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Preocupação com ESG precisa estar na pauta do RH

Pressionadas por mercado, sociedade e colaboradores, organizações devem prestar atenção em adequar sua cultura; área de Pessoas tem dever de espalhar mensagem, mas também precisa se comprometer com questões ambientais, sociais e de governança

Bruno Capelas
24 de janeiro de 2024
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Já faz quase um quarto de século desde que Kofi Annan, secretário geral da Organização das Nações Unidas entre 1997 e 2006, conclamou o mercado a escolher se queria ser movido “por cálculos de lucro no curto prazo ou por uma face mais humana”. Ao propor o Pacto Global da ONU, em um discurso no Fórum Econômico Mundial de Davos, em 1999, o ganês não estava só fazendo política, mas também lançaria as bases para uma sigla importantíssima: o ESG – um conjunto de ideias que busca integrar práticas responsáveis do ponto de vista social, ambiental e de governança dentro do dia a dia das corporações. Em muitos casos, adequar-se à essa nova realidade, obedecendo à pressão de investidores ou consumidores, é um desafio cultural profundo – e se estamos falando de cultura, o RH precisa sentar na mesa dessa discussão para colaborar, e não apenas fazer um discurso bonito. 

Se não fosse suficiente, o RH ainda tem outro motivo bastante direto para se preocupar cada vez mais com o ESG: a pressão por parte dos próprios colaboradores. Em uma pesquisa recente da consultoria Great Place to Work com 1,4 mil trabalhadores brasileiros, 53% das pessoas citaram o envolvimento da empresa com causas ESG como um fator importante na busca por um novo trabalho. Globalmente, estatísticas semelhantes aparecem em recortes geracionais: em levantamento da Deloitte sobre as gerações Y (millennials) e Z mostra que a maioria das pessoas pesquisa as políticas ambientais de uma marca antes de aceitar uma vaga de emprego. Além disso, uma em cada seis pessoas dessas duas gerações disse já ter trocado de emprego ou de setor devido a preocupações com o clima – e outros 25% pretendem fazer a mesma movimentação no futuro, o que mostra a necessidade de uma transformação cultural urgente para quem estiver a fim de sobreviver. 

Adequar-se à essa nova realidade é um desafio cultural profundo – e se estamos falando de cultura, o RH precisa sentar na mesa dessa discussão para colaborar, e não apenas fazer um discurso bonito.

Não à toa, por entenderem as semelhanças entre o ESG e outras questões culturais, cada vez mais empresas têm unido a área de pessoas e de sustentabilidade debaixo de uma mesma diretoria. Aqui no Brasil, é possível citar exemplos vindos de setores variados, incluindo a seguradora Porto, a varejista de roupas Renner e a indústria alimentícia M. Dias Branco, responsável por marcas como Adria e Piraquê. “Se formos parar pra pensar, as grandes iniciativas que temos em sustentabilidade partem das pessoas, e vice-versa. É difícil fazer sustentabilidade sem capacitar as pessoas ou trabalhar seu engajamento, por isso entendemos que haveria intersecções interessantes”, conta Carolina Zwarg, diretora de pessoas e sustentabilidade da Porto – cargo que existe desde 2018 na organização. 

Carolina Zwarg, Diretora de Pessoas e Sustentabilidade da Porto

Na visão dela, uma das sinergias que acontece entre as duas áreas está na conscientização dos times: “ESG, assim como a cultura, tem que estar na veia das pessoas”, afirma. Assim, quando o time de produtos procura a área de sustentabilidade em apoio de um projeto, o que acontece não é só uma consulta – mas sim um trabalho integrado com o RH para conscientizar os colaboradores, mostrando como os produtos da empresa podem impactar o meio ambiente e os clientes. A partir dessa integração, a cultura começa a ser introjetada nas pessoas até o ponto em que se torna natural – como aconteceu em um programa implementado no seguro residencial da empresa. “Se o consumidor tem um seguro desses, cai um raio e a corrente queima a geladeira ou a TV, nós não só indenizamos o consumidor, mas também mandamos uma equipe para o descarte correto dos equipamentos. É um exemplo simples, mas que mostra a consciência do time”, afirma Zwarg. 

Compromissos, metas e incentivos 

Outra função clássica do RH que tem sinergia com o universo do ESG é atuar como vigia dos times na busca por resultados, que cada vez mais não olham apenas para a performance, mas também para compromissos assumidos dentro das “três letras”. É o que acontece na M. Dias Branco, por exemplo, que assumiu compromissos como aumentar sua liderança feminina ou reduzir o consumo de água nas fábricas da empresa, ou na Renner, que pretende ter 50% dos cargos de liderança ocupados por pessoas negras até 2030 – hoje, esse número está em 32%, sob a vigia da área de Gente e Sustentabilidade da companhia. 

“A área de Gente participa mensalmente das reuniões de resultados dos times. Na área comercial, se é preciso elevar a execução no ponto de venda, o RH pode buscar treinamento para área de promotores. Da mesma forma, se a área não consegue bater as metas na quantidade de mulheres, o RH toca o sino para que os líderes conectem supervisoras e coordenadoras aos nossos programas de liderança”, explica Tiago Timbó, gerente de Comunicação, Cultura e Sustentabilidade na M. Dias Branco. “Assim, o RH consegue ser tanto estratégico quanto fazer a conexão com a agenda de sustentabilidade, valorizando as áreas clientes.” 

Tiago Timbó, Gerente de Comunicação, Cultura e Sustentabilidade na M. Dias Branco

Além dos compromissos públicos, que impactam a imagem da empresa perante os investidores, o mercado e os consumidores, outra forma do ESG se espalhar pela cultura das organizações é pelo bolso. Hoje, está cada vez mais comum a criação de metas anuais de remuneração variável que estejam atreladas ao bom desempenho dos times e das companhias, como um todo, em práticas sociais, ambientais e de boa governança. É uma dupla vantagem: além de ligar as mudanças culturais a um incentivo que os colaboradores aderem facilmente, a conexão do ESG com os bônus de fim de ano dão poder para que o RH possa fiscalizar esse movimento. 

Na Porto, por exemplo, uma das metas de remuneração variável da empresa é ter pelo menos 30% do time capacitado em temas ligados a ESG. “Muitas empresas fazem uma semana de sustentabilidade ou diversidade, que tem pouca eficácia: você vai na semana, aprende, aplica uma só e a iniciativa morre. Por isso, criamos Jornadas que duram o ano todo: em 2022, foi a Jornada de Diversidade e Inclusão; este ano, a da Sustentabilidade”, conta Carolina Zwarg. Segundo a executiva, o processo inclui palestras, discussões entre a liderança, podcast, treinamentos online, vídeos e uma série de conteúdos disponibilizados para os colaboradores. “Quando vira meta de diretoria, a gente faz acontecer. Ano passado, conseguimos atingir 72% das áreas com a jornada de diversidade”, comemora. 

Vetor invertido

Engana-se, porém, quem pensa que o RH só deve ter o papel de fiscalizar se o resto da empresa está comprometido com as metas ESG. Afinal de contas, se assim fosse, o RH seria um bicho alheio à organização e não uma de suas partes mais importantes. Assim, se a alta liderança ou o conselho decide que uma questão específica é prioridade, a área de Pessoas também precisa abraçar a causa. No caso da M. Dias Branco, isso significa estar atento não só à população da empresa, mas também às comunidades no entorno das fábricas. Um exemplo é o programa Alimentando Sonhos, que capacita moradores das regiões em que a indústria atua para fazer bolos, pães, pizzas, salgados e outros tipos de produtos que possam ajudá-los a ter algum tipo de renda, produzindo por conta própria ou trabalhando em padarias e restaurantes. 

As estratégias ESG costumam ser definidas globalmente, mas a implementação tático-operacional das metas pelas equipes locais não pode ignorar o contexto de cada região.

“Já tivemos até turmas específicas para mães solo, para o público LGBTQIA+ ou para egressos do sistema prisional”, conta Tiago Timbó. Criado em 2022, o programa já atendeu 7 mil pessoas e a meta é alcançar 150 mil até 2030. Mas, além de ensinar uma ocupação, o programa também as pessoas com vagas de emprego disponíveis na região – até mesmo na própria M. Dias Branco. “Se divulgamos as vagas e há competências, a prioridade é dada para quem mora no entorno das fábricas, buscando desenvolver a região e manter essa boa relação.” 

Regina Durante, Diretora de Gente e Sustentabilidade da Renner

Algo semelhante também acontece na Renner, que, por meio do Instituto Lojas Renner, ajuda a capacitar mulheres forçadas a deixarem seus países de origem no programa Empoderando Refugiadas. “Em parceria com a ACNUR e o Pacto Global, nossa iniciativa já qualificou e encaminhou, desde 2016, mais de 300 mulheres refugiadas para o mercado de trabalho – das quais 100 foram contratadas pela própria Lojas Renner”, conta Regina Durante, diretora de Gente e Sustentabilidade da varejista. Mais do que atrair e selecionar essas pessoas, no entanto, as organizações precisam ter consciência para integrar os novos contratados dentro de suas estruturas. É o que Carolina Zwarg, da Porto, define como “responsabilidade social”.

É preciso cuidar das pessoas que a gente entrevista para uma vaga, por exemplo. Isso passa pelo tipo de entrevista que fazemos, que candidatos entram nos processos seletivos, que retorno eles recebem e até mesmo se a nossa equipe de seleção é diversa – porque se a equipe for homogênea, cresce a chance dos candidatos serem muito parecidos”, diz a diretora de Gente e Sustentabilidade da seguradora. “Como diversidade é um dos pontos da preocupação social, nosso time de DEI (diversidade, equidade e inclusão) tem reuniões mensais com o time de seleção, para que as duas iniciativas caminhem juntas. Afinal de contas, o RH não é mais ou menos sensível ao tema do que outras áreas.” 

Adaptações e relatórios

Em organizações multinacionais, o desafio de ter responsabilidade social pode ser ainda maior. Nessas empresas, muitas vezes as estratégias ESG costumam ser definidas globalmente, mas a implementação tático-operacional das metas pelas equipes locais não pode ignorar o contexto de cada região. É o que acontece, por exemplo, na companhia de tecnologia Salesforce, com 110 escritórios espalhados pelo mundo. “Estabelecemos valores fundamentais e padrões éticos aplicáveis de forma universal, mas concedemos às equipes de cada país a autoridade para personalizar iniciativas em harmonia com as necessidades e culturas globais”, explica Priscila Castanho, diretora regional sênior de Sucesso do Colaborador da companhia. 

Priscila Castanho, Diretora Regional Sênior de Sucesso do Colaborador da Salesforce

Além disso, a organização também tem o peso do exemplo: um dos produtos da Salesforce, hoje em dia, é justamente o de ajudar outras empresas a elaborar e automatizar relatórios ESG, coletando, analisando e reportando dados. “Ao fornecer essas soluções, pretendemos democratizar os relatórios ESG e contribuir para uma cultura mais ampla de prestação de contas e responsabilidade”, diz a executiva. 

RH estratégico é um baita jargão, mas é justamente isso que ele quer dizer: é preciso conhecer o negócio e, bebendo dessa fonte, fazer melhores proposições.

Prestar contas e gerar relatórios, aliás, são mais uma questão que costuma unir as áreas do RH e de ESG dentro das grandes corporações. Para muitos, são tarefas burocráticas – seja na visão do RH “cumpridor de tarefas” ou de quem trabalha com sustentabilidade apenas fazendo “belas apresentações com números bonitos”. 

Mas há quem acredite que limitar essas tarefas a um mero ato de cumprir tabela seja um desperdício – e uma oportunidade perdida de usar o incentivo de ter uma boa governança em prol da eficiência da empresa. “Muitas vezes, obter dados para cumprir os processos é a parte mais difícil e maçante do trabalho. Por outro lado, quanto mais dados o RH tiver, ele pode se apropriar desses dados, não só usando para fazer report de governança, mas também para planejar o trabalho daqui pra frente”, diz Carolina Zwarg, da Porto. “RH estratégico é um baita jargão, mas é justamente isso que ele quer dizer: é preciso conhecer o negócio e, bebendo dessa fonte, fazer melhores proposições.” 

Bruno Capelas é jornalista. Foi repórter e editor de tecnologia do Estadão e líder de comunicação da firma de venture capital Canary. Também escreveu o livro 'Raios e Trovões – A História do Fenômeno Castelo Rá-Tim-Bum'.