Especialista em felicidade corporativa discute a importância das empresas pensarem no bem-estar dos colaboradores, valorizando relações de trabalho e equilíbrio entre vida pessoal e profissional

O sonho dele era ser arquiteto, mas ele acabou sendo escolhido pelo RH. Não que Fábio Lacerda veja uma distância grande entre as duas áreas: para o CHRO da MadeiraMadeira, tanto arquitetura quanto o universo de Pessoas envolvem conciliar um lado lógico com outro ligado ao comportamento humano. É nesse pêndulo também que o executivo desenvolveu sua carreira, entre a sensibilidade de lidar com pessoas e a visão de que a tecnologia seria um aspecto importante do futuro da área.
“A partir de 2015, as empresas começaram a valorizar e reconhecer a experiência da colaboradora, por influência da tecnologia”, reconhece Lacerda, que passou por empresas como Nazca e DHL antes de chegar à Cogna Educação, onde passou 13 anos. No conglomerado de educação, ele teve a chance não só de unir a área de inovação ao RH, mas também aproveitar a sinergia para produtizar a área de pessoas.
Na entrevista a seguir, Lacerda conta não só como foi essa experiência e como o menino que sonhava em ser arquiteto foi parar no RH, mas também explica a visão que está buscando implementar na MadeiraMadeira, cujo posto de CHRO ele assumiu em junho deste ano. “Tenho expectativa que a gente seja um celeiro de liderança, com líderes reconhecidos no mercado e capazes de formar sucessores”, afirma. A seguir, confira os principais trechos da entrevista.
Quando entrevisto pessoas para o meu time, sempre faço essa pergunta: o RH te escolheu ou você é que escolheu o RH? No meu caso, foi a primeira opção. Meu desejo inicial era ser arquiteto. Mas eu vim de uma família humilde: meu pai era mecânico de ar condicionado e minha mãe cuidava de crianças carentes no Capão Redondo. Tive que começar a trabalhar aos 14 anos para ajudá-los em casa. Com 15 anos, comecei como menor aprendiz numa companhia aérea e recebi o convite para trabalhar no RH. Não era minha primeira escolha, mas tive a oportunidade de ser efetivado e aceitei. Cheguei a cursar até o terceiro ano da faculdade de Arquitetura, mas em algum momento precisei escolher entre a vida e a carreira – eu já era analista sênior, mas precisaria abrir mão disso para fazer estágio. Cheguei num ponto em que abri mão da Arquitetura, fui para Administração e segui carreira dentro da área.
Peguei uma transição grande. No final dos anos 1990, o RH era focado em atividades transacionais e em formação, treinamento e desenvolvimento. Vi uma grande mudança estrutural no RH a partir de 2015, quando as empresas começaram a valorizar e reconhecer a experiência da pessoa colaboradora. Por influência da tecnologia, vi que o RH mudou de fato para buscar entender a jornada dos colaboradores e não tratar todos dentro do mesmo balaio. Como RH, começamos a entender que era preciso ouvir as pessoas e trazer soluções baseadas em dores, colocando o colaborador no centro com a mesma obsessão que muitos têm pelos clientes.
Em 2017, eu estava na Cogna Educação. Bem nessa época, a gente passou por um processo de transformação digital, em um reflexo do surgimento das edtechs. Precisamos entender o que elas estavam fazendo, como olhavam o mercado e como poderíamos nos proteger. Ali, entendemos que era preciso mudar. Começamos a falar em ser uma empresa mais ágil, mais horizontal, com maior tolerância ao erro e escuta das pessoas, em uma mudança muito mais promovida por cultura do que por tecnologia. Por outro lado, começamos a entender que seria possível acelerar essa mudança ao trazer a área de inovação para o RH. Por um período, fui responsável também pela inovação, fazendo conexão com startups, patrocinando o Cubo do Itaú, e eu gostava muito da cultura e do jeito que as startups atuavam. Na época, tínhamos 25 mil colaboradores e era interessante aprender, ao mesmo tempo em que também ensinávamos as empresas a estruturar seus processos. Foi algo também que me direcionou para, no futuro, fazer uma transição de carreira para uma startup em estágio avançado de crescimento.
Quando começamos a entender o impacto da tecnologia em grande escala, vendo que poderia haver soluções na palma da mão, eu comecei a fazer o paralelo: por que não se pode entregar uma experiência incrível para o colaborador? O que é colocar o colaborador no centro? A gente ouviu, ouviu e ouviu muito e começamos a fazer pesquisa. O primeiro passo foi entender a satisfação do colaborador, usando a metodologia de eNPS. Fizemos também pesquisa de engajamento e entendemos as dores. A partir daí, nós começamos a fornecer insumos para a liderança sobre a demanda que havia dos colaboradores. Foi quando produtizamos o RH. Naquela época, todas as iniciativas de RH começaram a ser vistas como produtos. Pensa na avaliação de desempenho: o produto passou a ter um ciclo de vida, passando pela descoberta, entendendo a expectativa de colaboradores e líderes. Foi algo que mudou a forma que o RH atuava. Antes, a gente desenvolvia a demanda, agora a gente passa a compreender a demanda. Isso ajuda a criar também um ambiente inclusivo, mais propenso para a inovação, trazendo liberdade e autonomia para as pessoas participarem do processo – e prestando contas depois. Além, é claro, de buscar melhorias incrementais: se não ficou perfeito da primeira, vamos lançar uma versão 2.0, da mesma forma que as empresas trazem pros aplicativos.
Eu estava na Cogna há 13 anos. Trabalhando com propósito inspirador, é fácil ter uma carreira longa. E eu me conectava muito com o propósito de educação, eu contratava professores, fazia conexão dos alunos com empresas para melhorar emprego e renda. Mas houve um momento em que eu já tinha visto muita coisa: 22 M&As, passamos de 7 mil para 38 mil pessoas, de 26 faculdades para 140 faculdades. Tivemos uma mudança na alta liderança e os temas mudaram – e quando o planejamento de 2024 seria uma agenda de eficiência, custo e controle, eu não queria entrar nela. Eu já tinha feito isso muitas vezes e não queria repetir. Em julho de 2023, sinalizei que queria sair, tirar um sabático para descansar e estudar, acompanhando meu filho que está fazendo faculdade na Filadélfia. Planejamos uma mudança efetiva para os EUA e anunciei minha saída na virada do ano. Mas quando fiz isso, várias empresas me buscaram para entender meu momento. Uma delas foi a MadeiraMadeira, e na primeira conversa com o [CEO] Daniel Scandian, já ficamos duas horas e meia conversando. Houve uma conexão grande, até porque gente é uma condição base da nossa estratégia. Queremos ter as melhores pessoas, com uma cultura que engaja e motiva, e nessa conversa eu percebi que queria vir trabalhar nesse lugar. Tomei a decisão inclusive de mudar de cidade: como o time e os fundadores estão majoritariamente em Curitiba, resolvi sair de SP e mudei com cachorro, esposa e filho para o Paraná.
Queremos ter as melhores pessoas, com uma cultura que engaja e motiva
Estamos discutindo muito. Hoje, estamos implementando processos, como uma pesquisa de engajamento mais ampla para entender quais temas precisamos trabalhar e priorizar. Queremos entregar um ambiente de trabalho no qual as pessoas queiram ficar, com oportunidades de crescimento. Queremos ser uma das melhores empresas para se trabalhar no Brasil – mas discutimos muito se o referencial disso será um ranking, algo interno ou a própria empresa no passado. Tenho expectativa que a gente seja um celeiro de liderança, com líderes reconhecidos no mercado e capazes de formar sucessores.
Há aspectos sofisticados e muito legais da cultura de startup que precisamos manter, ao mesmo tempo em que precisamos trabalhar na construção de alguns aspectos mais básicos. A dica que eu dou é que se você quer ir nesse caminho, não dá para ser uma pessoa que tem medo de botar a mão na massa. Se a empresa é menor e as estruturas são mais enxutas, é preciso ter uma visão ampla. De um lado, é preciso ter uma visão clara do futuro e do longo prazo, transmitindo-as para as pessoas. Em algum momento, porém, quem lidera precisará entrar no aspecto tático, na planilha, na execução. Para quem se acostumou a ter sistemas estruturados, a adaptação pode levar um pouco mais de tempo.
Eu abri mão da arquitetura, mas a arquitetura nunca abriu mão de mim. Para mim, existe uma correlação forte entre as duas áreas. Na arquitetura, é preciso ter um mix entre lógica e arte. E com pessoas também: existe um lado da área que é mais lógico e outro que é muito ligado ao comportamento humano, com as ferramentas certas para liderar e a criatividade para trazer soluções inovadores. No fundo, a arquitetura nunca saiu de mim.
Vou trazer um livro que a gente usa muito na MadeiraMadeira. Quando eu cheguei, o Daniel me entregou o livro e disse que era leitura básica do time. É o Obsessão Pelo Cliente, de Colin Bryar e Bill Carr. Os dois são ex-executivos da Amazon e falam sobre a ideia de colocar o colaborador no centro, desenhando soluções baseadas nas necessidades das pessoas. É assim que se cria um ambiente harmonioso com foco no cliente interno. Para quem quiser vir trabalhar aqui ou conhecer a cultura, esse é o nosso livro de cabeceira.
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