Filipe Ducas desvenda como a criatividade nos ILPs pode impulsionar o engajamento e o sucesso organizacional em qualquer fase de desenvolvimento empresarial
Sobre a cultura do Brasil e da China, com Beatriz Alvernaz, da Shein
Após passagens por empresas como Vale, Via Varejo e Johnson & Johnson, a carioca assumiu o desafio de ajudar a marca chinesa a montar operações no Brasil e compartilha desafios de recrutamento, cultura e carreira em empresas globais
Quando Beatriz Alvernaz começou sua carreira, a empresa em que ela trabalha hoje nem existia. O que não significa que a atual empregadora da carioca seja um nome desconhecido, pelo contrário: apesar de ter chegado ao Brasil há pouco mais de um ano, a Shein já vive nos armários de muitos brasileiros. Gerente sênior de RH da chinesa por aqui, Beatriz está há oito meses “aprendendo muito”, como ela mesma diz.
Nesse período, ela ajudou a organização a implementar processos de RH, recrutando muita gente (a Shein saltou de 4 para mais de 100 pessoas em uma temporada) e misturando a cultura do Brasil com a da China. É um desafio, mas é mais fácil do que parece, diz a executiva. “A cultura chinesa tem mais similaridades com a brasileira do que se imagina. A forma de comunicação é parecida: tanto chineses como brasileiros não gostam de conflitos, deixam as coisas implícitas”, conta ela para Cajuína. “Mas há coisas diferentes: brasileiros são pessoas com flexibilidade, com criatividade. Já os chineses são pessoas que usam muito bem os dados e têm processos de decisão mais simplificados.”
Na entrevista a seguir, Beatriz fala um pouco mais sobre sua história – que tem passagens por empresas tradicionais como Vale, Via Varejo e J&J – e sobre como foram esses primeiros meses na Shein. Fuso horário, dificuldades de recrutamento e dicas para quem quer ir trabalhar numa empresa chinesa também estão na pauta, que você confere a seguir.
Beatriz, como você foi parar no RH?
Eu tenho uma carreira não tradicional de RH: comecei com treinamento e desenvolvimento em telefonia, na época do boom de telecom no Brasil, com toda a parte de avaliação de competências e sucessão. Depois disso, eu tive a oportunidade de trabalhar em consultoria de gestão, que foi uma escola do que eu chamo de SVM – o “se vira, malandro!”. Consultoria é um ambiente que tem muito cliente para atender, muita metodologia para aplicar e eu estava em início de carreira. Depois implantei uma espécie de startup na Vale, no momento que eu não estava no RH, e flertei com o mundo de comunicação, olhava para a administração do projeto. Foi um momento que me fez pensar no que eu queria para a minha carreira, e entendi que minha motivação estava entre inovação, comunicação e RH.
Fui para a J&J, trabalhei atendendo consumo, time de vendas, depois atendi o time da vice-presidência de marketing e estratégia, e surgiu a oportunidade depois de ir para a Via. Como é que a Shein aparece nessa história? Bem, na J&J eu fiz parte de um projeto que tirou o e-commerce da área de vendas e colocou ele em digital, e quando eu vi o post da vaga da Shein, percebi que era algo que eu queria para a minha carreira. A Via é uma grande empresa, mas o modelo de negócios da Shein me chamou muita atenção. Fala muito com meus valores de não ter desperdício, se preocupar com a comunidade, ter um modelo que faz a moda ser acessível sem abrir mão da qualidade. Isso foi o que me fez vir para a Shein, onde estou há oito meses aprendendo muito.
Quando você chegou à Shein, dava para contar nos dedos quantas pessoas tinha no Brasil. Hoje, são mais de 100 pessoas. Qual foi sua primeira missão na empresa?
Foi entender o negócio: fiz onboarding e fui para campo com o time. Eu não acredito em RH que não está próximo do negócio. O segundo ponto foi entender onde estava o RH, fazendo avaliação e diagnóstico do status do RH. Foi um diálogo muito aberto com os colaboradores que já estavam na organização – e diálogo aberto e transparente são coisas que a Shein valoriza muito.
A Shein é uma empresa que já tem uma série de processos globais, mas estava chegando em um país novo. Quais foram as primeiras implementações aqui?
Eu digo que ainda estamos na fase de “back to the basics”, isto é, de volta ao básico. Ao entrar na empresa, meu desafio foi garantir que estamos de acordo com a legislação brasileira e, ao mesmo tempo, em conformidade com todos os processos da Shein. É algo bem pé no chão, com processos operacionais do RH: benefícios, ambiente de trabalho, há pouco tempo nós começamos a falar de valores, para fazer uma jornada muito em linha com o desenvolvimento sustentável que a gente busca aqui.
É algo muito importante, mas ao mesmo tempo em que você fazia isso, a Shein também contratou muito. Como foi lidar com recrutamento em uma velocidade tão intensa?
Só conseguimos entregar recrutamento e seleção nessa velocidade porque temos líderes parceiros, que abrem agenda e corroboram com os processos. Do outro lado, acho também que as pessoas têm um amor pela marca que se estende para quem busca vir trabalhar aqui, o olho brilha, é gente que vê na Shein a oportunidade de fazer carreira e se desenvolver. Tem três habilidades que a gente busca em qualquer colaborador: pensamento estratégico, comunicação e influência, e criatividade. Aqui, a gente testa muito, move muitas agendas, então é preciso ter essas habilidades para conseguir lidar com o dia a dia. Falamos muito sobre a importância da adaptação frente às mudanças de negócios e a importância de amadurecer modelos, enquanto aprendemos juntos.
Ter uma marca conhecida e amada ajuda a atrair talentos. No entanto, às vezes a idealização de quem é contratado se cruza diretamente com a realidade do dia a dia – e nem todo dia é perfeito. Como RH, como você cuida disso?
Nós falamos muito aqui sobre dias bons e dias ruins, dias que a gente se motiva e dias que a gente se questiona. Acredito que, numa cultura que está em constante adaptação, é importante ter uma liderança aberta ao diálogo. E para vir trabalhar na Shein, tem que estar aberto ao novo, que é um dos nossos valores. Mas também queremos que as pessoas aprendam aqui dentro, que elas se sintam seguras para trabalhar e criar uma cultura de colaboração.
Existem muitos mitos a respeito de trabalhar em companhias chinesas. Como é, na prática, a realidade dessa mistura do Brasil com a China?
É uma pergunta que eu recebo muitas vezes, seja de colegas do mercado ou de familiares. É um desafio, não vou mentir, mas tem sido gratificante. E a cultura chinesa tem mais similaridades com a brasileira do que se imagina. A forma de comunicação é parecida: tanto chineses como brasileiros não gostam de conflitos, deixam as coisas implícitas. É bem diferente do americano, que é super explícito na comunicação. Mas há coisas diferentes: brasileiros são pessoas com flexibilidade, com criatividade. Já os chineses são pessoas que usam muito bem os dados e têm processos de decisão mais simplificados, eu tenho aprendido muito a usar dados aqui. E o diálogo não é simples, mas há caminhos: chineses são muito bons em tomar decisões se elas acontecem por meio de números. A parte boa é que tem líderes de ambas as partes abertos a tentar fazer e fazer junto. Fiquei surpresa, porque eu cheguei na defensiva, como todo mundo que ouve as lendas urbanas de empresas chinesas. Existe uma adaptação à cultura, claro, mas eu me sinto muito bem aqui, em um trabalho com coletividade, construído aos poucos.
Brasil e China tem uma particularidade geográfica de estarem em posições opostas do planeta – e, portanto, com fuso horário trocado. Como é viver nessa situação que sempre tem parte da empresa trabalhando (e sempre tem gente dormindo)?
Acho que o diálogo nos ajudou muito a explicar como funciona o trabalho no Brasil, seja em legislação ou em cultura. Foi um desafio do RH explicar o mercado, legislação, fazê-los entender o que é um cargo de confiança, mas sentimos que o time da China respeita esse modelo. Não existe expectativa por parte dos chineses que a gente responda mensagens em um minuto, eles são muito respeitosos quanto ao horário de trabalho. Claro, existem exceções específicas, mas ninguém nunca fez reunião com a China às 3h ou 4h da manhã. Minhas reuniões com o time de RH de lá acontecem 8h da manhã, é algo super administrável – e os chefes sempre questionam se isso está afetando a vida pessoal. O fato de ter chineses trabalhando aqui conosco, vivenciando nosso modelo de trabalhou, colaborou muito. Aqui eles entendem o work-life balance, entendem o que é um happy hour ou um almoço focado em integração. Não estou dizendo que não tem desafios de pico de trabalho, mas a relação é positiva e com muito respeito.
Para fechar: que conselho você daria para quem recebe proposta de uma empresa chinesa e está em dúvida quanto à cultura?
Primeiro, pesquise muito sobre a empresa. É clichê, mas o óbvio precisa ser dito. Eu fiz uma pesquisa intensa para entrar na Shein, entender o negócio, entender como a empresa está em 100 países e busca ser consistente em tão pouco tempo de história. O segundo ponto é vir de coração aberto: quem entrou aqui e está tendo desenvolvimento na carreiras foram pessoas que estavam prontas para ouvir e dialogar. E o terceiro ponto é saber que você vai aprender muito. Uma empresa chinesa valoriza as fortalezas da organização. É importante compreender que lados opostos podem se complementar – e se você entender isso, vai ter muito sucesso.
Leia também: Pensar globalmente, agir localmente: Eric Toyoda, Talent Acquisition Lead para América do Norte na Avanade
As mais lidas