Programas de desenvolvimento interno de talentos estão em alta e movimentam o mercado de recursos humanos, além de promoverem a diversidade nos negócios
Divulgação de salário: transparência ou exposição?
Menção de remuneração no processo seletivo beneficia candidato, mas pode prejudicar empresas e gerar conflitos na equipe; entenda debate
Buscar uma nova oportunidade de trabalho é sempre um desafio para os profissionais. Preencher cadastros, realizar provas on-line e participar de entrevistas envolve não só tempo, mas também equilíbrio emocional. Além de a maioria dos processos seletivos ter longa duração, poucas empresas no Brasil divulgam o salário da vaga — informação considerada relevante para a continuidade no recrutamento por 76% dos candidatos, segundo levantamento realizado pelo site Indeed em maio, com 858 brasileiros.
Nos Estados Unidos, houve avanços na transparência dos processos de recrutamento. Diversos estados criaram leis específicas para exigir que as empresas divulguem, pelo menos, uma faixa salarial nas vagas, como Califórnia, Colorado, Washington e, desde o início deste mês, Nova York. Pesquisa realizada pela consultoria Willis Towers Watson (WTW) mostrou que 17% das companhias já fornecem a faixa salarial nas vagas em cidades norte-americanas que não possuem uma legislação específica. O levantamento foi realizado com 388 executivos de empresas que empregam 7,5 milhões de trabalhadores entre junho e julho deste ano.
Profissionais nova-iorquinos, no entanto, têm relatado que, diante da recente obrigatoriedade de divulgar a remuneração em suas vagas, algumas empresas estão “boicotando” a regra, anunciando faixas salariais muito amplas que dificultam o acesso ao valor exato do salário — em anúncios na internet, por exemplo, é possível encontrar vagas com salários que variam na ordem US$ 50 mil e US$ 150 mil ao ano.
Cenário nacional
No Brasil, um projeto de lei que também pretende exigir a divulgação da remuneração em vagas de trabalho está em análise na Câmara dos Deputados. Pelo texto, a regra terá de ser cumprida por empresas públicas ou privadas, com possibilidade de multa de cinco salários-mínimos (R$ 6.060) em caso de descumprimento – o valor é por autuação e não se multiplica pelo número de vagas irregulares. Caso não adeque seus processos, pode ser autuada novamente. Como tramita em caráter conclusivo, o projeto poderá ser aprovado sem necessidade de passar pelo Plenário da Câmara se não houver mudanças no texto ou pedido especial para levar em votação ao colegiado.
Na Gupy, uma das principais plataformas tecnológicas de recrutamento do país, com mais de 10 milhões de candidatos inscritos, as companhias têm liberdade para divulgar ou não os salários oferecidos em suas vagas. No entanto, a maioria não menciona esses valores, afirmou Gianpiero Sperati, Chief Human Resources Officer (Líder de Recursos Humanos) da startup de recrutamento.
“Informar a faixa salarial e os benefícios são formas de atrair potenciais profissionais, uma vez que eles irão avaliar se vale a pena ou não passar pelo processo de recrutamento. Esse mecanismo também funciona como um termômetro para verificar se o que a empresa está propondo atrai, de fato, talentos para a vaga”, explicou.
O mesmo acontece na Vagas.com, plataforma com mais de 22 milhões de currículos cadastrados. Segundo Ludmila Seki, especialista da empresa, entre janeiro e outubro deste ano, apenas 26% das vagas publicadas na plataforma informaram a remuneração ou um intervalo de remuneração. Um dos possíveis motivos, disse ela, está no nível de flexibilidade para negociação com o candidato que cada cargo oferece.
“De modo geral, o RH costuma divulgar a faixa salarial quando se tratam de posições com valores de remuneração com pouca flexibilidade para negociação. Ao omitir essa informação, é possível que o recrutador esteja aberto a conhecer profissionais com diferentes expectativas salariais. Esse cenário é mais frequente em cargos em que há uma grande variação no mercado ou em que seja possível a negociação do salário”, explicou Ludmila.
Para Juliana França, executive manager da multinacional britânica de recrutamento PageGroup, na maioria das vezes, as empresas estabelecem apenas uma faixa salarial para as vagas disponíveis porque não têm um valor exato definido para elas. Mesmo assim, não podem divulgar esse intervalo aos candidatos porque, inevitavelmente, a remuneração máxima seria sempre escolhida. A solução? “Questionar a expectativa salarial do candidato e deixar claro desde o início se a pretensão dele está alinhada à faixa proposta pela empresa”, afirmou a executiva.
A especialista afirma também que, na maioria das vezes, os salários ou as faixas salariais costumam ser anunciadas em vagas cuja exigência de qualificação é menor. Em oportunidades para cargos mais especializados e elevados, a remuneração dificilmente é explicitada. “Em C-Levels, por exemplo, é mais complicado divulgar detalhes porque o salário é alto e há uma variedade de benefícios exclusivos, como ações, previdência privada e convênio médico diferenciado”, explicou.
De qualquer forma, segundo Juliana, é importante manter a transparência nos processos seletivos para que o candidato confie na empresa que está se candidatando. “Uma falha do processo seletivo é não amarrar bem a oportunidade com a expectativa do candidato. Se ele tem a expectativa de ganhar R$ 17 mil e a vaga paga até R$ 10 mil, não faz sentido continuar com ele no processo seletivo”, exemplificou.
Informação concorrencial
Na Heineken, o salário não é divulgado nos processos seletivos, exceto em programas de estágio e trainee. Giuliano Neri Belculfine, diretor de planejamento de recursos humanos da cervejaria no Brasil, afirma que o valor só é passado aos candidatos durante as conversas individuais. “É uma informação concorrencial. Apesar do alto nível de desemprego no Brasil, a mão de obra pela qual as multinacionais competem é restrita”, explicou o executivo.
Belculfine admite que uma maior transparência beneficiaria os candidatos, mas justifica que as empresas, como a própria Heineken, acabariam expondo suas estratégias de remuneração e os próprios profissionais da equipe, com os que ocupam o mesmo cargo que o da vaga anunciada. “As companhias têm estruturas diferentes e competem em mercados distintos. As empresas de varejo, por exemplo, têm uma margem muito baixa. Por isso, é natural que paguem menos”, comparou.
Juliana e Belculfine destacam também a importância dos candidatos avaliarem a compatibilidade com o perfil da vaga como um todo, não apenas com a remuneração. “O salário é o mais importante, mas não é tudo. O pacote de benefícios, por exemplo, também precisa ser considerado”, aconselhou a executiva do PageGroup.
Antes de ser contratada em uma grande empresa brasileira de cosméticos, a designer Daiana Zorzin participou de diversos processos seletivos cuja descrição informava apenas que o salário “seria compatível com a vaga”. Em uma das oportunidades, inclusive, ela chegou à etapa final e descobriu que a remuneração era inferior à sua pretensão, o que inviabilizou a contratação.
“O profissional de recursos humanos ainda insistiu e falou que eu não acharia nada melhor no mercado. A empresa sabe qual valor vai pagar. Não precisa enrolar até a etapa final. Nosso tempo é valioso”, afirmou ela.
Valor de mercado das carreiras
Há quem acredite que o tema vá ganhar ainda mais importância no Brasil. Este é o caso de Pedro Bobrow, que co-fundou a Comp, startup do setor de recursos humanos, e lançou no mês passado a “Pesquisa de remuneração das empresas de tech do Brasil”, em parceria com a Endeavor Brasil, Google for Startups, AWS, entre outras instituições. O objetivo do levantamento é criar um banco de dados atualizado com faixas salariais de diversas carreiras no ecossistema de inovação.
Segundo o Bobrow, um dos motivos pelo qual as empresas não divulgam o salário é a falta de conhecimento sobre o valor de mercado das carreiras. Esse problema, acrescenta, “também pode criar conflitos internos na equipe, como pessoas recebendo remunerações diferentes em um mesmo cargo”.
Na avaliação dele, a contratação de profissionais por empresas estrangeiras e a velocidade com que o mercado muda dificultam a precisão dos valores e demandam um benchmark cada vez melhor. “O RH quer tomar a melhor decisão de mercado, mas, muitas vezes, não tem nem ideia do que é uma proposta de remuneração competitiva e saudável para a empresa no longo prazo”, afirmou o empreendedor.
“Se a companhia tivesse confiança no intervalo de remuneração, certamente divulgaria a informação porque isso só atrai o colaborador. Na minha opinião, as empresas querem, sim, oferecer a melhor opção para os profissionais porque não querem que ele saia”, analisou Bobrow.
Quer divulgar o salário nas vagas de sua empresa? Confira algumas dicas abaixo:
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