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O líder consciente: pensando o bem-estar de dentro para fora 

Neste artigo, André de Almeida e Laura Schneider propõem uma reflexão sobre o olhar para o bem-estar integral dos colaboradores e sua estabilidade financeira.

Convidado Fundação Dom Cabral
17 de junho de 2025
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Por André de Almeida* e Laura Schneider**

O ser humano é intrigante. Sempre que há um problema importante em nós mesmos, que precisa ser encarado e resolvido, nos apressamos em o colocar em uma caixinha e guardar bem escondido. Ao invés de fazê-lo, nos voltamos para querer consertar o resto do mundo. Quanto mais central o problema para nós, mais escondida fica a caixa. E mais disparamos nossos dedos astutos em apontar problemas externos. Ao que parece, fazemos isso em busca de, como diz a canção, alívio imediato. Alívio de nossas culpas, da cobrança impiedosa que fazemos sobre nós mesmos em um nível inconsciente e instintivo.   

Em nossas empresas fazemos exatamente o mesmo. E assim começamos a seguir movimentos de aparente modismo, como é o caso do ESG, sem refletir sobre o que isso significa internamente. É verdade que fazer alguma coisa para ajudar a resolver os disparates do mundo no qual habitamos é melhor do que não fazermos nada. Mas há, aí, uma questão inescapável de consistência do movimento.

É como um castelo feito na areia. Ele pode ser o mais sofisticado de todos – quem não se lembra de passar horas construindo infindáveis torres em um castelo feito de areia úmida da praia? Construímos o castelo embelezado, um muro para protegê-lo, e trincheiras para proteger o muro. O problema é que a maré muda, a vida acontece, e nosso sofisticado castelo, se mantido do mesmo jeito, eventualmente derrete com as águas do mar. 

Para o caso das empresas e o movimento ESG, se tornam especialmente relevantes as contribuições que essas têm buscado para a sociedade. Afinal de contas, não é possível para uma empresa ser próspera de maneira duradoura se a sociedade na qual ela está inserida não prospere também. Ainda que formas cada vez mais sofisticadas sejam pensadas para isso, surge como base deste movimento algumas questões: será que as empresas têm agido de maneira consistente para isso? O que ocorre do lado de dentro dos muros do nosso próprio castelo? 

Em um país como o Brasil, a principal mazela que enfrentamos é a escandalosa pobreza na qual vive grande parte da população. Existem outros problemas graves, sem dúvidas, mas que de uma forma ou outra têm como uma de suas origens este problema de nossa sociedade. Por essa e outras razões, algumas empresas se voltam de maneira louvável para contribuir com o endereçamento da pobreza. Mas, a partir desse movimento, se impõe a pergunta que jamais se cala: e quanto à pobreza dos colaboradores da própria empresa? E quanto ao bem-estar daqueles que, mesmo não subjugados pela pobreza extrema, vivem uma vida limitada do ponto de vista da dignidade humana? 

Por mais difícil que sejam estas perguntas, dado o desconforto que elas geram, elas determinam a diferença entre um castelo de areia que desmorona na primeira maré e um que de fato se sustenta ao longo do tempo. Muitas vezes, iniciativas de impacto social externo – de grande relevância, sem dúvidas – precedem o dever de casa das organizações, ou seja, buscam a transformação da realidade externa sem se atentar para a situação de sua própria empresa.

Considerando a multidimensionalidade da pobreza, isto é, seu impacto em diferentes aspectos da vida humana, um dos principais desafios que se coloca é a mensuração dessas vulnerabilidades. Ao tratar de um escopo tão grande – que incorpora elementos como educação, saúde física e mental, condições de habitação (como acesso à água, energia, saneamento básico), por exemplo – ter consciência de quão vulnerável estão as pessoas nesta situação é um desafio. 

Importa dizer que situações de vulnerabilidade são mais frequentes do que imaginamos, inclusive em nossas empresas. Enxergar a pobreza como um fenômeno puramente monetário é um equívoco que nos distancia da solução verdadeira deste grande problema. 

Internacionalmente, governos e organizações como as Nações Unidas têm utilizado o Índice de Pobreza Multidimensional (IPM) – desenvolvido pela Oxford University – para auxiliar nessa questão. Ao considerar todas as dimensões que possibilitam que uma pessoa tenha uma vida minimamente digna, essa metodologia permite mensurar e, consequentemente, endereçar de maneira mais eficiente o problema. Não apenas aqueles enquadrados em situação de vulnerabilidade são beneficiados por este movimento, já que medidas relacionadas ao IPM auxiliam também na melhoria das condições e do bem-estar geral.

Mais recentemente, o setor privado vem sendo incluído neste processo, afinal, a superação da pobreza multidimensional – e de qualquer outro desafio desse porte, aliás, não será alcançada com ações pontuais. As empresas são parte fundamental para o desenvolvimento pleno da sociedade e dos seres humanos, e essa realidade vem se tornando cada vez mais evidente no contexto em que vivemos. Para além de discorrer sobre como endereçar tal questão, já que este é assunto para outro artigo, devemos nos perguntar o porquê.

Por que o líder de uma empresa deve se preocupar com pobreza multidimensional? Por que levantar informações tão delicadas, que por vezes podem gerar desconfortos em parte de sua equipe? Por que “adicionar mais um problema” na interminável lista de prioridades da minha empresa? 

Bem, a resposta é simples: os problemas já estão lá, a diferença em identificá-los de maneira eficiente apenas interfere no sucesso do endereçamento deles, e na capacidade de evitar suas implicações maléficas para a empresa. Este é o porquê mais imediato.

Adicionalmente, ser parte da busca de condições mínimas para a dignidade humana é, por si só, uma tarefa ética em relação à sociedade. Tratando-se de seus colaboradores e suas famílias, este dever apenas cresce. Ao estar disposta a entender sua realidade interna, as empresas tornam-se parte da busca de soluções de fato, evitando o caráter paternalista de imposições descoladas das reais necessidades de seus colaboradores.

Ainda que razões deste tipo não sejam suficientes, uma vez que nem sempre podemos e/ou conseguimos colocar em prática nas nossas empresas aquilo que nos é pessoalmente caro, outras razões podem ser enumeradas. Com o foco nos negócios, mensurar a real situação de seus colaboradores possibilita o maior engajamento da equipe, que além de se sentir reconhecida, poderá se tornar mais produtiva em suas funções.

Além disso, ao aumentar o sentimento de reconhecimento e valorização – afinal, a empresa está disposta a conhecer e endereçar de maneira conjunta vulnerabilidades de seus colaboradores – desafios como rotatividade podem ser superados. Garantindo um melhor ambiente organizacional, a empresa torna seus negócios mais sustentáveis, aplicando medidas ESG de dentro para fora.

Retomando a imagem do castelo de areia, um líder consciente não é aquele que se coloca contra a maré, até porque ela virá de todo jeito, mas sim aquele que olha primeiro para dentro de seu castelo, que busca construí-lo da maneira mais sustentável, de dentro para fora. Um líder capaz de reconhecer a relevância deste movimento não está fazendo apenas uma escolha ética, está seguindo o caminho de quem deseja manter sua empresa firme, independente dos movimentos das águas.

*André de Almeida: é Professor Titular de Filosofia na Fundação Dom Cabral. É também Psicanalista e Conselheiro Filosófico, certificado pela American Philosophical Practitioners Association (APPA). Por 5 anos foi Professor de Filosofia da University of Sussex, no Reino Unido. Atuou como consultor das Nações Unidas (ONU). É mestre e Ph.D. em Filosofia pela University of Sussex. É autor do livro Agent Particularism: The Ethics of Human Dignity.

**Laura Schneider: é mestranda em Relações Internacionais pela PUC MG na linha de Desenvolvimento e Desigualdades Internacionais. Graduada em Relações Internacionais pela Universidade do Vale do Itajaí, em Santa Catarina. Atualmente é Analista de Desenvolvimento do Hub de Inclusão Social da Fundação Dom Cabral.

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