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Por que a Reckitt lançou um guia para orientar os gestores sobre parentalidade

Publicado em abril, Guia do Gestor traz dicas para liderança lidar com gravidez e adoção; meta da empresa, que tem 49% de população feminina, é acolher colaboradoras e colaboradores em momento especial

Bruno Capelas
27 de maio de 2025
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Em um tempo em que as barreiras entre vida pessoal e profissional estão cada vez mais difusas ou reduzidas, as organizações têm cada vez mais falado sobre temas como parentalidade. Na indústria de bens de consumo Reckitt, dona de marcas como Veja, Jontex, SBP e Luftal, a conversa sobre o tema ficou tão importante que virou até motivo de um guia para os gestores, a fim de orientá-los sobre como acolher os colaboradores em um momento tão especial como a chegada de uma nova criança à família. 

“Um bebê ou uma criança é um desejo muito forte, mas nunca se sabe qual vai ser a reação da organização e da liderança. O guia traz justamente indicações, já de partida, sobre como acolher a pessoa e fazer com que ela ache que aquele processo tão importante também seja importante para a organização”, destaca Jacqueline Pusas, diretora de RH para Brasil e América Latina da empresa. 

Publicado em abril, o Guia do Gestor traz orientações para todos os momentos da jornada: da hora em que o colaborador comunica a empresa sobre a gestação ou adoção até o retorno após a licença parental – que, na Reckitt, pode chegar até a um ano de duração sob condições específicas. “Quanto mais próximo e acolhedor você se mostra num momento especial para o funcionário, mais ele se identifica com a empresa”, diz a executiva, a respeito da importância do material para a organização. 

Na entrevista a Cajuína, Jacqueline dá detalhes sobre como o guia reforça aspectos da política de parentalidade da empresa, ajudando a valorizar os benefícios e a cultura da Reckitt. Mãe de dois filhos, ela também abre detalhes sobre como foi sua experiência pessoal com a maternidade e explica porque a companhia se voltou para este tema. 

Jacqueline, para começar: quando a Reckitt começou a olhar para políticas de parentalidade? 

Existe uma questão global, mas temos um movimento que começa também pelos Employee Resource Grupos (ERGs) que temos aqui dentro. Temos um de pessoas LGBTQ+, um de raça e etnia, um de mulheres, em cada país os ERGs têm sua configuração. E dentro desses grupos e suas rodas de conversa, surgiu aqui no Brasil a questão da parentalidade e do cuidado com os filhos. Como organização, nós precisamos estar preparados para acolher da melhor forma as pessoas que vão receber um bebê em casa, é preciso ter um preparo. Eu mesma tenho dois filhos, um de 15 anos e outro de 13 anos, e sempre comento nas rodas de conversa que tive duas situações de maternidade. Na primeira, a experiência foi muito difícil desde o momento em que eu comentei que estava grávida até o momento em que saí de licença maternidade. Senti uma pressão emocional e psicológica muito grande em relação a estar gestante, mostrando que eu não estava doente e que podia participar das reuniões. Na volta da licença, também lembro que foi um período muito difícil. Já a segunda experiência foi muito melhor. Por quê? Porque o meu gestor me acolheu de uma forma que não fez com que eu me sentisse menos capaz, pelo contrário – e é justamente esse tipo de experiência que queremos prover. 

Como funciona o Guia do Gestor na prática? Que tipo de conteúdo ele aborda? 

A ideia é preparar o gestor para todos os momentos da jornada do colaborador. Um bebê ou uma criança é um desejo muito forte, mas nunca se sabe qual vai ser a reação da organização e da liderança. O guia traz justamente indicações, já de partida, sobre como abordar essa pessoa. Como falar para que ela se sinta respeitada e ache que aquele processo tão importante também seja importante para a organização. O segundo passo do guia é um processo de acompanhamento: ele traz checklists que indicam o que o gestor deve fazer desde o momento em que a pessoa comunica a gravidez ou adoção até o retorno da licença parental. É um ponto bacana porque ele traz orientações para outros benefícios e ferramentas – como o ambulatório, o RH, as políticas e benefícios que nós dispomos aqui dentro da empresa. Além disso, o Guia também traz indicações para o gestor lidar com o período da licença, sabendo como sinalizar para a pessoa que ela vai ter seu trabalho quando voltar, que terá alguém para substituí-la, lidando com as inseguranças que um período longo como o da licença parental pode trazer. Além de tudo, o guia traz uma noção muito clara de que, ao longo dessa jornada, o principal ponto de contato e de apoio é o gestor, então ele precisa estar preparado para apoiar o colaborador. Hoje, na Reckitt, temos 49% de colaboradoras mulheres – uma população grande de mães ou de mulheres que querem ser mães. É importantíssimo ter as ferramentas adequadas nesse processo. 

Existe um ponto crucial nessa jornada de parentalidade: o momento de contar para o gestor e a empresa que uma gravidez ou adoção está em curso. É quase sempre um momento de surpresa. Como o guia prepara o gestor para esse momento? 

Por um lado, é um elemento de surpresa. Mas por outro, a gente tem que partir do básico. O primeiro passo é simples: o gestor deve parabenizar a pessoa, demonstrar interesse e também curiosidade para saber como a pessoa está se sentindo, dado que aquele momento é novo para ela também. É bom lembrar que a notícia de uma gravidez pode ser super bem-vinda ou também chegar num momento de muito estresse. O segundo passo é saber se a pessoa deseja compartilhar aquela informação de maneira pública no ambiente de trabalho. Depois, o guia traz todas as interfaces com que o colaborador pode contar – como o ambulatório médico que temos aqui dentro e pode servir como ponto de apoio. Outro passo é comunicar a política de parentalidade, compreendendo a situação daquela pessoa. Em alguns casos, o gestor também pode pedir para que o RH oriente a pessoa, mas nesse primeiro momento as orientações são bem básicas, partindo do interesse pela situação dela. Isso vai abrir muitas conversas durante o processo. 

Hoje, quais são as políticas de licença parental existentes na Reckitt? 

Somos uma empresa cidadã, então a licença maternidade é de seis meses. Além disso, temos seis meses de licença maternidade estendida, em que a colaboradora pode optar por ficar em casa, mantendo os benefícios mas sem receber salário. A licença paternidade é de 28 dias, também podendo ser estendida por mais 28 dias sem remuneração. No caso de adoção, o casal cuidador precisa determinar quem é o primeiro cuidador ou o segundo cuidador, e isso determina se haverá direito a seis meses de licença ou um mês. 

Quais são os benefícios que vocês têm para suportar a jornada de parentalidade? 

O primeiro benefício é o auxílio-creche, que funciona nos dois primeiros anos da vida da criança, disponível tanto para os pais quanto para as mães. Até 2024, ele estava disponível apenas para mães, mas neste ano decidimos ampliar e foi super bem aceito. Também temos a assistência médica, e além dela o ambulatório que pode auxiliar no processo. Possuímos ainda um laboratório parceiro que permite o recolhimento de exames, como exame de sangue, dentro do escritório, para que a colaboradora não precise se deslocar nessa rotina intensa. 

Uma das coisas que me chamaram a atenção no guia é uma política chamada Stay in Touch, que busca manter o contato da empresa com o colaborador no período da licença. Como funciona? 

A ideia por trás do Stay in Touch é permitir que a pessoa continue recebendo notícias do que está acontecendo na organização enquanto ela está de licença. Para isso, o colaborador precisa assinar um termo e passa a receber informações. É uma forma que nós criamos de ajudar no acolhimento quando a pessoa retorna ao trabalho – para que ela sentir que nem tudo mudou no período em que ela ficou fora cuidando da sua família. Isso vai depender do interesse do pai ou da mãe, se eles querem se manter conectados, mas até aqui tem sido uma prática bastante positiva para quem adere. 

É comum que muitas pessoas repensem sua carreira e decidam mudar de empresa durante um período de licença parental – até por passar por episódios ruins, como foi o seu caso. Que impacto vocês esperam em termos de retenção de talentos com o guia e as políticas adotadas agora? 

É exatamente isso que acontece. Como te contei, na minha primeira experiência, pedi demissão com o bebê no colo. Lembro que na época meu gestor – que era de RH! – disse que eu não estava bem, que tinha algo a ver com os meus hormônios. E eu respondi que nunca estive tão bem, que eu queria mesmo sair. É um momento de estresse. Quanto à retenção de talentos, eu acredito que quanto mais próximo o gestor está do talento, entendendo as necessidades e se mostrando presente, menor é o índice de turnover que temos.  Ao mesmo tempo, quanto mais próximo e acolhedor você se mostra num momento especial para o funcionário, mais ele se identifica com a empresa. Não posso falar ainda em potencial de saída, mas creio que com certeza o apoio traz um impacto positivo na vida do colaborador. Poder ter uma boa licença, ter a flexibilidade de trabalhar de casa alguns dias, de negociar com o gestor o momento de voltar para o escritório, tudo tem um impacto muito positivo. 

Lançar um guia do gestor implica também que esse guia será seguido. Do lado de quem é liderado, houve algum tipo de conscientização? O que o colaborador pode fazer se sentir que não está sendo acolhido da forma ideal? 

O primeiro ponto é que caso o colaborador sinta que o programa de parentalidade não está funcionando como deveria, existem caminhos para serem acionados, como conversar com o business partner (BP) ou usar o canal do nosso programa de compliance. Além disso, os ERGs têm uma participação muito ativa, com rodas de conversas, que trazem acolhimento para os colaboradores e permitem que eles compartilhem suas experiências – seja em gestão ou em adoção. São conversas importantes que acontecem regularmente durante o ano. Também temos um programa global de conversas de suporte com grupos de mães, falando com o que funcionou e não funcionou com cada uma delas. 

Quanto mais conectados estivermos na realidade da nossa população, mais perto da cultura, com mais elementos de diversidade, somos mais competitivos.

Muita gente ainda diz que ter uma criança não é um assunto que a empresa deveria se envolver, que é um tema particular. Por que cuidar da parentalidade é importante para a Reckitt? 

Acredito que são vários fatores e que não há uma única resposta. O primeiro ponto é que a Reckitt é uma empresa de produtos de consumo – e quem consome nossos produtos é o cidadão, o consumidor, são pessoas que queremos que façam parte do dia a dia da empresa. Quanto mais conectados estivermos na realidade da nossa população, mais perto da cultura, com mais elementos de diversidade, somos mais competitivos. É a base de tudo. Além disso, se estou preparado como empresa para receber qualquer tipo de diversidade, isso traz diversas melhorias nos índices internos – como queda no turnover, redução nos custos de recrutamento, alta nos índices de engajamento, melhorar a atração de talentos. Fazemos o que fazemos porque é importante para nós.

Bruno Capelas é jornalista. Foi repórter e editor de tecnologia do Estadão e líder de comunicação da firma de venture capital Canary. Também escreveu o livro 'Raios e Trovões – A História do Fenômeno Castelo Rá-Tim-Bum'.