Busque por temas

Em alta

Por que a startup Salvy trata sua cultura como um produto 

Por que a startup Salvy trata sua cultura como um produto 

Fundada há dois anos, empresa que busca repensar telecomunicações decidiu revisar e atualizar aspectos da cultura como se ela fosse um software; documento com ‘data de validade’ ajuda a guiar processos e lidar com ansiedade da evolução das empresas, diz CEO Artur Negrão

Como a Accenture transformou sua estrutura para contratar pessoas trans 

Consultoria adaptou processos de atração, onboarding e programa de benefícios para atender e acolher a população

Michele Loureiro
26 de junho de 2024
Leia emminutos
Voltar ao topo

Há inúmeros dados que mostram que ter diversidade acima da média traz ótimos resultados para empresas. Uma pesquisa recente da consultoria BCG, com base em dados de 27 mil colaboradores em 16 países, aponta que a pluralidade pode fazer as organizações reportarem receitas até 19 pontos percentuais superiores às das companhias que não se importam com o tema. 

Além disso, quando os colaboradores acreditam que a programação de diversidade e inclusão é uma prioridade da liderança corporativa, o número de funcionários felizes aumenta 31 pontos percentuais; já a o índice de motivação aumenta quase 25 pontos percentuais. “Diversidade nos negócios não significa atingir cotas, mas sim reunir as melhores equipes com diferentes experiências e perspectivas. A diversidade está nos detalhes”, diz Rodolfo Eschenbach, presidente da Accenture para Brasil e América Latina.

É a partir da lógica de encontrar os pormenores que atrai cada grupo minorizado que a consultoria se tornou uma das maiores contratantes de pessoas trans do país. No ano passado, a Accenture realizou um programa específico para encontrar esses talentos. Agora, a população da empresa conta com 45 pessoas trans e políticas específicas para atender, capacitar e reter esses profissionais.

“Não se trata de recrutar e esconder essas pessoas. Quem chega na Accenture já é recebido pela Luna, nossa secretária, que tem a cara da empresa. Inclusão é pertencimento”, diz o presidente, que embarcou na causa e participa ativamente da revisão de políticas de diversidade. Na entrevista a seguir, Eschenbach conta como a companhia se transforma diariamente para ser mais inclusiva, e como essa preocupação tem trazido frutos para os resultados de negócios. 

Como a Accenture deu os primeiros passos para a contratação de pessoas trans?

Ao longo dos últimos anos, a Accenture ampliou a discussão sobre diversidade. As conversas sobre pertencimento já são difundidas há anos, pois não é de um dia para o outro que se transforma uma cultura. Para se ter uma ideia, a empresa tem 19 mil colaboradores e 20% do quadro total se intitula aliado da inclusão LGBTI+. Entre a liderança, esse número chega a 96%. É uma questão estrutural. Temos um destaque no tema da população trans, um olhar especial, por sugestão do grupo de afinidade. Por isso, criamos um processo de seleção e começamos um trabalho com a consultoria O Trampo É Seu, que opera como um hub para facilitar a conexão entre os talentos da periferia e as empresas. Realizamos um workshop para pessoas trans sobre como entrar no mundo corporativo e fazer uma jornada com capacitações básicas, que pontuou valores da empresa. Agora, já são 45 pessoas trans na Accenture, em todas as áreas, desde a recepção até as áreas produtivas. Não se trata de recrutar e esconder essas pessoas. Quem chega na Accenture já é recebido pela Luna, nossa secretária, que tem a cara empresa. Inclusão é pertencimento.

Quais foram as transformações que a empresa realizou para contratar pessoas trans?

Quando começamos a recrutar, notamos que os desafios começavam já na hora de se vestir. Muitos diziam que não tinham roupa apropriada para o mercado corporativo, pois nunca tinham vivido essa realidade. Então, fizemos uma ação de bazar com doações e contratamos personal stylist para ajudar nessa imersão. Foi uma ação que ajudou a elevar a autoestima e o empoderamento da população trans. Também precisamos mudar nossa política de benefícios para esse grupo e incluímos a cobertura da cirurgia de ressignificação de gênero. Além disso, desde o ano passado, arcamos com 80% do custo da hormonização e auxiliamos em toda parte de documentação para retificação de nome.

Quais são os principais desafios de atrair esses talentos?

O desafio é estar disposto a oferecer oportunidades. São pessoas sem nenhuma experiência, sem nenhuma vivência no meio corporativo. Porém, elas têm sede de aprender. Por isso, apostamos nelas e mudamos nosso processo de onboarding para esse público depois de ouvir relatos sobre a realidade da população T. Agora, pessoas trans que entram na empresa já tem adiantamento de vale refeição no primeiro dia. Isso porque algumas sequer possuíam dinheiro para se alimentar. Nós tivemos que olhar cuidadosamente para esse público, entender os detalhes. Por exemplo, uma delas relatou que não poderia levar o notebook da empresa porque morava em um abrigo e tinha medo de ser roubada. Temos orgulho de saber que ela já conseguiu alugar um apartamento e começou a ascensão social por conta da oportunidade na Accenture. Ficamos felizes com a evolução e contamos com um acompanhamento personalizado da consultoria, que também ajuda com mentorias. 

O desafio é estar disposto a oferecer oportunidades.

Além de recrutar essa população e mudar as políticas para reter esses talentos, o que vocês esperam da população trans dentro da Accenture?

Nosso trabalho é levá-los para frente. Pensamos sempre na mobilidade interna, na evolução de carreira. Mas para isso é preciso cumprir requisitos e nós damos subsídios, como aulas de inglês. Ajustamos a régua para atrair, menos para a questão de valores alinhados com a empresa. Agora, para conseguir mobilidade interna, eles precisam cumprir os requisitos como qualquer funcionário e nós damos o suporte para isso. 

Como os funcionários da Accenture receberam essa população?

A diversidade é uma bandeira comum na empresa, faz parte dos nossos valores. Não há relato de fobia ou problema com essas pessoas. Esse acolhimento parte da liderança e se cascateia por todos os níveis, tenho orgulho disso. Tanto é que em setembro vamos mudar de escritório, para o Parque da Cidade, na zona sul de São Paulo, e estamos incluindo essa população em todo planejamento. Teremos três andares e o plano era fazer todos os banheiros únicos, sem distinção de gênero, mas a legislação não permite. Como é um prédio de escritórios, ele possui aqueles banheiros no corredor e usaremos essa estrutura como masculinos e femininos. Mas, dentro do escritório, os banheiros serão únicos, sem distinção. Essas mudanças, que parecem simples, são fundamentais para enraizar a cultura do pertencimento e reforçar o posicionamento da empresa.

Pensando em inovação, pilar essencial para todo negócio, como a diversidade colabora para isso? 

A beleza da diversidade são as opiniões e pontos de vista diferentes. Uma boa liderança que capta e escuta tem o poder de fomentar a inovação. Acredito que a virada de chave é desenvolver a escuta ativa. Isso toma um tempo inicial, mas é o resultado de ideias mais abrangentes. Nós já somos referência em diversidade e muitos talentos querem trabalhar na empresa justamente por conta disso. Foram muitos anos para chegar até aqui e acreditamos genuinamente que isso impacta nosso negócio. Um exemplo prático foi a recente aquisição da Soko, agência brasileira independente conhecida por combinar criatividade e dados para desenvolver histórias. Quando estávamos no processo de aquisição, um dos pilares para ver se a sinergia fazia sentido foi a diversidade. Eles disseram que já tinham recebido outras ofertas e recusado por conta dessa questão. Óbvio que a estratégia de negócios contou, mas esse DNA diverso foi decisivo para bater o martelo. Essa junção vai nos ajudar muito com a questão da inovação.

Uma boa liderança que capta e escuta tem o poder de fomentar a inovação. Acredito que a virada de chave é desenvolver a escuta ativa.

Michele Loureiro é repórter há 18 anos. Com passagens por redações como Exame, Época Negócios e Folha de S.Paulo, é apaixonada por contar histórias que mudam as vidas das pessoas.