Com papel central na concepção dos valores do C6 e na contratação dos primeiros colaboradores, líder responsável por time de 3,8 mil pessoas fala sobre trajetória, filosofia organizacional e uso de IA no RH

Meta. McDonald’s. Deloitte. Google. Disney. A lista de empresas que anunciaram globalmente que reduziriam esforços em diversidade ao longo dos últimos meses está repleta de exemplos – e não são poucos os motivos para explicar porque tal decisão foi tomada. Um fator importante, porém, é certo: há uma onda em curso, puxada por movimentos recentes nos Estados Unidos, mas que deve atingir o Brasil em menor intensidade do que acontece lá fora.
Pelo menos é o que acreditam especialistas em diversidade ouvidos por Cajuína ao longo das últimas semanas. “O arcabouço legal brasileiro é diferente dos EUA. Além de tratados e convenções globais, há legislações reforçando políticas inclusivas, como a Lei de Igualdade Salarial, a Lei de Cotas e a Lei Brasileira de Inclusão”, destaca Margareth Goldenberg, gestora executiva do Movimento Mulher 360. Outro fator, na visão da especialista, é o fato de que a demografia brasileira é muito diferente da americana – só para citar um exemplo, a população brasileira preta ou parda é de 55,5%, contra 12% de pretos nos EUA.
Além disso, na visão de Goldenberg, a forma como temas como machismo e racismo se instituem no Brasil é diferente do que acontece nos EUA. “A maneira como o racismo se implementou no Brasil é diversa: aqui, o racismo é velado. A sociedade em geral é muito empoderada e quando se torna consciente dos direitos, é difícil fechar os olhos a isso”, ressalta ela, que cita o número de ações trabalhistas relacionadas a racismo, homofobia e assédio aumentando 30% entre 2023 e 2024 no País.
Puxada por movimentos no Judiciário e também pela eleição do republicano Donald Trump à Casa Branca, a onda anti-diversidade tem um fundo político importante, sendo costumeiramente ligada a partidos e lideranças políticas de extrema-direita. No entanto, entender suas causas é algo mais complexo do que parece.
Os primeiros passos da atual onda anti-diversidade começam em decisões judiciais nos Estados Unidos, que questionaram a presença de vagas afirmativas tanto em empresas quanto em instituições de ensino. “A legislação americana tem questões muito fortes e rígidas sobre discriminação, e, a partir do final de 2022, começaram a surgir casos de pessoas brancas ganhando processos contra empresas com vagas afirmativas para pessoas pretas”, destaca Carolina Ignarra, CEO da consultoria Talento Incluir.
A partir dessas decisões, diversas empresas americanas passaram a congelar seus programas de vagas afirmativas, temendo consequências na Justiça. Goldenberg, da Mulher 360, exemplifica bem o espírito da época. “Há uns 3 anos, o LinkedIn trouxe uma determinação global de que não poderia publicar mais vagas afirmativas”, comenta. “No Brasil, nós nos movimentamos e mostramos que a nossa realidade, a legislação e a posição de tribunais e ministérios ia na direção oposta. Hoje, o único país que não segue essa política global é o Brasil”, ressalta a executiva. Para ela, cada empresa precisa entender que será necessário se adequar a uma realidade nacional. “Não haverá mais políticas globais”, diz.
A eleição de Donald Trump à presidência, em uma campanha marcada pelo combate às minorias, alimentou ainda mais a onda – muitos líderes e CEOs, seja por interesses políticos ou por acreditarem no discurso, decidiram ir no mesmo caminho. “Muitas empresas, temendo retaliações, acabaram trazendo à tona um discurso que substitui a sigla DEI (diversidade, equidade e inclusão) por MEI (mérito, excelência e inteligência), tentando gerar um entendimento subliminar que as minorias não possuem esses atributos”, ressalta Margareth Goldenberg.
Para Goldenberg, há uma onda de adesões ainda pelo que ela chama de “fadiga da diversidade”. “Os grupos minorizados são vítimas que merecem reparação histórica – o que faz parecer, para muita gente, que do outro lado os homens brancos são ‘os vilões’, deixando-os acuados. Muitas organizações criaram uma perspectiva de bandido ou herói que faz muita gente não entender a diversidade como um jogo de ganha-ganha, mas sim de soma-zero”, afirma.
Além disso, a eleição de Trump marcou um auge na politização da questão da diversidade, ligando-a a partidos e movimentos políticos de esquerda. “Muita gente me pergunta se eu sou de esquerda. É um absurdo isso: precisamos despolitizar e despolarizar as pautas de DEI e pertencimento. Não é sobre vilões e bandidos, mas sobre direitos humanos e liberdades universais”, ressalta a liderança do Movimento Mulher 360.
Na visão de Renata Rivetti, CEO da consultoria Reconnect, especializada em felicidade corporativa, haverá altos e baixos ao longo dos próximos meses. “Vamos ter um pouco de retrocesso, mas também vamos ter uma luta pelo que acreditamos. É claro que a polaridade traz falta de esperança, mas há quem siga construindo um novo mundo que já está acontecendo”, ressalta a executiva. Para ela, um recuo em pautas de diversidade não condiz com temas de tendências da atualidade, como a autonomia no trabalho ou a inovação.
“Quando pensamos em inovação, ter times pouco diversos pode impedir resultados positivos. Além disso, o retrocesso em DEI pode levar a falta de pertencimento, abusos e assédios, afetando também diretamente os resultados das organizações”, diz Rivetti. “Não vai ser voltando para o microgerenciamento e para a falta de inclusão das pessoas que vamos ter melhores resultados.”
É algo que Margareth Goldenberg ecoa:
Precisamos mostrar que DEI trabalha em prol dos resultados de negócios – e não o contrário.
Para ela, desafios comuns a qualquer RH, como alto turnover, rotatividade, desafios na atração de talentos e baixa segurança emocional são pautas que as equipes de DEI podem contribuir muito. “É preciso trabalhar na percepção de resultados conectados com os negócios, reestruturando ações da área com foco em segurança psicológica, um tema central das empresas hoje.”
Ter um olhar com foco nos resultados, além disso, poderá ser um efeito positivo dessa onda de retrocesso, separando quem está fazendo ações concretas de quem está em diversidade “apenas porque é a onda do momento”, praticando o que Goldenberg chama de diversity-washing.
É algo em que acredita Carolina Ignarra, da Talento Incluir. “Acredito que a gente vive uma crise hoje, mas a crise vem para mostrar evoluções que a gente não tinha percebido. Em meio à crise, o mercado fica mais qualificado para atender as empresas e os resultados serem percebidos, não só de impacto, mas também financeiros”, diz. Para ela, a onda pode até chegar ao Brasil, mas o viés será positivo depois da turbulência.
Quando vemos o mercado dizendo que diversidade não tem valor, é preciso falar de métricas e resultados. Quem medir seus resultados terá diferença no futuro.
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