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“Todo mundo tem que se sentir no mesmo direito de falar que o presidente”, diz Priscila Mônaco, da Visa

Diretora sênior de Recursos Humanos da companhia há mais de uma década, Priscila fala sobre esforços da Visa para se tornar empresa mais diversa; companhia realiza ciclo de treinamentos, workshops e palestras regularmente para impulsionar contratações e reduzir vieses inconscientes do time

Bruno Capelas
22 de janeiro de 2024
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Com mais de 20 anos de experiência na área de RH, Priscila Mônaco já fez de tudo um pouco dentro da área de pessoas: passou por remuneração, benefícios, desenvolvimento e até gestão de expatriados. Na Visa, onde está há mais de uma década, ela é diretora sênior de Recursos Humanos para o Brasil e a região Andina – e tem sido uma das principais vozes da empresa quando o assunto é diversidade, numa caminhada que começou há vários anos. 

Com cerca de 250 funcionários no Brasil, a multinacional de serviços financeiros implementou, desde 2018, uma série de grupos de afinidade e treinamentos específicos para tornar seus times mais diversos – os treinamentos, que receberam o nome de letramentos, são oferecidos ao time todo da empresa, com temas variados como liderança feminina, acolhimento de pessoas com deficiência ou conscientização racial. “É algo que é oferecido para todas as pessoas, porque na Visa há um pilar de que todos somos líderes – de nós mesmos, das nossas carreiras e dos nossos objetivos técnicos”, diz a executiva. Para ela, o foco do projeto é fazer as pessoas se sentirem incluídas. “Todo mundo tem que se sentir no mesmo direito de falar que o presidente da empresa”, afirma. 

‘Tudo parte da nossa cultura, que tem muito de fazer com que as pessoas se sintam confortáveis no ambiente onde trabalham, em que cada um possa ser o que bem entender, sem sofrer discriminação ou retaliação’.

Na entrevista a seguir, Priscila conta mais detalhes sobre sua trajetória profissional, explica como engaja o time para participar dos letramentos (que não são obrigatórios!), discute as principais mudanças na empresa após o começo da iniciativa e também traça planos para o futuro próximo. “Acredito que vamos ter um enfoque muito grande na questão geracional, com pessoas mais jovens. São pessoas que têm uma linguagem diferente, com interpretação, provocações e energia próprias, querendo sempre entender o propósito”, diz. 

Priscila, como começou a sua trajetória profissional?

Eu sou apaixonada por pessoas – e isso explica porque sempre trabalhei com RH. Eu fiz Administração, meu primeiro estágio foi em pré-vendas e eu achei chato. Por ocasião do destino, uma colega minha tinha começado a trabalhar com RH e eu achei que podia ser interessante, mesmo achando que RH era só para psicólogos. Ela me indicou para uma vaga em uma multinacional canadense do segmento de telecom e eu me encontrei rapidamente.

Foi uma grande escola: comecei com remuneração e benefícios, passei por desenvolvimento e gestão de expatriados. Depois, trabalhei numa empresa inglesa de tecnologia, fiquei lá por seis anos até receber o convite da Visa. Na primeira ligação, achei que estavam tentando me vender cartão, não dei muita trela, até que me explicaram que era uma proposta de vaga. Estou aqui há 12 anos, sempre na área de pessoas, mas sempre há tantos desafios que eu não tenho percepção que trabalho aqui há tanto tempo. Ainda tenho aquele frio na barriga. 

Quando você entrou na Visa, em 2011, a pauta de diversidade estava bem incipiente (para não dizer inexistente). Como diversidade virou pauta na Visa? 

Naquele momento, pouco se falava em diversidade e inclusão. Por ser multinacional, a Visa até já discutia alguns tópicos, mas nada tropicalizado para a América Latina ou o Brasil. Em torno de 2015, começamos a ter mais contato com o tema de diversidade, e foi só em 2018 que a gente criou formalmente um grupo exclusivo para mulheres, a primeira iniciativa que foi abrindo caminhos para outras frentes, como o Pride, sobre orientação sexual.

Começamos a perceber que os colaboradores tinham interesse genuíno pelo tema e depois abrimos os grupos de pessoas negras e o Viable, para PcDs. Desde cedo, tivemos boa adesão, mesmo com o tempo dos colaboradores sendo 100% de dedicação individual para os projetos. Aos poucos, o trabalho foi crescendo e vimos a necessidade de termos uma pessoa liderando esses capítulos e assegurando que os trabalhos estavam avançando de maneira orquestrada – essa pessoa é a Camila Novaes, líder de I&D no Brasil e diretora de marketing da Visa.

Hoje, nós temos reuniões semanais com os representantes dos times, olhando para planos, matrizes de OKR e até mesmo verbas. Atualmente, parte da verba dos grupos vem de América Latina, parte de Brasil e ainda “passamos o chapéu” para alguns projetos extraordinários. Além disso, há cerca de um ano, criamos um grupo geracional para jovens profissionais. 

Um dos pilares dos programas de diversidade da Visa são os letramentos que vocês oferecem para a empresa toda. Por que essas ações são importantes? 

Tudo parte da nossa cultura, que tem muito de fazer com que as pessoas se sintam confortáveis no ambiente onde trabalham, em que cada um possa ser o que bem entender, sem sofrer discriminação ou retaliação. Um dos nossos pilares é a questão da segurança psicológica e da diversidade de percepções: as pessoas têm que se sentir confortáveis para trazer qualquer tipo de ideia à mesa, por mais louca ou disruptiva que possa ser, além de serem incentivadas a errar e aprender rápido.

São características que só trazem benefícios pra empresa e para os negócios, e os letramentos são ferramentas essenciais para garantir que todos os nossos colaboradores tenham o mesmo entendimento. Eles são feitos a partir de workshops, seminários, palestras e mesas redondas, seja com funcionários ou com parceiros. É algo que é oferecido para todas as pessoas, porque na Visa há um pilar de que todos somos líderes – de nós mesmos, das nossas carreiras e dos nossos objetivos técnicos.

Um dos nossos desafios é dar a mesma relevância para os diferentes pilares de diversidade, então buscamos fazer um rodízio com os temas ao longo do ano. Em março, fizemos letramentos voltados para a questão de gênero, além de workshops para impulsionar liderança feminina e técnicas de oratória. Em junho e julho, centramos as discussões na pauta da orientação sexual; outubro e novembro foram dedicados às pessoas com deficiência. O calendário não é estático e, a cada ano, vamos mudando projetos e programas. 

Como funciona a obrigatoriedade para os letramentos? E como é engajar a população da Visa para participar? 

Muito do esforço de engajamento começa já no onboarding. Quando um colaborador começa aqui, temos um programa de boas-vindas para apresentar as áreas da empresa, entendendo as funções de cada uma – e uma das sessões principais é voltada pro comitê de diversidade e inclusão. Isso acontece já na primeira semana, e a gente já estende o convite para ele participar das frentes de diversidade, caso se identifique com alguma delas.

Apesar do grupo de funcionários ser voluntário, ele é muito bem estruturado. Além disso, nós reforçamos esse convite de tempos em tempos. Quanto aos letramentos, não falamos que são treinamentos obrigatórios, embora alguns sejam “fortemente recomendáveis”, como o que fizemos no início desse ano para falar sobre comunicação assertiva com funcionários com deficiência visível ou invisível. Foi um treinamento importante para garantirmos a meta de contratação de funcionários PCDs, e tínhamos a necessidade real de que todos, gestores e pares, entendessem como receber esse público. Para funcionar, tivemos o apoio do nosso country manager, que nos ajudou muito na comunicação. 

Quais foram as principais mudanças que vocês sentiram para a empresa com a implementação dos letramentos? 

A gente sente uma mudança contínua dentro da representatividade na Visa, que hoje tem cerca de 250 pessoas no Brasil. Para você ter ideia, quando eu entrei, em 2011, as mulheres ocupavam 28% dos cargos de liderança. Hoje, nós somos 44% dos cargos de diretoria ou superiores. A contratação de grupos racializados também aumentou: hoje, eles são 4% dos colaboradores da empresa. Sabemos que é pouco, mas estamos progredindo – com iniciativas como o programa de estágio exclusivo para pessoas negras que nós iniciamos ano passado e vai chegar ao fim de ciclo no ano que vem.

‘Nós inclusive trabalhamos um letramento de viés inconsciente todos os anos, porque é uma questão que sempre aparece, e isso não sai do nosso cardápio’.

Outra questão é a das pessoas com deficiência: antes do letramento que fizemos esse ano, era apenas um colaborador, e agora são 8. Por outro lado, não temos uma meta específica de número de pessoas, porque não queremos fazer algo forçado, como se estivéssemos apenas cumprindo uma cota. E não é um projeto fácil, porque há muitos vieses inconscientes. Nós inclusive trabalhamos um letramento de viés inconsciente todos os anos, porque é uma questão que sempre aparece, e isso não sai do nosso cardápio.

Outra questão bacana é que já estamos exportando alguns letramentos que fizemos no Brasil para países como Colômbia, Argentina e México, mostrando o benchmark e buscando parceiros locais que dessem os treinamentos em espanhol. São países que ainda estão em uma fase embrionária do projeto, mas é muito bacana. 

Nos últimos tempos, muita gente alia a discussão de diversidade a uma visão política do mundo – algo bem complicado em tempos de forte polarização. Houve alguma resistência dentro da Visa nesse sentido?

Não tivemos nenhum caso de reatividade dentro da empresa, mas obviamente há pessoas mais ativas e outras mais apartadas nesse assunto. Como falamos desde a primeira semana das pessoas sobre diversidade e inclusão, acho que esse tema está mais pacificado. Além disso, hoje nós temos metas compartilhadas na empresa para todos os colaboradores, que incluem questões de diversidade. Entre elas, há a de aumentar a participação de mulheres na liderança, bem como a de contratar mais pessoas negras e com deficiência, e isso acaba fortalecendo a discussão.

Não é só pra fazer bonito para a sociedade, porque a Visa toda tem essa essência, mas temos flexibilidade para adaptar o que faz sentido a cada país. Nos EUA, há um trabalho forte de contratação de ex-militares, mas essa é uma causa que não faz muito sentido aqui no Brasil, por exemplo.

Como é o trabalho de adaptação e tropicalização das discussões em cada país? 

É uma flexibilidade importante, porque isso nos dá asas para criar algo factível e que tenha propósito dentro de cada país. Na América Latina, por exemplo, sentimos muita importância com nosso programa de liderança feminina, que trabalha técnicas de oratória.

Muitas mulheres se sentiam incomodadas ou interrompidas em reuniões, mas não sabiam como se colocar sem serem mal-educadas. Muitas tinham vergonha ou medo de serem retaliadas, sabe? Falando assim, parecem questões óbvias, mas quando você começa a trabalhar e fica envolvida, você entende a importância disso. Aqui dentro, todo mundo tem que ter a mesma voz, todo mundo tem que se sentir no mesmo direito de falar que o presidente da empresa tem, sendo respeitados da mesma maneira. 

Para fechar, Priscila: as discussões sobre diversidade são muito variadas e evoluem rapidamente. Quais são as pautas que vão entrar em discussão na Visa em 2024? 

Acredito que vamos ter um enfoque maior na questão geracional. Nossa média etária está em torno de 37 anos, mas temos contratado muitas pessoas jovens – não é coincidência que criamos um grupo para profissionais mais jovens. São pessoas que têm uma linguagem diferente, com interpretação, provocações e energia próprias, querendo sempre entender o propósito.

Ainda estamos em uma fase embrionária sobre o que vamos fazer com esse grupo, mas queremos muito trabalhar com mentoria reversa, fazendo troca de experiências entre as gerações. Isso é importante não só para os nossos negócios, mas também para o desenvolvimento humano. É algo saudável e esperamos que, conforme a gente contrate mais pessoas jovens, essa seja uma questão que esteja adaptada na nossa cultura. 

Bruno Capelas é jornalista. Foi repórter e editor de tecnologia do Estadão e líder de comunicação da firma de venture capital Canary. Também escreveu o livro 'Raios e Trovões – A História do Fenômeno Castelo Rá-Tim-Bum'.