Paulo Almeida, professor e pesquisador da Fundação Dom Cabral, discute os tipos e dimensões da liderança no contexto atual dos negócios
“Ninguém é preparado corretamente para ser líder”, diz João Paulo Pacífico, CEO do Grupo Gaia
Egresso do mercado financeiro, engenheiro e investidor busca apoiar negócios de impacto social; para ele, empresários e líderes precisam entender que ‘as pessoas são mais importantes que os números’
Com mais de 600 mil seguidores nas redes sociais, João Paulo Pacífico é conhecido por ser um crítico do mercado financeiro e de culturas empresariais que colocam a busca por resultados acima de tudo. Seria apenas mais uma característica, não fosse o fato de que ele viu esse mundo de dentro – e descobriu que essa trajetória não fazia sentido para ele. Engenheiro de formação, trabalhou em empresas como a gestora de investimentos Rio Bravo e o Banco Original. Depois da crise econômica de 2008, quando teve de demitir muita gente, teve uma crise de consciência e decidiu criar um negócio onde as pessoas pudessem trabalhar felizes: a Gaia, uma securitizadora (negócio que transforma dívidas em ativos) que acabou vendendo e doando a parte que lhe cabia para a ONG de mesmo nome, voltada para investimentos de impacto.
Para ele, uma carreira de sucesso tem tudo a ver com propósito. “Ao longo da minha jornada, eu notei que precisava trabalhar em contato direto com as pessoas e entender as reais necessidades do ser humano para construir uma cultura de impacto. Eu trabalho todos os dias para que o dinheiro seja usado para reduzir a desigualdade social”, explica Pacífico, que divide seu tempo entre a conscientização de pessoas e viagens para conhecer investimentos sociais – só nos últimos meses, esteve na Bahia para visitar uma comunidade de agricultores de cacau, conheceu empreendedores no Acre e foi à Espanha para participar de um evento global sobre investimento de impacto.
Autor do livro “Seja líder como o mundo precisa”, lançado em 2022, Pacífico acredita que propósito e qualidade de vida são fundamentais para guiar boas relações de trabalho, especialmente entre gestores e liderados. Na entrevista a seguir, ele também fala sobre o poder do exemplo, sobre o papel da felicidade no mundo do trabalho e discute um problema histórico das empresas brasileiras: a formação de lideranças. “Numa sociedade que valoriza o dinheiro mais do que a vida, as pessoas assumem esses cargos mesmo sem ter perfil para cuidar de gente”, afirma o investidor, que também conta em quem se inspira para ser, todos os dias, um líder melhor.
Em seus vídeos nas redes sociais você sempre fala sobre propósito e querer fazer a diferença na vida das pessoas. Como garantir que esse lema seja real no ambiente de trabalho?
Tenho consciência de que a Gaia é uma bolha, pois trabalhamos 100% focados no propósito do impacto social. Na maioria das empresas, esse não é o direcionador. Somos privilegiados por isso. Os desafios são muito grandes, mas caminhamos na mesma direção. Temos um time enxuto, de 30 pessoas, o que ajuda a manter um clima de proximidade, que inibe a formação de feudos. Acredito que o papel de um líder é o direcionador de propósito. Então, me comporto para dar liberdade para quem trabalha comigo, pois acredito que o propósito também está ligado à qualidade de vida. Por exemplo, não marco reuniões antes das 10h, não trabalho aos finais de semana, busco minha filha na aula de ginástica, faço esquema de trabalho híbrido. Sei que nosso crescimento é feito por meio de parcerias para evitar a sobrecarga. É mais fácil trabalhar engajado quando se tem qualidade de vida.
Ao longo de sua carreira, você já teve centenas de liderados nas diversas empresas por onde passou. Como foi a evolução do seu estilo de liderança?
Lembro exatamente da primeira vez que fui chefe. Foi em 2003, tinha 23 anos, e virei líder de um rapaz chamado Jorge, na Rio Bravo. Recordo da sensação de frustração porque ele não fazia as coisas como eu, uma vez que, evidentemente, tinha outro ritmo. Eu não fui preparado para ser gestor de pessoas. Aliás, infelizmente, ninguém é preparado corretamente para ser líder e isso é um grande problema das empresas brasileiras. As pessoas assumem as responsabilidades e vai acontecendo, mas ninguém ensina a gente a lidar com pessoas. O foco da maior parte das companhias está no conhecimento técnico e não na capacidade de acolher e compreender as diferenças. Numa sociedade que valoriza o dinheiro mais do que a vida, as pessoas assumem cargos de liderança mesmo sem ter perfil para cuidar de gente. Sempre me incomodei com isso.
Quando fundei a Gaia, percebi que precisava ser diferente. Sempre tentei ser o melhor líder possível e, mesmo entre erros, acho que evoluí. Hoje eu acredito em parceria, me posiciono 100% e não tenho medo disso. Não é segredo para ninguém que eu apoio causas que não são consenso entre a população. Ao mesmo tempo que esse excesso de transparência causa repulsa em muitas pessoas, ele filtra quem tem crenças similares e já corta um bom caminho. Quem chega até a Gaia já sabe do nosso propósito, dos nossos desejos. A gente construiu uma cultura corporativa focada na comunicação total e com o componente do ativismo em evidência.
Em seu livro você dá dicas de como ser um líder como o mundo precisa. Você se considera um exemplo disso?
Acredito que ser um líder como o mundo precisa é uma caminhada que nunca tem fim. Eu procuro estar nesse lugar, mas entendo que pode surgir um desafio amanhã que vai depender da minha atitude para me manter nessa posição. Para mim, um bom líder é uma pessoa humana, que motiva a equipe pelo amor, não pela dor. É uma pessoa ativista, com propósito acima de tudo. Dizem que a regra de ouro para a boa convivência é “trate os outros como você gostaria de ser tratado”. Eu costumo falar da regra de platina: “trate os outros como eles gostariam de ser tratados”. Cada pessoa tem um jeito, e entender isso é o que torna mais especial essa relação. Ainda lido com desafios importantes. Para mim, o mais difícil sempre foi demitir gente – é quando mais sofro, é o rompimento de um ciclo. Tento agir sempre da forma mais humana possível, mas ainda sinto muita dificuldade.
Em contrapartida, há muitas partes gratificantes da liderança: ver as pessoas brilhando, se destacando, sendo elogiadas. Sei que não é mérito meu, mas fico orgulhoso. Gosto de contar a história do Rodrigão (Rodrigo Ferreira), que trabalha na Gaia há três anos. Ele é um homem preto, que veio de vulnerabilidade social e teve mais percalços do que eu. É um exemplo de dedicação, que virou uma voz da empresa, representando a Gaia em diversos eventos e me enchendo de orgulho.
Para mim, um bom líder é uma pessoa humana, que motiva a equipe pelo amor, não pela dor. É uma pessoa ativista, com propósito acima de tudo.
Você já se manifestou nas redes falando sobre o contraste entre os exuberantes salários dos CEOs e os baixos salários dos funcionários. Como isso funciona na prática da remuneração dos colaboradores da Gaia?
Para mim, o maior desafio é fazer os empresários entenderem que pessoas são mais importantes que os números. O lucro é fundamental para uma empresa, mas você não pode sacrificar a saúde e o bem-estar das pessoas em prol de um resultado maior. Se o negócio de alguém depende da exploração, ele não é viável. Na Gaia, acreditamos nisso. Temos uma regra que o maior salário versus o menor salário não pode ser superior a 15 vezes. Em muitas empresas essa proporção é de centenas de vezes.
O lucro é fundamental para uma empresa, mas você não pode sacrificar a saúde e o bem-estar das pessoas em prol de um resultado maior.
Quais são seus exemplos de liderança?
Eu me inspiro em nomes que não conheço pessoalmente, como Richard Branson, fundador do Grupo Virgin, que tem investimentos que vão da música à aviação, vestuário, biocombustíveis e até viagens aeroespaciais. Também não posso deixar de mencionar nomes inspiradores como Martin Luther King Jr, Nelson Mandela e Mahatma Gandhi.
Hoje, estou lendo o livro “Ubuntu todos os dias”, da escritora e ativista Mungi Ngomane, neta do Desmond Tutu, vencedor do Prêmio Nobel da Paz. Também procuro consumir muito conteúdo de comunicação não-violenta, como as obras de Marshall Rosenberg, e gosto de autores como Simon Sinek, Adam Grant e Daniel H. Pink. Eu procuro beber de várias fontes para entender o ser humano e ser um líder melhor diariamente.
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