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‘Precisamos deixar as pessoas confortáveis com o fato de que tudo vai mudar’, diz Guillaume da Mota, da L’Oréal

Com base em squads, executivo da multinacional de beleza projeta mundo em que transformação é constante e aposta na diversidade como trunfo

Bruno Capelas
13 de fevereiro de 2025
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Há quase duas décadas, o francês Guillaume da Mota acumula experiências no grupo L’Oréal – e, ao longo dos últimos anos, ele pode testemunhar como o RH funciona em diferentes países, da sua França natal ao México, passando pelo Brasil, onde lidera o time de RH do grupo há pouco mais de um ano. Para ele, o País é um “caldeirão de inovação baseada em diversidade e inclusão”, dono de um jeito de endereçar questões de diversidade que está entre os mais interessantes do mundo. 

Para o executivo, o RH e as organizações estão em constante transformação, e sua maior preocupação é saber se a empresa é ágil o suficiente para lidar com um futuro desconhecido. “Meu trabalho é reinventar e simplificar a organização”, diz ele, que afirma que o melhor jeito para cuidar da saúde mental é se acostumar com a mudança. “Precisamos deixar as pessoas confortáveis com o fato de que tudo vai mudar”, provoca. 

Estou cada dia mais convencido da importância da conexão humana – e especialmente no Brasil, um dos países mais sociais em que já trabalhei. Há uma necessidade das pessoas estarem juntas – e o RH precisa buscar ferramentas para auxiliar essa conexão.

Qual foi a principal mudança do RH nos últimos cinco anos? 

Antes de responder, preciso me apresentar. Comecei na L’Oréal na França há 18 anos, em posições de recrutamento. Há alguns anos, fui para o México focado em implementar novas ferramentas de RH. Aqui no Brasil, estou há um ano num desafio enorme, com a visão de construir a empresa mais inclusiva, inspiradora e inovadora o possível. Estar no Brasil, para a L’Oréal, é pensar em diversidade e inclusão. O Brasil é um modelo de miscigenação de culturas e tentamos acelerar isso o máximo possível. Hoje, temos 80 brasileiros que mostraram tanto potencial que nós os levamos para o mundo. O Brasil é um caldeirão de inovação baseada em diversidade e inclusão. Dito isso, acho que há mais aspectos que não mudaram no RH do que mudanças. É claro que a pandemia foi um impulso enorme para o RH, mudando radicalmente a forma das pessoas trabalharem entre si. Depois dela, acho que ficou claro que o que importa é a capacidade de cada um de entregar o trabalho, independentemente da presença física. Por outro lado, estou cada dia mais convencido da importância da conexão humana – e especialmente no Brasil, um dos países mais sociais em que já trabalhei. Há uma necessidade das pessoas estarem juntas – e o RH precisa buscar ferramentas para auxiliar essa conexão. Outra grande mudança foi a aceleração do e-commerce e a disrupção da mídia, que mudaram as habilidades que precisamos dentro da empresa. No mapa global da L’Oréal, a América Latina ainda está abaixo da média no que diz respeito aos negócios feitos pela internet. O que nos mostra que há um enorme potencial por aqui. Precisamos de mais gente para fazer e-commerce, precisamos de mais gente nos times de marketing e digital, precisamos de gente para fazer advocacy e influência. Hoje, as pessoas compram por conta do conteúdo online e não só por ver uma campanha de alguns segundos nos comerciais da TV. E, claro, há a inteligência artificial. Nós criamos uma ferramenta interna, o L’Oréal GPT, mas ainda nos questionamos sobre seus usos. Se conseguirmos um nível de personalização alto, numa empresa como a nossa, poderemos ver a IA mudando o jeito como operamos. Mas, não acho que a IA vai substituir ou ser melhor do que qualquer trabalhador de verdade. 

O que importa é como desenvolvemos os gerentes e até mesmo o RH para entender melhor que nem todo mundo tem o mesmo ponto de partida ou as mesmas chances.

A visão sobre diversidade em um país como o Brasil é diferente do que acontece no México ou na França. Como executivo global, que diferenças você vê entre os países? E que aprendizados você teve ao longo dos anos? 

O jeito que o Brasil endereça as questões de diversidade é um dos mais interessantes do mundo. Não digo só isso porque estou aqui, mas também porque no Brasil é possível medir o impacto das políticas. As pessoas podem se autodeclarar negras ou gays. Em muitos países, os colaboradores são proibidos de se autodeclarar, o que faz com que as empresas não tenham dados. Como você faz a diversidade avançar se não sabe o que precisa fazer? E isso faz com que a visão de diversidade em cada lugar seja diferente. Para nós, no Brasil, estamos tentando integrar mais as pessoas na empresa. Hoje, 40% dos nossos colaboradores são pretos ou pardos – e 24% dos nossos líderes. Precisamos mostrar para as pessoas que é possível fazer parte da empresa e que elas podem se desenvolver aqui conosco. O que importa aqui é a inclusão, o que importa é como desenvolvemos os gerentes e até mesmo o RH para entender melhor que nem todo mundo tem o mesmo ponto de partida ou as mesmas chances. Num país como o Brasil, a diversidade está em todo lugar porque ela é uma realidade estatística – 56% da população brasileira é negra. E se essa é uma realidade dos nossos consumidores, deve ser também uma realidade interna da empresa. No México, é diferente: diversidade é um tópico menos presente, porque a sociedade não tem a mesma história que a do Brasil. É um tema menos urgente, então é uma prioridade menor por lá. Já a França tem um histórico de tentar fazer com que todos se misturem. O que importa é que você seja francês, mesmo que você tenha origem negra ou árabe, seja gay ou bissexual. Lá, a mensagem das empresas é que elas estão abertas para todos. Os esforços de diversidade no Brasil são mais intencionais. Aqui, podemos partir para a ação, com números, medindo o efeito dos programas e das ações afirmativas. 

Como você vê o uso da tecnologia dentro do RH? Qual é o estado da arte dessa ligação? 

O RH tem muitas tarefas para cuidar. Toda hora alguém precisa de um comprovante disso ou daquilo. É um mau uso do tempo das pessoas inteligentes do time – e precisamos implementar ferramentas para melhorar isso. Hoje, já implementamos uma espécie de chatbot inteligente que pode resolver essas tarefas, e que pode melhorar com a inteligência artificial. Mas esse é um primeiro passo: a tecnologia precisa dar conta de sistemas em que colaboradores e gestores poderão encontrar tudo o que precisam num só lugar. Ter acesso às informações é ter poder – e a chave do futuro é dar esse poder para as pessoas tomarem decisões sem precisar pedir ajuda. Por outro lado, há anos falamos sobre o uso de ferramentas preditivas. Não acho que chegamos a boas conclusões. Não sei se podemos usar uma ferramenta para prever que alguém vai sair do emprego apenas com dados. Os dados podem mostrar essa direção, mas talvez uma pessoa nunca saia da empresa por fatores imprevisíveis – como a presença de uma colega que traz bolo pro escritório toda terça-feira e isso faz a semana daquele colaborador melhor. Tentamos usar ferramentas preditivas, mas começamos a perceber que todas que tentamos usar tinham ruídos que afetavam as nossas previsões. 

Quais são as suas principais preocupações para o futuro como profissional de RH? 

Minha maior preocupação é se a estrutura que temos é ágil o suficiente para lidar com os desafios que ainda não conheço. Para isso, precisamos trazer mais simplicidade e reduzir o peso da organização. Quando se é uma empresa com 100 mil colaboradores em 95 países, é natural que você desenhe processos. Mas processos podem ser armadilhas burocráticas. Nossa meta é que a empresa seja composta por uma vastidão de pequenas equipes, com autonomia para decisões porque o mercado está sempre acelerando. Meu trabalho é reinventar e simplificar a organização. É meu dever tornar a empresa mais leve. Além disso, me preocupo em ter as melhores pessoas e se elas estão treinadas para serem decisivas. Queremos pessoas que não estão esperando que uma decisão venha da alta liderança, mas que sejam capazes de agir. É o que me mantém acordado à noite: se tenho pessoas boas para decidir e se estamos construindo uma organização ágil o suficiente para o futuro que vem aí. 

Leia também: Bem-estar e uso de tecnologia são maiores preocupações dos RHs no futuro

Como manter uma organização saudável e sana em um ambiente de tanta transformação, considerando que as mudanças costumam deixar as pessoas desconfortáveis? 

O melhor jeito de manter a organização saudável é nunca mantê-la saudável. A transformação assusta as pessoas porque ela traz algo novo. Mas se você segue sempre se transformando, uma hora as pessoas aprendem que mudar é mais fácil do que parece – e que tudo vai passar. Meu trabalho é mostrar para as pessoas que tudo que elas sabem diz respeito ao passado e ao presente. Precisamos deixar as pessoas muito confortáveis com o fato de que tudo vai mudar.

Bruno Capelas é jornalista. Foi repórter e editor de tecnologia do Estadão e líder de comunicação da firma de venture capital Canary. Também escreveu o livro 'Raios e Trovões – A História do Fenômeno Castelo Rá-Tim-Bum'.