Pessoas, cultura e o sabor da diversidade na visão de Ana Clara Silva Pinto, head de pessoas e cultura da Dengo Chocolates

Por Filipe Ducas*
Antes de surfar na onda da IA no RH, pergunte-se: sua estrutura de cargos é 2.0 ou ainda está parada no tempo?
Vivemos um momento em que a tecnologia parece ter todas as respostas. A Inteligência Artificial virou o novo oráculo corporativo: chatbots empáticos, recrutamento preditivo, algoritmos que dizem se seu time está engajado ou prestes a pedir demissão. Mas, no meio desse frenesi, quase ninguém faz a pergunta mais importante:
Estamos prontos — de verdade — para tudo isso?
Porque não dá pra rodar o RH do futuro com a estrutura do passado. E aí está o ponto que quase ninguém quer encarar — talvez porque exija mais profundidade do que slides e sprints conseguem entregar: a transformação começa no básico. No invisível. No essencial. Estou falando da arquitetura de cargos.
Mas não daquela estrutura ultrapassada, feita pra organogramas de powerpoints. Falo de uma nova abordagem: mais leve, mais clara, mais conectada à forma como o trabalho realmente acontece. Falo da Arquitetura de Cargos 2.0.
Vamos direto ao ponto: na maioria das empresas, cargo virou sinônimo de status. Um rótulo que serve mais para inflar o ego do que para orientar a função. Títulos que confundem mais do que explicam. Cargos diferentes fazendo a mesma coisa. Salários desalinhados. Promoções sem critério.
Isso não é estrutura. É teatro corporativo.
Na Arquitetura 2.0, a lógica muda.
Sai o foco no cargo. Entra o foco na missão.
Sai o rótulo. Entra o impacto.
Sai o organograma político. Entra a realidade funcional.
Pense no seu celular. Você atualizaria os aplicativos mais modernos em um sistema operacional desatualizado? Claro que não. E no RH, por que continuamos tentando isso?
É exatamente o que acontece quando adotamos IA, people analytics e automações em uma estrutura de cargos que parou no tempo.
A Arquitetura de Cargos 2.0 funciona como o sistema operacional invisível do RH. É ela que conecta performance, remuneração, desenvolvimento, sucessão e recrutamento. Sem essa base sólida, qualquer inovação vira maquiagem. Bonita por fora, frágil por dentro.
Se você quer uma IA que realmente funcione — comece pela estrutura.
Hoje, vemos dois cenários comuns — e ambos problemáticos.
“Ninguém aqui tem cargo. Todo mundo é igual.”
Na prática? Ninguém sabe o que é esperado de si, nem para onde pode crescer.
Falta escopo. Falta critério. Falta perspectiva.
E o resultado é simples: gente boa vai embora.
Cargos engessados, títulos herdados de outra era.
Organogramas que já não representam o trabalho real.
Funções com nomes diferentes fazendo o mesmo. Ou o oposto.
O resultado? Burocracia, lentidão e frustração.
Nos dois extremos, falta o mesmo elemento: uma arquitetura de cargos atualizada, clara e viva.
Então, como sair do improviso e construir algo que funcione? A resposta está em uma estrutura que se baseia não em títulos ou aparências, mas em quatro pilares funcionais:
É a área de atuação do cargo. Engenharia, Produto, Marketing, Vendas, Jurídico.
Nada de firulas. Clareza na essência.
É o alcance da responsabilidade.
Essa pessoa influencia quem? Toma decisões sobre o quê? Está resolvendo problemas locais, regionais ou globais?
Qual o grau de desafio da função?
Estamos falando de execuções operacionais ou decisões estratégicas em alto risco?
Com ou sem autonomia?
Aqui entra a senioridade — mas baseada em entrega e impacto, não em tempo de casa. De júnior a executivo, os níveis representam camadas de complexidade e amplitude de atuação.
Dois cargos com nomes diferentes podem ter o mesmo nível. Dois títulos iguais podem exigir entregas completamente distintas.
É por isso que o título é só embalagem. A Arquitetura 2.0 foca no conteúdo.
Agora vem a provocação: e se o profissional pudesse escolher como quer ser reconhecido?
Parece radical? No LinkedIn, você já faz isso.
Você pode se chamar “Especialista”, “Head”, “Mago de Dados” ou “Evangelista de Produto” — e ainda assim, o mercado entende seu histórico pelo que você fez, não pelo que você escreveu.
Por que dentro das empresas isso deveria ser diferente?
A proposta é simples:
Menos conflito de ego. Mais senso de identidade. Menos política. Mais pertencimento.
A Arquitetura de Cargos 2.0 não é só um novo jeito de classificar funções. É uma nova forma de pensar o trabalho, a hierarquia e a evolução.
Uma filosofia que:
É essa base bem construída que permite que ferramentas modernas, como IA, analytics e automações, realmente funcionem. Sem isso, estamos só modernizando a embalagem de uma estrutura obsoleta.
A IA vai continuar impressionando nas apresentações de liderança. Os dashboards vão ficar mais bonitos, os algoritmos mais complexos. Mas nada disso vai funcionar se o alicerce continuar frouxo.
Não existe inteligência artificial que compense uma estrutura de cargos analógica. Sem uma arquitetura clara, integrada e baseada em competências reais, tudo o que você fizer será cosmético. Uma reforma de fachada, num prédio com rachaduras estruturais.
A chamada Arquitetura de Cargos 2.0 — ou como alguns já chamam, Career Architecture — não é um luxo conceitual. É o novo padrão mínimo de um RH estratégico.
Uma estrutura conectada por disciplinas, escopos, níveis e skills mensuráveis.
Um sistema que alimenta toda a engrenagem do talento: performance, carreira, sucessão, remuneração, mobilidade e aprendizagem.
O futuro exige muito mais que títulos e organogramas: exige um hub de skills real, vivo, conectado com a estratégia do negócio e com a experiência dos colaboradores.
Portanto, antes de investir na próxima plataforma de IA, faça a pergunta que importa: Sua estrutura está preparada para transformar dados em decisões? Ou você ainda está tentando empilhar ferramentas em cima de um RH que não se entende nem por dentro?
A Arquitetura de Cargos 2.0 é o passo antes da revolução.
O que vem depois depende de você.
*Filipe Ducas. Formado em Administração, com Especialização em Recursos Humanos e MBA Internacional em Liderança e Gestão, Ducas é uma das referências brasileiras no setor de Remuneração e Benefícios, com uma carreira global e robusta. Co-fundador e Executivo Sênior de Remuneração da Comp, possui mais de 20 anos de experiência em posições de liderança em Remuneração, Operações de RH e People Analytics em gigantes como IBM, Atento, Cognizant, XP Inc. e Grupo OLX. Sua expertise é desenhar políticas e liderar projetos transformadores, com foco em utilizar tecnologia para potencializar o capital humano. Pela Comp, já foi responsável por ajudar mais de 100 empresas a construírem estratégias de remuneração que conectam a estratégia de talentos com o negócio.
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