Em um cenário de metas, urgência e incerteza, a coragem passa a ser o eixo central da liderança que realmente quer transformar sua organização
“Diversidade não é um indicador, é o motor da inovação.” A frase de Maria Antonietta Russo, vice-presidente de Pessoas, Cultura e Organização da TIM, sintetiza uma filosofia que transformou o RH da companhia em referência mundial em cultura e gestão de pessoas. Italiana de nascimento e brasileira de alma, Maria Antonietta é doutora em Psicologia Organizacional e acumula mais de 25 anos de experiência em empresas globais de telecomunicações, tendo construído sua trajetória entre Itália e Brasil dentro do Grupo TIM. É uma executiva que fala de negócios com a mesma naturalidade com que fala de gente – e que enxerga a diversidade como um valor econômico e humano.
Desde 2019, sob sua liderança, a TIM estruturou uma das políticas de diversidade e inclusão mais sólidas do país. O programa, que abrange cinco pilares – gênero, raça e etnia, gerações, pessoas LGBTI+ e pessoas com deficiência –, hoje permeia toda a cadeia de valor da companhia. De processos seletivos a políticas de liderança, a diversidade passou a ser tratada como um ativo estratégico, diretamente vinculado à inovação, à reputação da marca e à sustentabilidade do negócio.
A TIM é atualmente a única empresa brasileira e única telecom do mundo a integrar o FTSE Russell D&I Index 2025, ranking global que avalia mais de 15 mil companhias com base em critérios de diversidade, inclusão e desenvolvimento de carreira. Também está há 17 anos consecutivos no Índice de Sustentabilidade Empresarial da B3 (ISE B3), é destaque no IDIVERSA B3, e figura entre os melhores ambientes para mulheres e pessoas LGBTQIA+ trabalharem, segundo o GPTW Diversidade Mulher e o Selo Equidade BR.
Mas, para Maria Antonietta, o mérito vai além das conquistas institucionais:
De nada adianta declarar valores se eles não se refletem nas decisões, nos comportamentos e nas políticas do dia a dia.
Na entrevista a seguir, ela fala sobre cultura, bem-estar, liderança, o papel da inteligência artificial na gestão de pessoas e o futuro do trabalho em um mundo cada vez mais plural e digital.
Destaco três lições. A primeira é a curiosidade intelectual: inovar exige testar, aprender rápido, assumir riscos calculados e transformar erros em oportunidades. A segunda é a disciplina na execução: estratégia sem processo, prioridade e responsabilidade compartilhada é retórica. A terceira é a humildade para reconhecer limites e pedir ajuda: liderança não é ter todas as respostas, é criar espaços onde as melhores ideias prevalecem, independentemente da origem. Isso molda meu estilo, com ambientes de confiança, diversidade como força e execução consistente. Essa postura fortalece a colaboração, promove confiança e assegura que as melhores ideias prevaleçam, independentemente da origem. É um exercício de humildade que potencializa resultados.
Se declaramos respeito e inclusão, precisamos ter tolerância zero com comportamentos que contradizem esses valores, independentemente do nível hierárquico.
A coerência começa pela crença e termina na prática. Em uma organização grande, com realidades distintas e várias camadas hierárquicas, valores só existem quando orientam decisões cotidianas – especialmente as difíceis. Se declaramos respeito e inclusão, precisamos ter tolerância zero com comportamentos que contradizem esses valores, independentemente do nível hierárquico. Pecisamos mapear necessidades concretas da nossa população: quem somos em termos de gênero, raça, gerações, comunidade LGBTI+ e pessoas com deficiência; quais fases de vida atravessamos; que suporte é relevante. A partir daí, transformamos conceitos em políticas, processos e rituais: recrutamento, desenvolvimento, sucessão, comunicação, benefícios, indicadores. Cultura não se decreta, se constrói – e se revisa continuamente à luz dos fatos.
O ponto de partida é aceitar o trade-off entre esses pontos e traduzi-lo em desenho organizacional. Empresas vivem em ciclos de reinvenção; o erro é subordinar pessoas à agenda de curto prazo sem arquitetura de proteção. Na TIM, tratamos tecnologia e gente com a mesma intencionalidade. Isso significa medir clima, pertencimento e segurança psicológica; investir em bem-estar com desenho baseado em evidências; e conectar performance à aprendizagem. Entre as nossas iniciativas, temos um programa chamado Desbloqueie Novos Hábitos, que oferece consultas com nutricionistas e enfermeiros, com foco em sono e hidratação, além de ferramentas de respiração e meditação. Em paralelo, definimos rotas de upskilling/reskilling em dados e IA e uma academia de liderança para apoiar a transição para modelos menos hierárquicos. Quando as pessoas percebem o equilíbrio – autonomia, evolução, suporte – a produtividade deixa de ser contra a vida e passa a ser expressão de confiança.
Começamos com um trabalho interno intenso no próprio RH, atualizando competências, processos e mentalidade. Depois, tangibilizamos a mudança com projetos concretos, em vez de “claims” vazios. Um exemplo foi a migração tecnológica para a nuvem, que usamos como laboratório de mapeamento de competências, assessment, trilhas e certificações. Ao mostrar impacto real, com entregas, qualidade e velocidade, a organização compreende por que a jornada é necessária. Quando abrimos as Academias Digitais, tivemos adesão orgânica (“boca a boca”), o que é um indicador de que propósito, trilhas e certificações estavam alinhados à prática do negócio. O aprendizado principal é que cultura se prova em entregas consistentes.
Times diversos apresentaram 32% mais inovação incremental e 19% mais eficiência operacional. Diversidade é performance.
Diversidade não é ornamento reputacional, é alavanca de inovação e tomada de decisão. Desde 2019, operamos com uma Política de D&I, metas e governança trimestral em Comitê com o CEO e diretoria. Grupos de afinidade – Mulheres+, +Cores, Orgulho+, Somos+ e Gerações+ – têm patrocinadores (sponsors) de nível diretivo, além de um mandato para propor e implementar ações. Os indicadores estão incorporados a processos de gente (recrutamento, desenvolvimento e sucessão) e à avaliação da liderança. De lá para cá, temos mostrado resultados.
Hoje, 52% do quadro total de colaboradores são mulheres. Além disso, 37% das posições de liderança são femininas; bem como 50% da diretoria estatutária e 30% do conselho. Já as pessoas negras são 42% do quadro e 22,1% da liderança. Nossa meta é atingir 25% até 2027. Em PCD, ultrapassamos a cota legal e avançamos com o programa TIM+Diversa, incluindo turmas específicas para pessoas dentro do espectro autista. Em análise de mais de 200 projetos internos, times diversos apresentaram 32% mais inovação incremental e 19% mais eficiência operacional. Diversidade é performance.
A empresa transforma seus pilares de diversidade e inclusão em políticas concretas que permeiam o dia a dia. Quando o assunto é gênero, hoje temos uma prática de ter 50% de mulheres em qualquer lista de seleção para posições de liderança, além de licença-maternidade de 180 dias e trilhas de aprendizado sobre temas como climatério e menopausa. Em raça e etnia, o programa Pérolas Negras já formou quase mil pessoas e nos ajuda a criar um pipeline de liderança negra, além de garantir apoio jurídico em casos de racismo.
No eixo LGBTI+, a TIM reconhece casamentos homoafetivos, assegura benefícios iguais, licença e assistência jurídica em situações de LGBTfobia, com vagas afirmativas e eventos de representatividade. Em PCD, são mais de 470 profissionais com opção de trabalho remoto, equipamentos adequados e trilhas de capacitação contra o capacitismo. Já na diversidade geracional, possuímos uma certificação Age Friendly, desenvolvemos um glossário de longevidade e contamos com banco de talentos e vagas afirmativas para 50+.
Há correlação direta entre sono, regulação emocional e tomada de decisão. Insônia e privação de sono degradam a qualidade da liderança e a segurança psicológica de times. Por isso, estruturamos um ecossistema com consultas em nutrição, orientação de sono e atividade física, e ferramentas digitais de respiração/meditação. No eixo de saúde feminina, combinamos gestantes, retorno à maternidade e climatério/menopausa. Também olhamos para prevenção: campanhas e suporte à vacinação – inclusive HPV – e educação em saúde financeira. Os indicadores de engajamento e eNPS evoluíram com consistência à medida que a agenda de bem-estar se integrou a metas de negócio e rotinas de liderança.
Buscamos um perfil de liderança data-driven, ágil, criativa e “desengessada”. Isso pede curiosidade intelectual, humildade para pedir ajuda e disciplina na execução. Liderar hoje exige inverter a pirâmide decisória quando necessário, abrir espaço para ideias de estagiários e especialistas, e cultivar feedbacks bidirecionais. Muitos líderes foram formados numa lógica analógica; nosso trabalho é apoiar essa transição sem demonizar trajetórias. Liderar hoje é integrar recursos humanos e de IA, redesenhar rituais de colaboração e responsabilizar-se por segurança psicológica e diversidade. É uma competência aprendida, não carisma.
Ao planejar uma expansão de tecnologia, por exemplo, mapeamos o impacto real nas equipes: volumetria de entregas, novos skills, riscos de fadiga. Disso, nascem trilhas de formação, marcos de descanso, ajustes de jornada, critérios de priorização e métricas de saúde organizacional. Outro exemplo está no desenho de metas e bônus: diversidade e desenvolvimento entram como componentes de avaliação da liderança. A tradução acontece quando a meta deixa de ser abstrata e vira processo, calendário, orçamento, accountability e transparência.
É uma fase clinicamente relevante e socialmente invisível, com efeitos sobre sono, humor, autopercepção e energia – o que afeta temas como liderança, tomada de decisão e evolução de carreira. Ao oferecer educação, acolhimento e trilhas de cuidado, reduzimos o estigma em torno do tema, melhoramos o diálogo com lideranças e preservamos produtividade sem sacrificar dignidade. O recado é claro: a empresa respeita as fases de vida dos colaboradores e não apenas os postos de trabalho.
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Um selo é uma fotografia, uma boa gestão é um filme. O que nos interessa é o ciclo: diagnóstico, metas, execução, mensuração, correção. Prêmios são consequência, não um objetivo. Enquanto mantivermos governança ativa, grupos com mandato, metas em avaliação de liderança e escuta contínua, os selos serão um reflexo do trabalho.
O futuro nasce da integração entre aprendizado contínuo para tecnologia, propósito e agilidade na tomada de decisão.
O futuro nasce da integração entre aprendizado contínuo para tecnologia, propósito e agilidade na tomada de decisão. O RH será cada vez mais estratégico, guiando transformações culturais e humanas. Na TIM, preparamos cada colaborador para ser protagonista: fortalecemos as Digital Academies – com destaque para a AI Academy –e, principalmente, a Leadership Academy, um ecossistema de upskilling e reskilling que já impactou mais de 7,5 mil pessoas em trilhas de dados, IA, cibersegurança, métodos ágeis e liderança digital. Outra tendência crucial é a carreira baseada em habilidades e propósito. Adotamos o modelo skill-based, que reconhece trajetórias não lineares e valoriza potencial, não apenas cargo. Isso amplia oportunidades internas e reforça a autonomia. Em resumo: investimos em desenvolvimento humano, cultura digital e ambientes que estimulem confiança, pertencimento e evolução. A tecnologia muda o cenário; as pessoas constroem o futuro.
A análise de dados orienta, não desumaniza. Triangulamos indicadores de engajamento, aprendizagem, mobilidade interna, diversidade e saúde organizacional com escuta qualitativa. Usamos esses insumos para calibrar carga de trabalho, redesenhar processos, priorizar trilhas e equilibrar expectativas. O dado indica a trilha; o diálogo dá o passo.
Coerência sob pressão. É fácil proclamar valores quando tudo vai bem. O teste é manter decisões alinhadas a esses valores quando há urgência, ruído, custos e contrapartidas. Cultura íntegra é aquela que protege pessoas e resultados ao mesmo tempo – porque entende que um sustenta o outro.
Transformar tecnologia em liberdade organizacional – por meio de confiança, aprendizagem contínua e respeito inegociável à dignidade humana.
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