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Propósito, hierarquia e pertencimento: um papo com Daniel Castanho, presidente do conselho da Ânima Educação
Companhia reúne 18 instituições de ensino superior, 387 mil estudantes em mais de 700 polos educacionais por todo o Brasil; para executivo, cultura de incentivar ‘erros honestos’ e dar liberdade ajuda empresa a crescer
Ele já foi professor de matemática, dono de restaurante, franqueado do Subway e empregado no mercado financeiro. Também já faliu, mas nunca deixou de acreditar. Filho do dono da escola onde estudava em Sorocaba, no interior de São Paulo, Daniel Faccini Castanho hoje é o presidente do conselho de administração da Ânima Educação, conglomerado que reúne 18 instituições de ensino superior e 387 mil estudantes espalhados por mais de 700 polos educacionais em todo o Brasil.
A história do grupo nasceu em 2003, quando Castanho comprou a UNA, em Belo Horizonte (MG), com uma dívida maior do que seu faturamento na época. “A recuperação só foi possível com todo mundo junto”, conta ele nessa entrevista a Cajuína, em que ele repassa a trajetória de sua carreira e também fala sobre a busca por um propósito e retribuir os privilégios de uma “vida de abundância”.
Não gosto de trabalhar com pessoas boas, gosto das extraordinárias
Temas como empreendedorismo, criação de senso de pertencimento, combate à cultura do medo e o propósito de transformar o Brasil pela educação também aparecem no papo. “Não gosto de trabalhar com pessoas boas, gosto das extraordinárias. Quero fazer uma empresa extraordinária com pessoas que têm o desejo de fazer algo completamente diferente”, diz ele. A seguir, confira os principais trechos.
Seu pai era dono de escola. Empreender era um caminho definido na sua trajetória profissional?
Eu vivi em um ambiente de abundância, mas sem excessos, o que me dava uma responsabilidade muito grande. Meu pai chegou a ser taxista, então ele dava muito valor às coisas. Com autoestima elevada e humildade, você não tem medo de arriscar e consegue ser protagonista de sua própria história. Isso é ser empreendedor. Cresci nesse mundo e acho que sou empreendedor desde sempre, no sentido de tentar buscar um propósito, ser apaixonado por aquilo e não ter medo de arriscar ou ousar naquilo que eu acredito. Eu me considero muito mais empreendedor do que empresário.
Em 2003 você comprou a Una, em Belo Horizonte, mas a instituição estava cheia de dívidas. Anos depois, com a UniBH, vocês tiveram a mesma questão. Como foi este início?
Em 2000, a legislação que rege a educação mudou, permitindo a existência de instituições de ensino superior com fins lucrativos. Entendi que seria um setor importante da economia: só 5% da população entre 18 e 24 anos estava na universidade na época, mas isso precisava mudar. Tive a ideia, mas não tinha dinheiro, pois tinha acabado de falir. Comprei a Una, em Belo Horizonte, que cabia no meu bolso: a empresa faturava R$ 30 milhões, mas devia R$ 35 milhões – e tinha dívida até com agiota. Em 2009, passei por algo parecido com a UniBH: os professores estavam em greve e tinham cinco meses de salário atrasado. Chamei todos em um auditório, apresentei os números e mostrei o tamanho do rombo. Dos 700 professores, 220 entraram num plano de demissão voluntária que eles organizaram – paguei em bolsa de estudo para filhos e netos de muitos desses funcionários. Fomos negociando, pagando os atrasados e em 2009 já conseguimos acertar os salários e antecipar o 13º de todo mundo. Foi o simbolismo da recuperação, mas só foi possível com todo mundo junto.
Na pandemia, você encabeçou o movimento “Não Demita”, para que os empresários não dispensassem seus colaboradores. Como é o modelo de gestão das equipes dentro da Ânima Educação?
No começo de tudo, nossa missão era salvar uma escola. Depois que equilibramos as contas, eu queria criar um ambiente em que todo mundo que trabalhasse com a gente tivesse um uma segunda-feira de manhã melhor do que a sexta à noite. Hoje, passamos 8 horas nobres dos 30 melhores anos das nossas vidas trabalhando. Isso precisa acontecer em um lugar bacana, onde as pessoas possam falar o que elas quiserem. O ambiente não pode ser pautado pelo medo, os cargos não entram em reunião. Quem decide a reunião é quem mais entende daquele assunto e é preciso fomentar o conflito de ideias. Começamos a implementar esta cultura. Todo mundo da empresa tem meu celular, para você ter uma ideia. E até termos uns 2 mil funcionários, eu ligava no aniversário de todo mundo, é claro que hoje eu não consigo mais. Além disso, criamos um ambiente para que todo mundo fosse empreendedor. Também há uma cultura de incentivar o erro honesto, de as pessoas poderem falar o que quiserem e terem liberdade. Não precisa, por exemplo, seguir hierarquia para falar com alguém de cima. Acredito que uma demissão bem feita acontece quando o funcionário que acaba de ser demitido responde com notas elevadas, dentro de uma escala de 0 a 10, sobre seu sentimento de justiça, gratidão e transparência. Se ele tiver esse sentimento de gratidão e justiça, você está criando um ambiente muito legal.
Em 2013 a Ânima abriu capital e distribuiu ações entre os colaboradores. Qual o motivo desta iniciativa?
Esse foi o Programa Dádiva, uma das coisas mais legais que fizemos. Sempre falei que a Ânima é da Ânima. Isso é: a pessoa não trabalha para mim, mas sim trabalha para ela mesma. Estamos juntos porque compartilhamos o mesmo propósito. Fomos a primeira empresa que, antes de abrir capital, já tinha 2,5 mil sócios, porque a gente deu ações para todos os funcionários com mais um ano de casa. A pessoa que recebeu menos ganhou R$ 4 mil em ações, mas tivemos 24 colaboradores que ganharam R$ 1 milhão em ações. Nenhum deles conseguiu levantar da cadeira quando contamos, ficaram pasmos. E outra coisa: foram ações doadas sem lock-up, o que significa que elas poderiam ser vendidas no dia seguinte.
Dentro da política de gestão de pessoas, há alguma preocupação com as questões raciais ou de gênero?
A gente tem que amar e desejar a diversidade porque é justamente nos conflitos de ideias que surgem coisas incríveis. Temos o Programa Plurais, que prevê o trabalho com equidade, dando mais condições de capacitação para quem não teve oportunidade. Financiamos cursos, programas de extensão e mestrado para turbinar o potencial dos colaboradores, sejam eles ocupantes de cargos de liderança ou não.
Como você se define no papel de líder e gestor?
Procuro não fugir da minha essência e silenciar o ego. Existe a autoridade do argumento e o argumento da autoridade. Normalmente, procuro usar a autoridade do argumento. Gosto de ouvir, entender por que a pessoa tem aquela opinião, se discorda de mim é porque estamos com informações diferentes.
Pelo cargo que eu ocupo, sou mais líder do que gestor. Sou a pessoa que inspira a criatividade, curiosidade, que acredita em algo de uma maneira muito verdadeira. Não gosto de trabalhar com pessoas boas, gosto das extraordinárias. Quero fazer uma empresa extraordinária com pessoas que têm o desejo de fazer algo completamente diferente.
“Transformar o Brasil pela Educação” é o slogan de vocês, mas o acesso ao ensino superior, especialmente na rede privada, ainda é muito restrito, além de não ser obrigatório. De que forma fazer isso então?
Atuamos no ensino básico por meio de dois blocos: repensando o curso de Pedagogia e na formação de professores pelo Instituto Ânima. As pessoas aceitam que o curso de Medicina não deve ser a distância, mas por que não há a mesma indignação com a Pedagogia? O curso deveria ter residência, especialização, ser o mais importante de todos. É a nossa defesa. Por isso, procuramos ter cursos de Pedagogia muito diferenciados.
Por outro lado, por meio do Instituto Ânima, a gente capacita professores da rede pública de diferentes estados do Brasil para ensinar educação financeira, educação digital e projeto de vida. Temos um orçamento grande, neste ano está em R$ 84 milhões. Também pagamos para 100 professores fazerem pós-graduação na Finlândia e outros 200 na Universidade Stanford, nos EUA. No ano passado, impactamos mais de 1 milhão de alunos pelos professores que capacitamos.
O ensino técnico e profissional é uma modalidade pouco valorizada no Brasil. Qual sua opinião sobre ele?
Com meu olhar de liderança e gestão, vejo que o ensino técnico precisa ser oferecido de uma maneira convergente com ciência, tecnologia e desenvolvimento econômico. É preciso conciliar o desafio econômico de uma região com os investimentos em ciência, tecnologia e pesquisa para que haja um desenvolvimento com as empresas locais. Dessa forma, o ensino técnico capacita mão de obra para que as pessoas consigam ter um emprego e pode ser um projeto incrível. Não adianta formar alguém em logística pluvial no interior de São Paulo: precisa ser em Santos, por exemplo.
Para encerrar, você tem alguma dica de livro, filme ou podcast?
A minha última leitura foi um livro chamado A Alma Indomável, de Michael A. Singer. É preciso ter curiosidade sobre o novo, minha recomendação é ler algo muito diferente do que você tem lido, buscando coisas que nos tornem mais sensíveis. A arte desenvolve a sensibilidade fazendo com que a gente escute o que não foi falado, leia as entrelinhas e aí você vira uma pessoa muito melhor.
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