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Como a Sankhya aumentou a performance mesmo sem remuneração variável

Time comercial da empresa de softwares de gestão empresarial agora tem remuneração fixa; mudança reduziu pressão, turnover voluntário e alinhou cultura da companhia mineira

Bruno Capelas
6 de setembro de 2022
Como a Sankhya aboliu a remuneração variável de vendas e aumentou a performance em 100%
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Quem trabalha na área de vendas sabe: parte da renda de todos os meses costuma vir não do salário, mas da comissão sobre o desempenho daquele período. Não é o que acontece na Sankhya, empresa de tecnologia voltada a softwares de gestão empresarial: desde 2021, os times comercial e de implantação de projetos passaram a ter uma remuneração fixa mensal. Um ano depois, o resultado é de aumento na performance de 100% nas vendas da empresa. 

“A pressão por um bom resultado pode fazer você ser menos produtivo; o modelo de remuneração variável, por sua vez, pode incentivar comportamentos prejudiciais. Às vezes, um vendedor dava um desconto gigante só para fazer uma venda, bater a meta e ganhar o variável – algo bem descolado da nossa cultura de gerar valor para os clientes”, explica Mariá Menezes, diretora de pessoas e cultura da companhia mineira. 

Formada em Administração, ela migrou para a área de RH há cinco anos, trazendo a visão de negócios para o setor. Além do aumento na performance, a empresa também viu o turnover voluntário cair em 30% no período e os clientes ficarem mais satisfeitos. “A sensação deles é que a venda não está sendo empurrada, nem de que ele está perdendo tempo na implantação. Isso é muito bom”, afirma. 

A seguir, Mariá fala mais sobre como a proposta surgiu e dá detalhes de sua implementação – incluindo a criação de um bônus coletivo para o time quando a meta é batida, incentivando a colaboração. A executiva também explica os efeitos da mudança no dia a dia da Sankhya – segundo ela, cerca de 500 colaboradores foram afetados pela política. “Hoje, as 1,9 mil pessoas da empresa têm remuneração fixa”, diz. 

A Sankhya aboliu a remuneração variável individual para os times de vendas. De onde veio essa ideia? 

O Breno Gomes, nosso diretor de crescimento, assistiu a uma palestra do Luiz Gaziri, que escreveu um livro chamado A Ciência da Felicidade. E uma das coisas que ele trouxe dessa palestra foi mostrar o quanto dar uma recompensa a alguém por uma atividade pode trazer benefícios ou malefícios. Em trabalho industrial, repetitivo, essa curva é direta: quanto mais você produz, mais você ganha. Mas no mundo do trabalho cognitivo, essa relação pode ser invertida depois de certo ponto: a pressão por um bom resultado pode fazer você ser menos produtivo, mais lento e ficar longe do resultado ideal. Além disso, com o modelo de remuneração variável, você pode incentivar comportamentos prejudiciais, até antiéticos, dependendo da forma como as coisas são mensuradas. Na Sankhya, nossas vendas são consultivas, nosso trabalho é muito voltado para a cognição, para entender o cliente e ajudá-lo com um problema. Até a mudança, a gente vivia comportamentos perniciosos, como um vendedor dar um desconto gigante só para fazer a venda, bater a meta e ganhar o variável. Era algo descolado da nossa cultura de gerar valor para o cliente. 

Quando foi a mudança? E como foi anunciar esse passo para o time? 

Fizemos a mudança entre o final de 2020 e o início de 2021, em algumas ondas, até para conseguirmos aprender com o processo. Quando anunciamos para o time, foi interessante. As reações foram muito positivas, no geral, porque nós mostramos o embasamento científico por trás da decisão. No entanto, teve muita gente que ficou com receio de não ter um avanço na remuneração, mas nós não deixamos de lado os bônus, e o mérito. Reconhecemos quem vai bem e mostramos o quanto isso ia potencializar a performance do time. Na remuneração variável, a gente tinha executivos comerciais que bombavam, e uma cauda longa de performance depois deles. Com a mudança, aumentou a quantidade de executivos que estavam numa zona boa de performance. Isso não quer dizer que as metas de vendas deixaram de existir. Elas existem, não são negociáveis, mas não ter uma pressão financeira para gerar o resultado ajudou muito. 

Houve colaboradores que não aceitaram o modelo? 

Nós perdemos duas pessoas que não se adequaram, queriam mesmo vender mais e ganhar mais. Achamos que tudo bem: isso não estava mais alinhado com a nossa cultura. Sabemos que não é todo mundo que vai se adaptar a esse formato. Na contratação, muita gente acha estranho não ter remuneração variável individual – mas a nossa remuneração fixa é competitiva, dentro dos parâmetros do mercado. E nós temos um bônus coletivo: se o time todo bater as metas semestrais, todo mundo ganha o bônus. Isso estimula a colaboração. Além disso, também temos prêmios surpresa, baseados em experiências – é algo que sai da esfera monetária, que os líderes das pessoas trazem, mas podem ser um jantar com a família, por exemplo. E isso motiva o time. Na média, tivemos uma redução de 30% do turnover voluntário – isto é, quando as pessoas decidem sair da empresa. 

Como vocês fizeram para calcular o valor da remuneração fixa? Como fazer justiça? 

Nós olhamos as médias de remuneração de cada pessoa no passado, especialmente para quem tinha mais tempo de casa. Olhamos para os intervalos de 12, 24 e 36 meses e cruzamos essa média com a análise de cada equipe. Em média, os executivos comerciais tinham 30% da compensação vinda da remuneração fixa e 70% da variável. Para quem já tinha uma carteira de clientes e estava construindo resultado, foi fácil, mas para os contratados mais recentemente, acabamos tendo um aumento de custos. No entanto, a gente teve aumento de 100% nas vendas depois de um ano. Além disso, a gente reduziu um custo que estava oculto: o do executivo comercial que performa mal. Quando se trabalha com o modelo variável, o gestor deixava um colaborador que performava mal quieto um tempão. A mudança levou os líderes a ficarem mais críticos: quem fica parado não custa pouco, então o gestor toma decisões mais rápido com quem não está performando bem. 

A mudança levou os líderes a ficarem mais críticos: quem fica parado não custa pouco, então o gestor toma decisões mais rápido com quem não está performando bem.

Um ano depois da mudança, como vocês acompanham essa virada de chave na Sankhya? 

Foi uma mudança que trouxe uma insegurança para as pessoas, como toda mudança. A gente acolheu isso e até hoje rodamos pesquisas sobre o modelo de remuneração, acompanhamos os resultados e monitoramos. É um processo complexo: nós trabalhamos o tema com os líderes, reunimos o time todo ano pelo menos uma vez para falar sobre o assunto. O mercado trabalha de forma muito diferente, então é um aprendizado – especialmente em um momento em que estamos crescendo, trazendo novas unidades, e incorporando essa cultura em times que trabalhavam de forma diferente.

Além do time comercial, o time de implantação também passou da remuneração variável para a fixa. Como foi essa adaptação? 

No caso do time de implantação dos sistemas, a remuneração era por hora produtiva, feita por meio de ordens de serviço assinadas pelos clientes. Foi uma mudança mais desafiadora, uma vez que a cultura de metas e resultados não era tão bem estabelecida. Além disso, a operação sentiu: vários colaboradores pararam de registrar as coisas na ordem de serviço, porque pararam de receber pelas horas. E não é que a gente parou de registrar (e cobrar os clientes), a gente só parou de remunerar por hora. Tivemos de bater firme com o pessoal, mas funcionou. Agora, quando o consultor de implantação termina uma atividade, ele sabe que tem que encerrar e ir para outro cliente, não fica ali fazendo hora para gerar a remuneração. 

Os clientes também ficaram mais satisfeitos? Qual é o impacto que vocês sentiram desse lado? 

Nós medimos o NPS e temos visto números muito bons. É um resultado da sugestão que fizemos para o executivo comercial: ele tem que saber que não está ali para vender a qualquer custo. Ele precisa gerar valor para o cliente. E a sensação do cliente é que a venda não está sendo empurrada, nem de que ele está perdendo tempo na implantação. Isso é muito bom. 

Bruno Capelas é jornalista. Foi repórter e editor de tecnologia do Estadão e líder de comunicação da firma de venture capital Canary. Também escreveu o livro 'Raios e Trovões – A História do Fenômeno Castelo Rá-Tim-Bum'.