Paulo Almeida, professor e pesquisador da Fundação Dom Cabral, discute os tipos e dimensões da liderança no contexto atual dos negócios
Como a Kimberly-Clark retém um terço dos colaboradores há mais de uma década
Com cultura voltada ao aprendizado contínuo e liberdade para mudanças internas, dona de marcas como Huggies e Intimus aposta na construção de planos de carreira para reter 2,8 mil pessoas; média de permanência em empresa no Brasil é de menos de dois anos, segundo Ministério do Trabalho
Não é novidade para ninguém: as jornadas corporativas estão ficando cada vez mais curtas. Relatos de profissionais com passagens duradouras por uma empresa, sonhando até com um relógio dourado na aposentadoria, são cada vez mais raros. Dados do Ministério do Trabalho, inclusive, mostram que o tempo médio de permanência de um trabalhador na mesma empresa no Brasil não ultrapassa o período de dois anos. A tendência ganhou até apelido em inglês, graças ao apelo junto às novas gerações: “job hopping” – um “pula-pula” empregatício que muita gente conhece bem. Mas não é o caso da Kimberly-Clark.
Dona de marcas como Huggies e Intimus, a empresa vai na direção contrária: hoje, um terço dos seus 2,8 mil colaboradores no Brasil têm 10 anos ou mais de casa. “O tema de progressão de carreira é algo que levamos muito a sério por aqui”, conta Sueli Thomé, diretora de RH da Kimberly-Clark no Brasil. Desde 2023, ela tem auxiliado a empresa na criação de programas robustos de avaliação contínua, considerados o ponto de partida para mudanças de cargos e salários. Nos últimos quatro anos, foram cerca de 1.700 promoções – sendo ainda que mais da metade do time subiu algum degrau profissional no período.
A cultura de desenvolvimento contínuo e capacitação são reflexo do interesse da empresa por investir no desenvolvimento profissional de seus colaboradores. Atualmente, a Kimberly-Clark possui um programa estruturado de crescimento, cujo objetivo é auxiliar na construção de planos de carreira e orientar colaboradores sobre os melhores caminhos a seguir — ainda que isso signifique uma mudança de área e escopo. É uma tarefa árdua, que demanda ao menos cinco iniciativas de mentoria diferentes. “O fundamento está na promoção da autoconsciência do profissional sobre onde ele deseja chegar versus onde ele está hoje e o que precisa fazer, dentro e fora da empresa, para chegar lá”, afirma Sueli.
O fundamento está na promoção da autoconsciência do profissional sobre onde ele deseja chegar versus onde ele está hoje e o que precisa fazer, dentro e fora da empresa, para chegar lá.
Na entrevista a seguir, a diretora de RH explica os esforços da companhia para ajudar os funcionários mais antigos a continuar prosperando, auxiliando na construção de planos de carreira e incentivando a ousadia em experimentar outras áreas e atribuições. Ela também faz um paralelo entre as iniciativas de aprendizado contínuo e explica como elas, em conjunto, promovem um ambiente mais inclusivo, elevando os níveis de retenção da empresa — uma das ambições da Kimberly-Clark é tornar-se referência em diversidade e inclusão. “Diversidade é um tema mutante, e nosso papel é investir em letramento da média liderança, capaz de cascatear nossa filosofia e levá-la adiante”, ressalta a executiva. Confira os principais trechos da entrevista:
Como o incentivo à progressão de carreira passou a ser um pilar na gestão da Kimberly-Clark?
Trabalhar na Kimberly-Clark traz consigo um engajamento muito grande do time, pelo simples fato de sermos uma empresa de cuidados pessoais, ou seja, que também preza pelo cuidado com pessoas. Do ponto de vista cultural, reforçamos isso ao incentivar o autodesenvolvimento. Aqui, cada um é responsável por sua própria carreira. Não temos paralelas de carreira definidas claramente, porque temos vivido muitas transformações no mundo do trabalho. Então, só temos a ganhar ao incentivar a busca pelo desenvolvimento próprio e permitirá flexibilidade, sem fazer isso de forma processual e engessada
E como isso é feito na prática?
Desde 2020, se olharmos nosso quadro total, mais de 70% dos nossos colaboradores se movimentaram a partir de promoções. Outro dado interessante é que mais de 30% desse nosso quadro tem mais de 10 anos de empresa. Isso é muito característico de uma cultura baseada no desenvolvimento de pessoas. Isso já faz parte do nosso DNA. Na prática, mantemos o programa Growth, que é global, onde a gente oferece uma “prateleira de possibilidade de desenvolvimento”.
O pilar para isso tudo está na promoção da autoconsciência do profissional sobre onde ele deseja chegar versus onde ele está hoje. Ele entende quais são as competências que precisam ser desenvolvidas, as experiências e trocas dentro da companhia que vão ajudá-lo a chegar lá e que tipo de vivência ele pode ter na Kimberly, seja em projetos ou áreas específicas, que também farão isso acontecer.
A proporção que seguimos hoje é a de 70:20:10, sendo 10% do tempo dedicado à educação formal, 20% baseado em trocas e networking e os outros 70% para essas experiências de trabalho. Além de cursos formais, temos mentorias, encontros com o CEO e possibilidade de trocas constantes entre os times. Isso para todos os níveis, do estágio à alta liderança.
Um desafio clássico do RH é conciliar esses múltiplos “desejos” de mudança de rota ao que de fato é esperado pela companhia, em termos de entrega e desempenho, dos funcionários. Se dedicar a mudanças de atribuições ou cargo leva tempo, já que demanda o aprendizado de habilidades específicas. Como vocês equilibram essas demandas dos colaboradores por mudanças de percurso e tempo para investir no desenvolvimento próprio, ao que é esperado dele no dia a dia?
Dentro dos nossos ciclos de avaliação de desempenho, incentivamos a criação de planos de desenvolvimento individuais. É parte da nossa cultura, e um meio muito eficaz de visualizar não somente o que um profissional entregou em termos de desempenho, mas como aquilo está conectado ao que ele mesmo expressou ser sua ambição dentro da empresa como progressão de carreira.
Construir um plano de carreira pode ser algo desafiador, caso fique a cargo apenas do colaborador. Muitas vezes, não sabemos onde queremos chegar e como chegar lá. De que forma vocês ajudam a eliminar esse “bloqueio”?
Nesses mesmos ciclos de avaliação de desempenho um foco prioritário é justamente a construção do PDI. Diria que metade do papo entre gestor e colaborador é dedicado a isso. É algo formal para nós. Fazemos isso acontecer, pelo fato de ajudá-los a pensar no “o que” e “como”. Isso geralmente acontece no início do ano, e na metade do ano há uma nova conversa formal para avaliar o progresso. Além disso, temos um plano paralelo que também alimenta nosso sistema interno e que pode ser preenchido pelo próprio funcionário com informações como disposição para mudança de cargo, de país e perspectivas para o futuro. Em um último pilar, o próprio gestor, depois de todos esses alinhamos, direciona o colaborador para um programa de capacitação que pertença ao Growth e que pode ajudá-lo a alinhar seus próximos passos.
Essas sugestões também têm a ver com a diretriz de apoio ao autodesenvolvimento?
Sim, totalmente. Além da indicação dos gestores, o próprio colaborador pode se inscrever livremente em qualquer um dos programas de capacitação que oferecermos, o que também inclui a rotação por outras áreas, por meio de uma plataforma. Essa plataforma hoje é nosso ponto de conexão entre as expectativas de carreira dos colaboradores, se aquilo se conecta com o que ele deseja e que também o aproxima do um facilitador para que aquilo aconteça. Antes da mudança, por exemplo, todos têm a chance de se inscrever em projetos específicos de outra área para ter experiência em outras frentes e também criar a rede de contatos necessária para ser considerada para mudanças definitivas no futuro.
Na sua visão, essa cultura é hoje a responsável pelo alto nível de retenção da Kimberly-Clark?
Sim, pois se somarmos todas as nossas iniciativas, vemos que o pilar de desenvolvimento contínuo se tornou um ativo da nossa marca empregadora. Temos uma flexibilidade para mudanças e um apetite em ajudar os colaboradores a transformar o interesse em uma determinada competência em uma fluência. Tomamos o risco junto, e ajudamos a construir esse caminho em conjunto. Isso se reflete nos indicadores que já comentamos. Tenho certeza de que é possível fazer uma correlação entre nossas taxas de promoção ao índice de participação nos programas de capacitação, porque uma coisa leva a outra.
E como a diversidade é trabalhada hoje dentro da companhia?
Temos trabalhado muito nosso posicionamento para sermos reconhecidos como uma empresa de cuidados pessoais, tanto interna quanto externamente. O primeiro passo para isso é enxergar nossos colaboradores como consumidores, e os primeiros que irão vivenciar, na prática, a maneira como tratamos o tema dentro de casa. A ideia é fazer aplicar o que entendemos como “cuidado” das nossas marcas, também em nossa cultura interna. Nosso foco em questões de gênero está muito ligado a esse propósito: o de cuidar para um mundo melhor.
E como isso está relacionado à questão da diversidade de gênero?
Do ponto de vista interno, reconhecemos que cuidado é igual a desempenho. Por isso, criamos programas diversos, e acreditamos no potencial de cada um deles. Quando você se sente parte de algo maior, é conectado ao propósito a partir do que você faz e percebe a importância do seu trabalho — seja ele qual for — o seu desempenho aumenta. Por isso, investir em diversidade e na geração da sensação de pertencimento, ou seja, de real inclusão, passou a ser prioridade para nós. Nesse sentido, o pilar de gênero é muito importante para Kimberly-Clark, principalmente graças à nossa marca Intimus.
E do lado dos desafios, é comum que empresas encarem a dificuldade em promover a real equidade de oportunidades e inclusão, após a contratação. Ou seja, ir além do nivelamento de gênero no quadro de colaboradores, e realmente criar políticas que de fato incentivem grupos minorizados a se sentir parte do todo, e com igualdade de oportunidades na empresa. Como a Kimberly-Clark tem lidado com isso?
Globalmente, a Kimberly está muito decidida a trabalhar a inclusão. Quando olhamos para o Brasil, esse é um tema muito bem estruturado desde 2019. É, inclusive, um dos nossos referenciais como marca empregadora, e colabora muito para aqueles nossos níveis de retenção. Desde 2019, trabalhamos com pilares para cada um dos temas de diversidade, com pessoas voluntárias que lideram cada uma dessas frentes, com uma governança muito bem estabelecida e reuniões frequentes e, a cada três meses, as demandas que ali surgem são repassadas à diretoria. Temos pelo menos 70 funcionários liderando esses comitês hoje. Fazemos letramento, tanto de vieses inconscientes, quanto de diversidade por si, com intuito de atualizar as pessoas sobre a pauta. Os treinamentos e reuniões têm foco na média liderança, pois entendemos que esse é o grupo de pessoas com maior impacto decisivo nos negócios. É uma jornada contínua, mas que felizmente já tem mostrado resultados.
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