Filipe Ducas explora como o turnover afeta diretamente os resultados financeiros das empresas e destaca a importância estratégica dos colaboradores e do engajamento para construir organizações sustentáveis e lucrativas
Como o Grupo Pão de Açúcar teve alta no NPS após treinar 30 mil pessoas em atendimento
Rede varejista treinou mais de 30 mil colaboradores ao longo de 2023 em dois formatos diferentes e colheu melhoras nos índices de satisfação de clientes e de empregados; para Erika Petri, diretora de Gente da empresa, oportunidade de desenvolvimento aumenta engajamento do time
Manter um padrão de atendimento para os clientes é um desafio para muitas empresas. Mas o que fazer quando esse desafio envolve diferentes marcas espalhadas pelos quatro cantos do País, atendendo públicos de variadas classes sociais, em uma equipe de operações que abrange mais de 30 mil pessoas? Essa foi a jornada do Grupo Pão de Açúcar (GPA) em 2023.
Com a chegada de uma nova liderança, a empresa identificou a necessidade de treinar seus colaboradores para atender melhor aos clientes nas mais de 700 lojas que a companhia têm no Brasil, entre os supermercados Pão de Açúcar e Extra e as lojas de proximidade Mini Mercado Extra, Minuto Pão de Açúcar e Mercado Extra. Para dar conta da meta, o GPA lançou mão de dois programas diferentes, considerando as particularidades de cada loja. “Mas há mais semelhanças que diferenças, sendo que ambos os programas trazem a mesma base na nossa cultura, que tem como um dos pilares a paixão pelo cliente”, conta Erika Petri, diretora executiva de Recursos Humanos e Sustentabilidade da companhia.
É muito importante para a liderança não deixar de prestar atenção na linha de frente – essas pessoas que estão lá no dia a dia, atendendo o cliente e tocando o negócio.
Na entrevista a seguir, a executiva conta mais sobre a jornada de treinar 30 mil pessoas, considerando a difícil rotina das lojas e as escalas típicas de um negócio varejista. Ela também fala sobre as dificuldades de engajamento dos colaboradores, discute como a diversidade transpassa a questão do atendimento e mostra os resultados dos programas: nos últimos 12 meses, a empresa teve melhora de 10 pontos no NPS (índice de satisfação dos clientes) e de 7 pontos no eNPS (índice de satisfação dos colaboradores). “Também vimos cair o índice de reclamações por atendimento. Sabemos que as lojas têm problemas, mas um bom atendimento ajuda a minimizar as reclamações”, comenta Petri.
Para começar: por que o Grupo Pão de Açúcar percebeu que precisava treinar toda a sua equipe de colaboradores na área de atendimento?
Foi algo que surgiu do nosso planejamento estratégico: quando o Marcelo Ribeiro Pimentel assumiu o cargo de CEO, em 2022, surgiram centenas de projetos estratégicos. Ao focar no que importava, percebemos que uma das áreas que precisávamos olhar com atenção era o atendimento ao cliente. Começamos a olhar para satisfação dos clientes, para NPS, e percebemos que não dava para melhorar nesses critérios sem preparar os colaboradores.
Começamos com dois programas diferentes porque temos dois formatos diferentes de lojas. Para os supermercados Pão de Açúcar e Extra, o programa é o Oscão (Olhar, Sorrir, Cumprimentar, Atender e Oferecer). Já no modelo de proximidade, de lojas como Minuto Pão de Açúcar e Mini Extra, temos o Ágil (Atenção, Gentil, Inconformado e Louco pela Venda). Nesse modelo de proximidade, o colaborador é multitarefa: ele fica na padaria, mas também vai pro caixa, é um modelo de loja diferente do supermercado, onde também há multitarefa, mas os setores são mais bem definidos. Criamos dois programas para respeitar a singularidade dos negócios, mas ambos trazem a mesma base na nossa cultura, que tem como um dos pilares a paixão pelo cliente. Em ambos, treinamos 100% dos colaboradores da área de operações, e trabalhamos com as siglas para facilitar a compreensão pelas pessoas.
Como foram feitos esses treinamentos?
Nós treinamos 30 mil colaboradores em 2023, e todos foram treinados pelo time de recursos humanos. Nos supermercados, temos pessoas de RH em cada uma das lojas; já nas lojas de proximidade, o RH atua por regiões, atendendo um pool de lojas. No caso dos supermercados, as pessoas foram treinadas na própria loja, usando exemplos de atendimento que partiam das próprias experiências dos colaboradores. Usamos cases reais, do dia a dia, e partimos do macro para o micro: explicamos que atender o cliente faz parte da nossa estratégia, mostramos o que a gente queria atingir trazendo os clientes de volta pras lojas, fazendo o índice de satisfação aumentar. Usamos muito o método de sala de aula invertida, com o participante trazendo suas experiências.
E como foram os treinamentos para as lojas de proximidade?
Nesse caso, como a maioria das lojas de proximidade estão na região metropolitana de São Paulo, fizemos os treinamentos aqui na nossa sede, em um modelo diferente: nós expunhamos as situações por meio de teatro, com uma consultoria que nos ajudou encenando os cases do que era correto e o que não era correto dentro da nossa cultura.
Quais eram as principais diferenças dos dois formatos?
Acho que há mais semelhanças do que diferenças, para falar a verdade. Tentamos não construir nada do zero, mas sim partir do que cada loja estava acostumada a fazer. As semelhanças são muito fortes: quando a gente fala do “oferecer” para o atendente do supermercado, ele é um sinônimo do “louco pela venda” na loja de proximidade. O que é isso? É oferecer cestinha, é levar a pessoa até o corredor do item que ela busca, é mostrar onde está a oferta se o cliente estiver se sentindo perdido. A semântica é diferente, mas o comportamento é parecido: tem que atender bem o cliente, estar atento aos seus movimentos e tratar com gentileza.
O varejo é uma atividade intensa em termos de escala de colaboradores e rotinas. Como foi “tirar” o time do dia a dia para fazer com que todo mundo passasse pelo treinamento?
Treinar as pessoas presencialmente tem uma logística complexa, é mais caro e é um desafio manter a loja em funcionamento enquanto a gente busca o desenvolvimento das pessoas. No Oscão, a gente trabalhou na própria loja e o especialista de RH de cada uma ia fazendo várias turmas numa única loja, dividindo todo mundo por escalas. A gente partia da escala da própria loja para fazer essa atividade. Na proximidade, era ainda mais desafiador: normalmente, uma loja dessas tem de 10 a 14 pessoas. Não dava parar tirar 6 por vez, então usamos inteligência de logística para tirar duas ou três pessoas de cada loja por vez, fazendo muitas turmas mistas. Isso permitia ao gerente ter o controle da loja e do colaborador, sem atrapalhar o desenvolvimento.
À primeira vista, me parece um desafio engajar o colaborador para participar de um treinamento desses, especialmente quando ele sabe que vai ter que se sacrificar depois numa escala mais rigorosa para que os colegas sejam treinados. Como foi o engajamento das pessoas?
Nós tivemos um feedback de muito engajamento, ao contrário do que você pensou. Fizemos a pesquisa de engajamento durante os treinamentos e eles foram citados como um ponto alto, porque eles se sentem valorizados ao serem desenvolvidos. Há outros motivos também: o primeiro é porque o treinamento é um momento de interação entre os colaboradores em meio ao dia a dia pesado da rotina das lojas. É um momento de trazer conhecimento, que eles valorizam muito. Como usamos o método de sala de aula invertida, eles também se sentiam reconhecidos pelo que fazem no dia a dia, pela liderança e pelos colegas. O maior desafio é mesmo o deslocamento, e não a falta de adesão. Pensa no caso de uma loja de proximidade: se tem dez colaboradores, dois estão de atestado e dois estão no treinamento, é uma rotina difícil, é um desfalque grande pra loja. Tivemos de fazer algumas turmas de repescagem, mas isso faz parte do nosso desafio como varejo. O que posso te dizer é que os treinamentos foram momentos de puro engajamento, que ajudaram não só a gente a subir o NPS das lojas, mas também o eNPS, a satisfação do colaborador.
O treinamento que vocês deram foi universal – ou seja, ele valia tanto para lojas de São Paulo ou do Nordeste, e que atendem públicos de diferentes classes sociais. Como foi trabalhar essa uniformização, ao mesmo tempo em que há diferenças culturais de loja para loja?
Nós tínhamos o desafio de padronizar nosso serviço. A ideia é que o cliente, estando numa loja do Rio ou de SP, se reconhecesse dentro do nosso mercado sempre. A regionalidade e a dispersão geográfica trazem sim uma questão cultural, mas ao adotar um modelo de atendimento, nós temos um ponto de convergência na nossa cultura, que é a paixão pelo cliente. O ponto de equilíbrio é saber que, não importa a loja, nós somos todos iguais – e que um bom atendimento é o que todo cliente espera da gente, independentemente do mercado que ele frequenta ou da sua classe social.
Cada loja pode variar sortimento, pode variar nos itens mais vendidos, pode ter um atendente especial pra queijos ou vinhos, mas todo cliente, independentemente de classe social, quer ser atendido com gentileza, sendo ele mais ou menos sensível a preço. E isso é tanto uma verdade pra gente que temos uma única meta de NPS, presente em 100% das metas dos executivos que recebem remuneração variável, e isso vale tanto pro gerente de uma loja Extra, de uma loja Pão de Açúcar ou de quem está no escritório. Cada loja tem seus desafios próprios, mas estamos todos nos mesmos lugares. Além disso, sempre temos uma visão, aqui no escritório, sobre como atendemos as lojas. Temos uma pesquisa interna que avalia nosso suporte para as lojas, porque no GPA é assim: ou você atende o cliente, ou você atende quem atende o cliente.
O GPA é uma empresa de alcance nacional e que tem muita diversidade na sua clientela. O varejo é conhecido pela diversidade grande em seu corpo de colaboradores, que muitas vezes têm ali a oportunidade de um primeiro emprego. Além disso, sabemos que em muitos casos, há uma disparidade entre o público da loja e a equipe daquela loja – o que pode gerar casos de preconceito, infelizmente. Pensando nisso, tudo, como o grupo trabalha questões de diversidade no atendimento?
Esse ponto está o tempo inteiro na nossa pauta. Temos treinamento específico de diversidade e inclusão, com casos que acontecem nas nossas lojas retroalimentando as aulas. Precisamos mostrar pro nosso colaborador sobre como lidar com diversidade e quais são os direitos que ele tem caso seja parte de alguma minoria, e como estamos aqui para ampará-lo no caso de alguma situação. Além disso, sabemos do nosso papel social para um público que tem o primeiro emprego com a gente. Por isso, temos políticas claras de diversidade e inclusão, grupos de afinidade, trabalhando pontos de equidade racial, equidade de gênero, respeito aos direitos LGBTQIA+, grupos focando nas pessoas 60+. É uma questão dupla: ao mesmo tempo que as pessoas precisam estar treinadas, também temos que trazer para elas a consciência de que elas têm direitos e que cada cliente que entrar na loja deve respeitá-las.
Quais foram os resultados práticos que o GPA colheu com esse treinamento para 30 mil colaboradores?
O resultado mais claro é a alta do nosso NPS, que subiu 10 pontos em 12 meses e está atualmente em 76. Além disso, vimos cair o índice de reclamações por atendimento. Nossos clientes detratores falam do preço, da falta de produto, da estrutura da loja, mas cada vez menos há comentários sobre atendimento – até mesmo quando há reclamação, os detratores fazem questão de confirmar que estão sendo bem atendidos. Além disso, aumentou a quantidade de comentários positivos sobre esse assunto. Sabemos que as lojas têm problemas, uma falta de produto, um ar-condicionado que não funciona, mas o atendimento também minimiza esse tipo de reclamação.
Além disso, nosso eNPS, medido entre os colaboradores, saiu de 23 para 30 – e o nosso desafio este ano é chegar a 40. É um caminho que a gente ainda tem muito a evoluir, mas queremos entrar na zona de excelência. E sabemos que é mais difícil: o NPS é baseado em experiências pontuais das pessoas; já o eNPS é muito desafiador porque envolve uma experiência diária, envolve relação de liderança, com os pares, benefícios, salários, uma série de coisas.
O varejo é um setor historicamente marcado por altas taxas de turnover. Houve diminuição nesses números por conta dos treinamentos?
Não temos correlação direta de que o programa ajuda na diminuição do turnover, mas sabemos que quanto mais treinamentos nos damos, melhor é o índice de satisfação interna. Isso aparece nas nossas pesquisas de engajamento: as pessoas ficam no GPA pelas oportunidades de desenvolvimento que encontram aqui, essa é uma correlação que a gente tem. Mas sabemos que o turnover é uma questão difícil: muitas vezes somos o primeiro emprego, o varejo tem uma escala complicada com trabalho aos finais de semana e feriado, muitas vezes difícil de conciliar estudos e horário de trabalho. Sabemos que muitas vezes o colaborador sai para voar e alcançar outros objetivos. Esperamos que, enquanto a pessoa esteja aqui, ela esteja bem, atendendo bem o cliente e se desenvolvendo. E é por isso que hoje o Oscão e o Ágil fazem parte da grade de treinamento no processo de integração para qualquer colaborador que entra no Grupo na parte de operações.
Que conselho você dá para empresas que têm um desafio semelhante de atendimento?
É importante entender que atendimento é um desafio constante – e que o segredo é não tirar o foco disso. Sabemos que foi um conjunto de ações que nos levaram a colher bons resultados, mas o que fizemos no passado não necessariamente vão sustentar as metas desse ano. Por isso, precisamos sempre ter foco constante e reciclar o tema a toda hora. Atendimento é como trabalhar cultura organizacional: não dá pra falar só uma vez, é que nem missa, tem que ir todo domingo.
E além disso, é importante trabalhar o reconhecimento: começamos a trabalhar com as nossas regionais para eleger os melhores cases de Oscão e de Ágil que a gente tem dentro das lojas, com um comitê que vota nas melhores histórias de atendimento a cada trimestre. São três categorias: Extra, Pão de Açúcar e lojas de proximidade. Quem ganha leva para casa um crachá dourado, que virou objeto de desejo nas lojas, e também participam de um almoço com a diretoria executiva – que acaba sendo um prêmio pra gente aprender com eles, de saber como eles influenciam a loja toda para atuar dessa maneira. É importante reconhecer quem está fazendo bem feito, dar luz às boas práticas. É um trabalho que não para, não adianta pensar que treinou e chegou ao fim, porque nunca tem fim.
Para fechar, Erika, queria saber se você tem uma dica de livro, filme ou podcast dentro desse tema que pode inspirar nossos leitores.
Tem um livro que nos inspirou bastante e que a gente tem usado aqui dentro para inspirar as pessoas, chamado A Mentalidade do Fundador, de Chris Zook e James Allen. É um livro que tem um ponto muito específico que é a atenção à linha de frente. É muito importante, para a liderança, não deixar de prestar atenção na linha de frente – e quando a gente fala linha de frente estamos falando justamente dessas pessoas que estão lá no dia a dia, atendendo o cliente e tocando o negócio. É um livro que nos inspirou muito a reconectar a liderança com a linha de frente, que é quem entende mesmo o cliente. É um livro muito importante porque mostra onde muitas empresas erram, ficando centradas nos escritórios e esquecendo do dia a dia.
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