Busque por temas

Em alta

Comunicação não-violenta com Carolina Nalon, do Instituto Tiê

Mais do que uma técnica, CNV é um princípio filosófico para se praticar todos os dias, diz especialista que já ajudou pessoas e times de empresas como Natura, GOL, Pfizer e Bayer

Bruno Capelas
28 de agosto de 2023
Leia emminutos
Voltar ao topo

Há mais de uma década, Carolina Nalon tem se dedicado a resolver conflitos com autenticidade e compaixão. Fundadora do Instituto Tiê, ela já ajudou pessoas e times de empresas como Natura, Gol, Pfizer e Bayer a praticar o poder da comunicação não-violenta. Trata-se de uma disciplina com raízes em nomes como Martin Luther King Jr. e Mahatma Gandhi, pregando o poder da comunicação eficaz e empática – algo cada vez mais necessário nos ambientes de trabalho. 

“Hoje em dia, existem muitos desafios. As pessoas querem ser escutadas, querem ser vistas, e muitas vezes as lideranças não estão capacitadas para lidar com isso. Há muitos líderes que não sabem fazer um bom feedback ou não conseguem gerar segurança psicológica, e isso pode incorrer em denúncias de assédio”, diz Carolina, que se formou em Biologia, mas devotou sua carreira para trabalhar com pessoas. 

Ela mesma, porém, faz um adendo importante: “a comunicação não-violenta não é uma técnica, não é que nem feedback sanduíche, com quatro passos e tudo mais. É sobre o princípio filosófico da não violência”. Assim, mais do que pequenos hacks ou truques, o que você poderá ler a seguir são ideias para se praticar no dia a dia, todos os dias. 

#1: Trate pessoas como pessoas, não como coisas. 

“Comunicação violenta não é uma técnica de quatro passos, ninguém aguenta mais uma técnica. É preciso entender o princípio filosófico da não-violência para praticar. Violência é quando a gente coisifica o outro – no nível mais extremo, é tirar a vida e só sobrar o cadáver. Num nível sutil, é tratar as pessoas não como um fim, mas como um meio, e é muito comum fazer isso quando se tem um contrato de trabalho. As relações se constroem a partir do que as pessoas ‘servem’ para fazer. E isso pode ser muito ruim, porque pode virar uma violência quando você diz para alguém que essa pessoa é folgada, não está comprometida ou não tem uma atitude profissional. O ideal é que a gente construa as relações para além do contrato, trazendo o engajamento para o trabalho. Além de sentido e propósito, as pessoas buscam pertencimento no trabalho – e para isso elas precisam ser tratadas como um fim, e não como um meio.” 

#2: Entenda as necessidades dos outros

“A Comunicação Não Violenta prega que por trás de todo comportamento há uma necessidade. Isso é importante: no universo corporativo, às vezes não é possível atender as necessidades das pessoas, mas isso não proíbe que você reconheça as necessidades delas. Nós somos seres humanos e compartilhamos necessidades básicas universais. Deixar de fazer isso é a receita certa para um conflito escalar. Ao mesmo tempo, olhar para as necessidades de cada pessoa ajuda a gerar um ambiente de segurança psicológica, de escuta, que ajuda na dimensão do engajamento.”

Leia também: “Como você fala é tão importante quanto o que você fala”: as dicas de Maytê Carvalho sobre retórica e persuasão

#3: Não-violência não significa dizer amém para tudo

“O Dale Carnegie escreveu um livro em 1936 que dizia que quanto mais diplomático e agradável você for, mais você vai crescer na sua carreira. Infelizmente, ele não estava errado, mas esse pensamento é fruto de uma outra época, em que se dizia amém para quem tem mais poder. É uma postura que dá margem para corrupção, para desastres ambientais, para perpetuar uma opressão. Nas empresas, a liderança tem um papel fundamental para criar segurança psicológica, enquanto quem está fazendo aquela empresa precisa ter coragem de ousar discordar. É preciso ter coragem de falar não. Gandhi dizia que um desentendimento sincero é um sinal de progresso. É preciso entender como ser diplomático, até mesmo amoroso em algum senso, para que as pessoas gostem da gente, sem perder o foco da ética.”

“Nas empresas, a liderança tem um papel fundamental para criar segurança psicológica, enquanto quem está fazendo aquela empresa precisa ter coragem de ousar discordar. É preciso ter coragem de falar não.”

#4: ‘Gaste’ tempo formando uma conexão

“Muita gente diz que não consegue praticar comunicação não-violenta por falta de tempo, por estarem em ambientes muito dinâmicos e não terem tempo hábil para parar e conversar. É um desafio: as coisas estão realmente num tempo mais rápido do que a gente consegue alcançar. Mas ao mesmo tempo, o que gasta mais tempo: gerar um conflito ou parar para conversar? O tempo de se conectar também precisa ser computado como tempo de fazer um bom trabalho. Associamos trabalhar a resolver problemas, mas se não estamos conectados, podemos resolver os problemas errados, ou resolvê-los mal. Muita gente tende a entender a discordância como uma coisa “chata”, “que tá fora do meu trabalho”, “não sou psicólogo”. Mas é trabalho de todo mundo ser humano.” 

Leia também: “Boa escrita evita 99% dos problemas”: as dicas de Arllen Jorge, da Trybe, sobre comunicação assíncrona

#5: Entenda os seus próprios limites

“Outra coisa que é importante sobre a comunicação não violenta é que ela é uma dança entre a empatia e a autenticidade. Existem situações em que não é possível utilizá-la de maneira plena, como numa agressão. Agressão é uma expressão trágica de uma necessidade não atendida, mas é algo que pode demandar ajuda, uma denúncia. Se é um caso grave, é preciso entender os recursos que existem dentro da organização para se proteger, para manter saúde e sanidade. Não existe “tem que praticar a CNV”, é possível que cada pessoa veja seus limites. Mais que isso: é importante que cada pessoa desenhe seus limites, justamente para não se coisificar.”

Bruno Capelas é jornalista. Foi repórter e editor de tecnologia do Estadão e líder de comunicação da firma de venture capital Canary. Também escreveu o livro 'Raios e Trovões – A História do Fenômeno Castelo Rá-Tim-Bum'.