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Como o Assaí contratou mais de 1,1 mil pessoas acima dos 50 anos só em 2024

Criado em 2022, Programa 50+ foca na contratação de pessoas mais velhas, que compõe cerca de 10% da força de trabalho da empresa; segundo executiva, público é ávido por oportunidades e traz maturidade para o ambiente de trabalho, além de servir como inspiração para mais jovens

Bruno Capelas
9 de outubro de 2024
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Entre os muitos preconceitos existentes no mercado de trabalho atualmente, o etarismo é um dos que mais pode afetar a população brasileira, atualmente em franco envelhecimento: segundo estudo do economista Rogério Nagamine, com base em dados do IBGE, um terço dos trabalhadores brasileiros terá mais de 50 anos até 2060. É uma população que frequentemente têm dificuldade para conquistar um novo emprego. Mas esse não é o caso dos colaboradores da rede varejista Assaí, que só neste ano de 2024 já contratou mais de 1,1 mil pessoas acima dos 50 anos. 

“É uma população ávida por oportunidades”, define Sandra Vicari, vice-presidente de Gestão de Gente e Sustentabilidade do Assaí. O esforço, porém, não é gratuito, e faz parte do Programa 50+, iniciado pela empresa em 2022. A origem do projeto foi curiosa: ao começar a abrir açougues em cerca de 200 lojas espalhadas pelo Brasil, a empresa percebeu que estava atraindo muitos profissionais mais experientes. A iniciativa deu tão certo que foi expandida para todo o grupo – e hoje, cerca de 10% do quadro de 84 mil colaboradores do Assaí está nesta faixa etária. 

“São profissionais altamente comprometidos, que queriam ficar conosco e ajudar a estruturar o negócio, além de ter serenidade e maturidade para lidar com os conflitos do dia a dia”, diz a executiva em entrevista a Cajuína. De fato: segundo dados internos do Assaí, a taxa de turnover – dado historicamente alto para o varejo – é mais baixa entre os colaboradores mais velhos. “Em média, um profissional acima dos 50 anos permanece 114% a mais do que alguém da geração Z e 26% a mais do que uma pessoa da geração Y no Assaí”, explica. 

Na conversa a seguir, Sandra conta mais detalhes do surgimento do programa, explica como a empresa lida com os conflitos entre gerações e revela também as ferramentas para desenvolvimento e treinamento desses colaboradores. A executiva também se mostra uma forte defensora da diversidade. “No varejo, quem tiver um grupo de colaboradores bem diverso só vai ter ganhos”, propagandeia. 

Como surgiu o Programa 50+? E por quê ele surgiu? 

O programa começou em 2022. Ele surgiu de uma necessidade do negócio, quando começamos a implantar a seção de açougue nas lojas. Naquela época, começamos a buscar profissionais com experiência e identificamos que as pessoas que melhor se encaixavam estavam, na maioria, acima dos 50 anos. Começamos, então, um programa específico para a seção de açougue. No varejo, existe um desafio muito grande com turnover, especialmente com a população jovem que busca oportunidades rapidamente. Por outro lado, percebemos que os profissionais acima dos 50 anos eram altamente comprometidos e ficavam conosco, queriam ajudar a estruturar o negócio. Foi um movimento tão positivo que estendemos para o resto da companhia e criamos o programa, buscando sempre valorizar os profissionais e a experiência que eles trazem. Destaco o comportamento deles: são pessoas com serenidade e maturidade para lidar com os conflitos do dia a dia. Criamos um banco exclusivo na nossa plataforma de seleção para esse público, com instruções simplificadas, até porque sabemos que alguns têm mais dificuldade com tecnologia. Desde 2022, estamos com esse banco e crescendo ano após ano. 

Uma coisa é implementar um programa para um setor específico. Outra é fazer isso para todas as funções, em uma empresa que tem escala nacional. Como foi esse processo de crescimento? 

O primeiro passou seguiu a abertura dos açougues dentro das nossas lojas: hoje, temos 294 espaços e desses, cerca de 200 possuem açougues. Depois que abriu para todo mundo, o contingente cresceu: só em 2024, nós contratamos 1100 profissionais acima dos 50 anos. Além disso, fizemos um mergulho na nossa população: na base da pirâmide demográfica, a maioria dos colaboradores tem entre 18 e 25 anos, mas na média liderança e na gerência temos muitos profissionais acima dos 40 ou 50 anos. Ao todo, hoje temos 8 mil profissionais 50+ no nosso quadro. 

No caso do açougue, há uma busca por profissionais com experiência prévia, mas quando a empresa abre o Programa 50+ para todas as funções, imagina-se que muitos contratados nunca trabalharam no varejo antes. Como é treinar esse público? 

Temos hoje uma universidade interna, a Universidade Assaí, com mais de 3 mil cursos para treinamento dos colaboradores. São diversos programas de formação, dependendo do cargo ou da função dos profissionais. E um dos cursos específicos, que é super importante para nós, é o de Letramento Digital. Hoje, a maior dificuldade que encontramos nessa população é lidar com as mudanças diárias de tecnologia. Em cada uma das lojas, há totens para que os colaboradores possam fazer os cursos online. Nas lojas, há ainda salas de treinamento prontas para receber cursos presenciais. Além disso, para acelerar a adaptação, toda pessoa contratada acima dos 50 anos ganha um padrinho ou madrinha, que vai acompanhar seu dia a dia e acelerar o desenvolvimento daquele profissional. 

Vocês têm tido dificuldade para contratar esse público, Sandra? 

Vou dizer que não: essa é uma população ávida por oportunidades. A população brasileira está em processo de envelhecimento e possuímos um leque grande de oportunidades para contratação. O que nós temos buscado é facilitar o acesso às nossas plataformas, buscando facilitar a chegada das pessoas acima dos 50 anos até aqui. 

Todo programa de contratação é só o primeiro passo para a jornada de um colaborador. Quais são as ações que vocês têm para facilitar a permanência e a evolução do colaborador 50+ no Assaí? 

Na nossa cultura interna, existe um ponto que vale para todos os colaboradores: qualquer vaga é primeiro aberta internamente. Seja uma posição de liderança ou uma promoção, sempre abrimos as posições para investir no nosso público interno. Além disso, todas as lojas têm um profissional de RH que acompanha o grupo de pessoas, e um dos desafios desse profissional é estimulá-las a participar dos processos seletivos internos. Em paralelo, também ancoramos as pessoas com a parte de desenvolvimento da universidade. Temos ainda muitos programas de reconhecimento interno, seja regulares, como destaques do mês, ou em datas sazonais. São ideias que as pessoas valorizam, muitas vezes porque vieram de estruturas que não tinham esse reconhecimento. O resultado é um ambiente acolhedor e familiar, onde as pessoas se sentem em casa – e o que percebemos é que os profissionais 50+ são os que mais tempo ficam conosco. Em média, um profissional acima dos 50 anos permanece 114% a mais do que alguém da geração Z e 26% a mais do que uma pessoa da geração Y no Assaí. 

Você destacou que a maior parte da força de trabalho do Assaí é de profissionais bem jovens. Como é a convivência entre as gerações dentro da empresa? 

Não dá para negar que existe um conflito de gerações. A relação com o trabalho dos 50+ é muito diferente de quem está começando agora, seja na expectativa que se tem, na forma de comunicação e de aprendizado. O que nós trabalhamos com os 50+ é explicar essas diferenças e como as gerações se complementam. Nossos programas de formação de liderança envolvem muitas questões comportamentais, e em muitos casos mostrando sobre como a geração mais jovem quer ser acolhida. Outro dia, um profissional super jovem do meu time veio até mim e me pediu um abraço. Isso não era comum na minha geração, que tem aquele ideal de “vim aqui só pra trabalhar”. Por outro lado, os profissionais mais jovens têm uma relação de resistência com os mais velhos no começo do trabalho juntos. Quando começam a atuar e colaborar, porém, os jovens veem o quanto a experiência e a maturidade fazem diferença – e muitos buscam inclusive os mais velhos para serem mentores, é um movimento muito interessante. 

Contratar pessoas 50+ é olhar para um marcador de diversidade específico, mas muitas pessoas desse grupo são também mulheres, pessoas pretas ou LGBTQIA+, só para ficar em três outras três discussões. Existe alguma particularidade quando vocês olham para a soma de outros marcadores no Programa 50+? 

No Assaí, temos um trabalho intenso considerando os diferentes recortes de diversidade, mas não buscamos tratar ninguém de maneira diferente, focando sempre em ter um ambiente inclusivo. Ter mais mulheres, especialmente em posições de liderança, é um desafio do varejo. Hoje, 49% do nosso time é composto por mulheres, sendo que 25% das posições de gerência e acima são ocupadas por elas. Temos ainda duas mulheres no nosso Conselho de Administração. Hoje, 65,5% dos colaboradores do Assaí são autodeclarados negros, que também ocupam 43,8% dos cargos de gerência e acima. Em 2023, também percebemos no nosso censo interno que houve um salto de 48% na proporção da população LGBTQIA+, chegando a quase 10% dos colaboradores. Antes, esse número era bem pequeno, o que mostra que as pessoas se sentem à vontade para serem quem são aqui. Também temos 5,4% de colaboradores com deficiência. Além disso, busco dizer que a alavanca do Assaí para todos os públicos é o nosso crescimento. Quando eu cheguei aqui em 2013, a empresa tinha 8 mil funcionários. Hoje, somos 84 mil. É um crescimento gigante e que nos permite criar esse ambiente inclusivo e acolhedor. 

O varejo é uma área que é muito intensa no atendimento ao público. Infelizmente, às vezes acontecem casos de preconceito, de etarismo. Há algum tipo de orientação para as pessoas 50+ nesse caso? 

Nós temos o RH sempre presente em todas as lojas para orientar. Essa questão de discriminação, infelizmente, acontece não só com os 50+, mas como um todo. Em um número imenso de clientes, às vezes surge essa questão. Mas com os 50+, o foco é maior na orientação sobre como lidar com o atendimento para diferentes públicos. Buscamos oferecer as mesmas condições para todos, até para não diferenciar ninguém e inserindo a todos. 

Que conselho você dá para quem for ler essa entrevista e se sentir inspirado a ter uma ação voltada para esse público? 

Tem muita empresa que olha a idade das pessoas e separa os currículos de lado. Não se deve fazer isso. São profissionais que podem contribuir muito, são altamente comprometidos com a companhia e que trazem uma bagagem não só de conhecimento técnico, mas também possuem uma maturidade para lidar com diferentes situações – e isso faz toda a diferença. É algo que apoia muito a construção de times, especialmente se for uma empresa que lida com público, com pessoas. No varejo, quem tiver um grupo de colaboradores bem diverso só vai ter ganhos. 

Por fim, você tem alguma dica de livro, filme ou podcast em torno desse tema? 

Tem uma série que eu gosto muito, chamada A Vida e a História de Madam C. J. Walker. Além de ter um enredo emocionante, a série aborda importantes aspectos de gestão de pessoas ao mostrar como Madam C.J. Walker construiu seu império de produtos de beleza para mulheres negras. A história destaca seu foco no empoderamento e inclusão, recrutando e treinando uma rede de vendedoras e promovendo a diversidade e a independência financeira. Além disso, Walker investiu no desenvolvimento de talentos, incentivando a liderança entre suas colaboradoras. A história dela nos permite refletir sobre como mulheres, negros(as), pessoas 50+, mães solo, pessoas sem experiência profissional e outros grupos podem, sim, empreender e alcançar sucesso. Além disso, a série oferece uma verdadeira aula sobre o engajamento de suas colaboradoras, refletindo o mesmo propósito que temos no Assaí: levar prosperidade para nossos colaboradores, comunidades, clientes e fornecedores.

Bruno Capelas é jornalista. Foi repórter e editor de tecnologia do Estadão e líder de comunicação da firma de venture capital Canary. Também escreveu o livro 'Raios e Trovões – A História do Fenômeno Castelo Rá-Tim-Bum'.