Especialista em felicidade corporativa discute a importância das empresas pensarem no bem-estar dos colaboradores, valorizando relações de trabalho e equilíbrio entre vida pessoal e profissional

Por Filipe Ducas*
No artigo anterior, falamos sobre Gestão de Consequências e o papel estratégico do comitê de calibração na tomada de decisões sobre talentos. Discutimos como esse fórum deve ir além da simples validação de avaliações de desempenho e se tornar um espaço para planejar ações estruturadas, garantindo que reconhecimentos, promoções e aumentos salariais sejam conduzidos com intencionalidade e alinhamento à cultura organizacional.
Agora, quero aprofundar em algumas dessas consequências — especificamente, reconhecimento, promoções e aumentos salariais. Mas, desta vez, sob um olhar mais reflexivo.
Afinal, o que realmente motiva as pessoas a superarem seus próprios limites? Como o reconhecimento influencia comportamentos e molda culturas, desde os primeiros agrupamentos humanos até as organizações modernas? Estamos, de fato, valorizando as pessoas da forma certa ou apenas mantendo aparências?
Para entender essas questões, é preciso olhar para o passado e compreender como a necessidade de reconhecimento evoluiu ao longo da história. E, acima de tudo, refletir sobre o que isso significa para o presente e o futuro das organizações.
Essa pergunta atravessa séculos. O desejo de ser visto, reconhecido e valorizado move sociedades desde os tempos mais primitivos. Nas cavernas, tribos exaltavam caçadores e curandeiros. No Coliseu, multidões ovacionavam gladiadores. Nos impérios, generais desfilavam em triunfo. O reconhecimento sempre moldou comportamentos, impulsionou conquistas e definiu hierarquias.
Nas comunidades tribais, reconhecimento significava sobrevivência. O caçador bem-sucedido, o xamã sábio e o guerreiro destemido não eram apenas admirados — eram essenciais. O prestígio vinha da contribuição para o grupo, reforçando um ciclo de aprimoramento constante.
Na Grécia Clássica, a busca pela excelência individual ganhou força. Nos Jogos Olímpicos, a coroa de louros era o ápice do reconhecimento. O mérito se tornava pessoal. O desejo de deixar um legado passava a ser um combustível poderoso.
Os romanos levaram o reconhecimento à máxima organização. Patentes militares e honrarias públicas consolidaram um sistema meritocrático estruturado. O avanço na hierarquia era visível e concreto, um modelo que ressoaria séculos depois no mundo corporativo.
A ascensão profissional dependia da habilidade e do tempo dedicado ao ofício. Mestres não apenas ensinavam, mas controlavam o acesso ao reconhecimento. Ser promovido a mestre significava autonomia, respeito e melhores ganhos.
Com o trabalho fabril, a valorização passou a ser medida em produtividade. Os primeiros programas de incentivos surgiram. O esforço individual se tornou um número, um indicador de performance, uma meta a ser superada.
O reconhecimento se sofisticou. Salário e cargo deixaram de ser os únicos símbolos de sucesso. Hoje, as empresas estruturam planos de carreira, distribuem bônus e promovem programas de bem-estar. Mas a pergunta permanece: estamos realmente reconhecendo as pessoas da forma certa?
À medida que a tecnologia avança, novas formas de reconhecimento emergem. Ferramentas digitais, inteligência artificial e análise de dados prometem personalizar o feedback e torná-lo mais ágil. Mas será que essa evolução está realmente aprimorando a forma como enxergamos o mérito e a valorização?
Refletir sobre o que foi dito é um convite para pensarmos em como esse desejo de reconhecimento, que atravessa séculos e culturas, se reflete no nosso dia a dia — seja em ambientes profissionais ou pessoais. A história nos mostra que buscar mérito e promoção faz parte da natureza humana, mas também levanta questões importantes:
Estamos reconhecendo as pessoas porque genuinamente enxergamos valor no que elas fazem ou apenas para atender expectativas formais e manter protocolos organizacionais?
Quando o reconhecimento é autêntico, ele fortalece vínculos e gera um círculo virtuoso de motivação. Se for conduzido de forma mecânica ou protocolar, tende a enfraquecer a confiança e fomentar uma competitividade improdutiva.
Desde as antigas tribos até as organizações modernas, o desafio continua sendo equilibrar o sucesso individual com o bem-estar do grupo.
Afinal, não basta “premiar o melhor” sem criar um ambiente em que todos se sintam igualmente capazes de crescer e contribuir.
Um simples elogio, uma promoção justa ou a celebração de um projeto bem-sucedido têm o potencial de mudar a vida de alguém — e, por consequência, impactar toda a organização e sociedade.
Quando bem utilizado, o reconhecimento se torna catalisador de desenvolvimento, inovação e inclusão.
Em um mundo em constante transformação, é preciso refletir sobre como usar dados, ferramentas digitais e inteligência artificial a favor de um reconhecimento que seja, ao mesmo tempo, transparente e humano.
O grande desafio é assegurar que essas ferramentas tecnológicas potencializem o componente emocional e relacional, amplificando a capacidade dos líderes de reconhecer e valorizar as pessoas de forma justa e fundamentada.
Refletir, portanto, nos leva a questionar quais valores estamos promovendo e que tipo de cultura estamos construindo. O que desejamos deixar como legado nas pessoas com quem trabalhamos e convivemos? Como podemos nos inspirar na história para aperfeiçoar práticas de mérito e promoção, com equilíbrio entre justiça, resultados e valorização das pessoas?
O reconhecimento, em sua essência, nunca mudou. Apenas mudaram as formas e os critérios. Mas será que evoluímos ou apenas sofisticamos as mesmas estruturas de antes? Estamos realmente valorizando o que importa ou seguimos repetindo padrões ultrapassados com novas embalagens?
Olhamos para trás e enxergamos a evolução. Mas talvez a verdadeira pergunta seja: as empresas ainda vivem no passado ou o passado ainda define o presente?
No fim, tudo se resume a uma escolha. O que estamos realmente valorizando? E, mais importante, por que isso importa?
*Filipe Ducas. Formado em Administração, com Especialização em Recursos Humanos e MBA Internacional em Liderança e Gestão, Ducas é uma das referências brasileiras no setor de Remuneração e Benefícios, com uma carreira global e robusta. Co-fundador e Executivo Sênior de Remuneração da Comp, possui mais de 20 anos de experiência em posições de liderança em Remuneração, Operações de RH e People Analytics em gigantes como IBM, Atento, Cognizant, XP Inc. e Grupo OLX. Sua expertise é desenhar políticas e liderar projetos transformadores, com foco em utilizar tecnologia para potencializar o capital humano. Pela Comp, já foi responsável por ajudar mais de 100 empresas a construírem estratégias de remuneração que conectam a estratégia de talentos com o negócio.
As mais lidas
Sorry, no posts matched your criteria.