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Inovação, tecnologia e transição de carreira: um papo com Fábio Lacerda, CHRO da Madeira Madeira

Depois de 13 anos na Cogna Educação, executivo assumiu recentemente a liderança da área de Pessoas da startup; em entrevista, Lacerda repassa transformações do RH nos últimos anos, detalha visão na nova empresa e conta como a área de gente pode se produtizar

Bruno Capelas
24 de outubro de 2024
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O sonho dele era ser arquiteto, mas ele acabou sendo escolhido pelo RH. Não que Fábio Lacerda veja uma distância grande entre as duas áreas: para o CHRO da MadeiraMadeira, tanto arquitetura quanto o universo de Pessoas envolvem conciliar um lado lógico com outro ligado ao comportamento humano. É nesse pêndulo também que o executivo desenvolveu sua carreira, entre a sensibilidade de lidar com pessoas e a visão de que a tecnologia seria um aspecto importante do futuro da área. 

“A partir de 2015, as empresas começaram a valorizar e reconhecer a experiência da colaboradora, por influência da tecnologia”, reconhece Lacerda, que passou por empresas como Nazca e DHL antes de chegar à Cogna Educação, onde passou 13 anos. No conglomerado de educação, ele teve a chance não só de unir a área de inovação ao RH, mas também aproveitar a sinergia para produtizar a área de pessoas. 

Na entrevista a seguir, Lacerda conta não só como foi essa experiência e como o menino que sonhava em ser arquiteto foi parar no RH, mas também explica a visão que está buscando implementar na MadeiraMadeira, cujo posto de CHRO ele assumiu em junho deste ano. “Tenho expectativa que a gente seja um celeiro de liderança, com líderes reconhecidos no mercado e capazes de formar sucessores”, afirma. A seguir, confira os principais trechos da entrevista. 

Fábio, para começar: como você foi parar no RH?

Quando entrevisto pessoas para o meu time, sempre faço essa pergunta: o RH te escolheu ou você é que escolheu o RH? No meu caso, foi a primeira opção. Meu desejo inicial era ser arquiteto. Mas eu vim de uma família humilde: meu pai era mecânico de ar condicionado e minha mãe cuidava de crianças carentes no Capão Redondo. Tive que começar a trabalhar aos 14 anos para ajudá-los em casa. Com 15 anos, comecei como menor aprendiz numa companhia aérea e recebi o convite para trabalhar no RH. Não era minha primeira escolha, mas tive a oportunidade de ser efetivado e aceitei. Cheguei a cursar até o terceiro ano da faculdade de Arquitetura, mas em algum momento precisei escolher entre a vida e a carreira – eu já era analista sênior, mas precisaria abrir mão disso para fazer estágio. Cheguei num ponto em que abri mão da Arquitetura, fui para Administração e segui carreira dentro da área. 

Você tem duas décadas de história no RH. Como a área se transformou desde então? 

Peguei uma transição grande. No final dos anos 1990, o RH era focado em atividades transacionais e em formação, treinamento e desenvolvimento. Vi uma grande mudança estrutural no RH a partir de 2015, quando as empresas começaram a valorizar e reconhecer a experiência da pessoa colaboradora. Por influência da tecnologia, vi que o RH mudou de fato para buscar entender a jornada dos colaboradores e não tratar todos dentro do mesmo balaio. Como RH, começamos a entender que era preciso ouvir as pessoas e trazer soluções baseadas em dores, colocando o colaborador no centro com a mesma obsessão que muitos têm pelos clientes. 

Como a tecnologia é um agente transformador desse processo? 

Em 2017, eu estava na Cogna Educação. Bem nessa época, a gente passou por um processo de transformação digital, em um reflexo do surgimento das edtechs. Precisamos entender o que elas estavam fazendo, como olhavam o mercado e como poderíamos nos proteger. Ali, entendemos que era preciso mudar. Começamos a falar em ser uma empresa mais ágil, mais horizontal, com maior tolerância ao erro e escuta das pessoas, em uma mudança muito mais promovida por cultura do que por tecnologia. Por outro lado, começamos a entender que seria possível acelerar essa mudança ao trazer a área de inovação para o RH. Por um período, fui responsável também pela inovação, fazendo conexão com startups, patrocinando o Cubo do Itaú, e eu gostava muito da cultura e do jeito que as startups atuavam. Na época, tínhamos 25 mil colaboradores e era interessante aprender, ao mesmo tempo em que também ensinávamos as empresas a estruturar seus processos. Foi algo também que me direcionou para, no futuro, fazer uma transição de carreira para uma startup em estágio avançado de crescimento. 

Antes de falar da transição de carreira, seria importante dar um duplo-clique nesse tema: você comentou como um RH trabalhou em inovação. Mas como a inovação muda o RH? 

Quando começamos a entender o impacto da tecnologia em grande escala, vendo que poderia haver soluções na palma da mão, eu comecei a fazer o paralelo: por que não se pode entregar uma experiência incrível para o colaborador? O que é colocar o colaborador no centro? A gente ouviu, ouviu e ouviu muito e começamos a fazer pesquisa. O primeiro passo foi entender a satisfação do colaborador, usando a metodologia de eNPS. Fizemos também pesquisa de engajamento e entendemos as dores. A partir daí, nós começamos a fornecer insumos para a liderança sobre a demanda que havia dos colaboradores. Foi quando produtizamos o RH. Naquela época, todas as iniciativas de RH começaram a ser vistas como produtos. Pensa na avaliação de desempenho: o produto passou a ter um ciclo de vida, passando pela descoberta, entendendo a expectativa de colaboradores e líderes. Foi algo que mudou a forma que o RH atuava. Antes, a gente desenvolvia a demanda, agora a gente passa a compreender a demanda. Isso ajuda a criar também um ambiente inclusivo, mais propenso para a inovação, trazendo liberdade e autonomia para as pessoas participarem do processo – e prestando contas depois. Além, é claro, de buscar melhorias incrementais: se não ficou perfeito da primeira, vamos lançar uma versão 2.0, da mesma forma que as empresas trazem pros aplicativos. 

Nessa trajetória, como foi a transição da Cogna para a MadeiraMadeira? 

Eu estava na Cogna há 13 anos. Trabalhando com propósito inspirador, é fácil ter uma carreira longa. E eu me conectava muito com o propósito de educação, eu contratava professores, fazia conexão dos alunos com empresas para melhorar emprego e renda. Mas houve um momento em que eu já tinha visto muita coisa: 22 M&As, passamos de 7 mil para 38 mil pessoas, de 26 faculdades para 140 faculdades. Tivemos uma mudança na alta liderança e os temas mudaram – e quando o planejamento de 2024 seria uma agenda de eficiência, custo e controle, eu não queria entrar nela. Eu já tinha feito isso muitas vezes e não queria repetir. Em julho de 2023, sinalizei que queria sair, tirar um sabático para descansar e estudar, acompanhando meu filho que está fazendo faculdade na Filadélfia. Planejamos uma mudança efetiva para os EUA e anunciei minha saída na virada do ano. Mas quando fiz isso, várias empresas me buscaram para entender meu momento. Uma delas foi a MadeiraMadeira, e na primeira conversa com o [CEO] Daniel Scandian, já ficamos duas horas e meia conversando. Houve uma conexão grande, até porque gente é uma condição base da nossa estratégia. Queremos ter as melhores pessoas, com uma cultura que engaja e motiva, e nessa conversa eu percebi que queria vir trabalhar nesse lugar. Tomei a decisão inclusive de mudar de cidade: como o time e os fundadores estão majoritariamente em Curitiba, resolvi sair de SP e mudei com cachorro, esposa e filho para o Paraná. 

Queremos ter as melhores pessoas, com uma cultura que engaja e motiva

A mudança ainda é recente, então vamos falar mais do futuro que do passado. Qual é a missão para os próximos dois anos? 

Estamos discutindo muito. Hoje, estamos implementando processos, como uma pesquisa de engajamento mais ampla para entender quais temas precisamos trabalhar e priorizar. Queremos entregar um ambiente de trabalho no qual as pessoas queiram ficar, com oportunidades de crescimento. Queremos ser uma das melhores empresas para se trabalhar no Brasil – mas discutimos muito se o referencial disso será um ranking, algo interno ou a própria empresa no passado. Tenho expectativa que a gente seja um celeiro de liderança, com líderes reconhecidos no mercado e capazes de formar sucessores. 

O que está sendo desafiador nessa mudança de corporação para startup? Que conselho você dá para quem está cogitando o mesmo caminho? 

Há aspectos sofisticados e muito legais da cultura de startup que precisamos manter, ao mesmo tempo em que precisamos trabalhar na construção de alguns aspectos mais básicos. A dica que eu dou é que se você quer ir nesse caminho, não dá para ser uma pessoa que tem medo de botar a mão na massa. Se a empresa é menor e as estruturas são mais enxutas, é preciso ter uma visão ampla. De um lado, é preciso ter uma visão clara do futuro e do longo prazo, transmitindo-as para as pessoas. Em algum momento, porém, quem lidera precisará entrar no aspecto tático, na planilha, na execução. Para quem se acostumou a ter sistemas estruturados, a adaptação pode levar um pouco mais de tempo. 

E o arquiteto dentro de você se sente como em uma empresa que trabalha com materiais de construção, móveis e decoração? 

Eu abri mão da arquitetura, mas a arquitetura nunca abriu mão de mim. Para mim, existe uma correlação forte entre as duas áreas. Na arquitetura, é preciso ter um mix entre lógica e arte. E com pessoas também: existe um lado da área que é mais lógico e outro que é muito ligado ao comportamento humano, com as ferramentas certas para liderar e a criatividade para trazer soluções inovadores. No fundo, a arquitetura nunca saiu de mim. 

Para fechar, gostaria de saber se você tem alguma sugestão de leitura para quem quiser se inspirar depois de ler essa entrevista

Vou trazer um livro que a gente usa muito na MadeiraMadeira. Quando eu cheguei, o Daniel me entregou o livro e disse que era leitura básica do time. É o Obsessão Pelo Cliente, de Colin Bryar e Bill Carr. Os dois são ex-executivos da Amazon e falam sobre a ideia de colocar o colaborador no centro, desenhando soluções baseadas nas necessidades das pessoas. É assim que se cria um ambiente harmonioso com foco no cliente interno. Para quem quiser vir trabalhar aqui ou conhecer a cultura, esse é o nosso livro de cabeceira.

Bruno Capelas é jornalista. Foi repórter e editor de tecnologia do Estadão e líder de comunicação da firma de venture capital Canary. Também escreveu o livro 'Raios e Trovões – A História do Fenômeno Castelo Rá-Tim-Bum'.