelo de trabalho? 

Vou ser bem simplista aqui. Para mim, o maior aprendizado como RH é nunca tomar decisões com a perspectiva unilateral de recursos humanos ou de um CEO – que normalmente é a pessoa que provoca as direções nas empresas. Dá muito mais trabalho escutar, mas escutar é importante para entender os desafios e se apropriar deles. Isso pode valer tanto no modelo de trabalho ou em desafios de negócio, como a dificuldade de alcançar uma meta ou atingir um resultado. Existem sempre elementos para entender o que está acontecendo: será que os processos não são cumpridos? Há falta de disciplina? Que outros elementos estão presentes? Que elementos precisam ser corrigidos? E como fazer isso? É preciso entender o problema para ter uma tomada de decisão, especialmente quando isso envolve processos, investimentos e a vida das pessoas. Não dá só para isolar as coisas e ver o que é interessante para os colaboradores também. Se existem colaboradores, é porque o negócio está indo bem. Não pode existir modelo de trabalho que esteja desconectado do desafio de negócio, da escuta da liderança e da escuta das pessoas.

Bruno Capelas é jornalista. Foi repórter e editor de tecnologia do Estadão e líder de comunicação da firma de venture capital Canary. Também escreveu o livro 'Raios e Trovões – A História do Fenômeno Castelo Rá-Tim-Bum'.