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“ESG não é apenas uma pauta – é a forma como a empresa se posiciona no mundo”

Pessoas, cultura e o sabor da diversidade na visão de Ana Clara Silva Pinto, head de pessoas e cultura da Dengo Chocolates

Caroline Marino
12 de junho de 2025
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Em um mercado em constante transformação, o valor de uma empresa também passa por uma mudança importante: é medido não só pelos resultados financeiros, mas também pelo impacto social e ambiental. Nesse contexto, o RH assume um papel estratégico e fundamental. E Ana Clara Silva Pinto, head de pessoas e cultura da Dengo Chocolates, navega com maestria por esse cenário complexo e desafiador. Com uma carreira sólida de mais de 18 anos em gestão de pessoas, leva para a Dengo sua vasta experiência e uma paixão genuína pela construção de ambientes de trabalho inclusivos e que potencializam o desenvolvimento humano.

A trajetória da executiva, marcada por passagens em diferentes setores e pela busca constante por aprimoramento acadêmico – com formação em administração e coach, mestrado em gestão de pessoas e MBA em ESG  – reflete a importância que atribui à combinação entre teoria e prática. Ela também é fundadora da consultoria Tons Diversidade e atua como diretora do Instituto Pactua e mentora na Gerando Falcões, ampliando seu impacto para além do ambiente corporativo e reforçando o compromisso com as pautas de D&I.

Na entrevista a seguir, Ana Clara compartilha sua visão sobre a evolução da cultura organizacional, o papel estratégico da diversidade e inclusão como alavanca de negócio e propósito, a importância dos dados na gestão da área de recursos humanos, bem como os desafios e oportunidades de atuar em frentes tão distintas e complementares. Um olhar profundo sobre como a Dengo, com seus cerca de 600 funcionários, cultiva uma cultura que valoriza a autenticidade e a representatividade, e como essa abordagem se reflete nos resultados e na experiência de cada indivíduo que faz parte dessa história.

Escolhi RH porque entendi o quanto a transformação positiva dos dados está diretamente atrelada à capacidade de mobilizar pessoas na direção dos seus sonhos.

Com mais de 18 anos de trajetória em RH – incluindo uma sólida passagem pelo Itaú Unibanco antes de chegar à Dengo –, você demonstra uma forte conexão entre gestão de pessoas, foco em resultados e veia empreendedora. De que forma essa combinação, construída ao longo da carreira, a trouxe até aqui?

Minha trajetória profissional começou antes mesmo do estágio formal, vendendo produtos com a minha mãe. Essa vivência moldou meu olhar para o varejo e fortaleceu minha orientação para resultados e negócios. Já quando trabalhei em empresas públicas, lidei com muitos indicadores e processos, e percebi o valor de usar dados para desenhar planos de ação e melhorar a experiência dos funcionários. Essa paixão por números e resultados me acompanhou quando tive a oportunidade de ingressar na área de Gente e Gestão na Ambev, após um processo seletivo no qual também fui aprovada para a área de vendas. Escolhi RH porque entendi o quanto a transformação positiva dos dados está diretamente atrelada à capacidade de mobilizar pessoas na direção dos seus sonhos. Essa conexão entre o negócio e o desenvolvimento humano fez muito sentido para mim e me move até hoje. A transição do Itaú Unibanco – uma instituição gigante com 100 mil pessoas e onde pude navegar por diversas áreas como integração, seleção, diversidade, saúde e segurança do trabalho –, para a Dengo, foi foi impulsionada pelo desejo de estar mais próxima do negócio e ter uma atuação mais “dona da lojinha”. Queria entender de perto quais alavancas eram prioritárias para mobilizar as pessoas e alcançar os objetivos estratégicos da companhia. A mudança ampliou minha visão holística do negócio e permitiu e reforçou meu papel como parceira na entrega de resultados e na condução das transformações.

A visão de conectar o negócio ao desenvolvimento humano e à realização de sonhos parece estar profundamente ligada ao seu propósito. De que forma trabalhar com pessoas, aliando números a resultados e transformações, se conecta com quem você é?

Muito movida pela minha história, entendi que a grande missão da minha vida é ajudar as pessoas a sonharem mais alto e a romperem limites. Procuro sempre equilibrar a estratégia do negócio, os objetivos da empresa, a mobilização do time nessa direção e a conexão de tudo isso com os sonhos individuais. Em todas as interações, seja em entrevistas ou conversas sobre carreira, o espírito é o mesmo: como posso contribuir para que cada um evolua, acredite em seu potencial e cresça. Isso está muito relacionado ao propósito de gerar impacto positivo, mesmo que envolva conversas difíceis ou feedbacks inesperados, mas necessários para o crescimento.

Isso me impulsionou a querer construir pontes e deixar um legado para uma sociedade mais justa, assim como tantas mulheres negras, que vieram antes de mim, abriram caminhos para que eu pudesse estar aqui.

Você atua com diversidade e inclusão desde 2011, uma pauta que hoje está intrinsecamente ligada à saúde mental e ao bem-estar no trabalho. Como foi seu despertar para essa agenda e de que maneira ela se tornou central na sua atuação? 

Meu envolvimento com a pauta da diversidade nas organizações vem, realmente, de longa data e sempre participei de grupos de afinidades. Ao longo do tempo, percebi o papel transformador que as empresas podem ter nessa agenda tão complexa no Brasil e o quanto é fundamental que governo, companhias e indivíduos atuem juntos. Mas o grande despertar veio no âmbito pessoal, ao notar que olhares de depreciação me perseguiam em diversas situações, independentemente da minha condição financeira. Percebi que a cor da minha pele definia os espaços que eu ‘poderia’ ou ‘não poderia’ ocupar. Isso me impulsionou a querer construir pontes e deixar um legado para uma sociedade mais justa, assim como tantas mulheres negras, que vieram antes de mim, abriram caminhos para que eu pudesse estar aqui.

Falando em aliados, qual a importância deles para a diversidade e inclusão?

Houve um tempo em que a expressão “Eu não tenho lugar de fala” gerou certa confusão. Nos temas de diversidade, todos têm lugar de fala. É crucial que cada indivíduo assuma seu lugar e se posicione para rompermos a realidade atual. Se queremos potencializar as mulheres, precisamos dos homens como aliados, pois muitas posições de decisão ainda são ocupadas por eles. O mesmo vale para a questão racial: as pessoas brancas em posições de poder são fundamentais para mover o ponteiro e promover mudanças reais. Eu, como mulher negra que ascendeu profissionalmente, tenho o privilégio do meu lugar de fala e preciso usá-lo para abrir caminhos para outras pessoas. Não faço por elas, mas indico o caminho, ofereço suporte e mostro que é possível. A construção de pontes e a atuação em conjunto, com intencionalidade e compromisso genuínos, são essenciais para avançarmos em direção a uma sociedade mais justa e equitativa.

E o que diferencia uma política de diversidade que vai além do discurso e gera ações concretas?

Para que uma política de diversidade vá além do discurso, é necessário intencionalidade e pilares inegociáveis relacionados à cultura. Não basta dizer que é difícil encontrar profissionais diversos; é fundamental buscar ativamente. E isso deve permear toda a jornada do colaborador e a atuação dos líderes. Apenas dessa forma é possível romper com o automatismo que perpetua a falta de representatividade, especialmente em cargos de liderança. Em processos seletivos para posições estratégicas, por exemplo, é preciso garantir que candidatos de grupos sub-representados sejam considerados desde o início. Da mesma forma, no mapeamento de sucessores, verificar se há pessoas desses grupos e criar planos de desenvolvimento específicos, como mentorias. Na Dengo, todos que chegam recebem treinamento sobre diversidade e mantemos essa cultura para gerar equidade em toda a jornada.

A Dengo se destaca por ter a diversidade não apenas como uma pauta, mas como parte da essência e modelo de negócio, o que permeia todas as áreas. Como essa abordagem se traduz em ações concretas para garantir um ambiente inclusivo e representativo? 

Na Dengo, o tema ESG não é apenas uma pauta; é a forma como a empresa se posiciona no mundo. Essa essência muda tudo. Nossos olhares são direcionados pela materialidade de cada tema para o negócio. A questão racial, por exemplo, é crucial porque o negócio nasceu no sul da Bahia, onde 80% da população é negra. Temos um trabalho contínuo de equalizar ações de desenvolvimento e entrada na empresa, e hoje, um em cada três líderes é uma pessoa negra. Além disso, 47% do nosso quadro geral é composto por pessoas pretas. A questão de gênero também é uma prioridade. Temos uma agenda bem estruturada para atrair, desenvolver e criar espaço para as mulheres, que já representam 55% do nosso quadro e mais da metade em posições de liderança. No comitê executivo, a representatividade feminina também é expressiva. Temos, ainda, foco na população LGBTQIA+, que representa uma clientela e um público interno significativos. A representatividade em todas as camadas e na alta gestão é um exemplo poderoso, pois permite que as pessoas se vejam representadas e acreditem no próprio potencial de crescimento. Além disso, a diversidade na Dengo tem uma conexão muito grande com a saúde mental. Isso porque, para que as pessoas sejam sua melhor versão, precisam ter espaço para ser quem são, sem máscaras. Lideranças inclusivas são fundamentais para abrir esse espaço de fala e acolhimento. Como disse Viola Davis, “Você precisa ser a materialização física dos seus sonhos”. Para mim, isso é muito forte e está ligado à representatividade que me impulsionou na carreira.

Em um mundo cada vez mais complexo e focado em dados, quais habilidades comportamentais considera essenciais para os profissionais de RH que desejam atuar com foco em diversidade, qualidade de vida, impacto social e a agenda ESG? E qual a importância de basear as decisões e ações em dados nesse contexto? 

A principal competência é o autoaprendizado. O mundo muda rapidamente e os desafios são muitos. É preciso aprender, reaprender e desaprender constantemente, especialmente nas pautas de diversidade, equidade e inclusão. Sem a consciência de que não sabemos tudo e a habilidade de buscar conhecimento em diversas fontes, não conseguimos entregar o potencial esperado. É essencial ser uma pessoa que constrói pontes e busca aliados, pois ninguém transforma essa agenda sozinho. Também é importante ter a capacidade de se conectar com contextos de dor e marginalização para realmente gerar impacto. Quanto ao uso de dados, é verdade que algumas ações de RH são mais difíceis de mensurar em resultados tangíveis. No entanto, é fundamental definir uma boa base de indicadores para mostrar a evolução, a transformação e o impacto das iniciativas. Com dados, é possível defender a importância dessas ações e comprovar seu valor para o negócio. Embora nem tudo em RH seja facilmente quantificável, buscar formas de medir e apresentar resultados é crucial para a credibilidade e o avanço da área.

Leia também: Onda anti-DEI terá menos força no Brasil e pode auxiliar a comprovar resultados

Além do seu papel na Dengo, você é fundadora da consultoria Tons Diversidade, mentora na Gerando Falcões e diretora no Instituto Pactua. O que te move a atuar em tantas frentes? Como essas experiências ampliam sua visão de cultura, diversidade e transformação social? E como concilia todas as frentes

O que me move é o retorno significativo que tenho de cada encontro e interação nessas diferentes frentes. Isso me enriquece e dá a certeza de que estou contribuindo para uma sociedade na qual pessoas negras terão mais oportunidades. É um trabalho incansável. Na Gerando Falcões, ver jovens em situação de vulnerabilidade alcançarem seus objetivos, como ingressar na faculdade com bolsa de estudo, não tem preço. Fazer parte da história dessas pessoas é algo que dinheiro nenhum paga. No Instituto Pactua, atuo com uma equipe de voluntários, parceiros que me auxiliam a desenvolver uma liderança por influência, unindo executivos experientes com um propósito comum de transformar realidades. A consultoria Tons Diversidade surgiu em um momento de transição de carreira, incentivada por um mentor. Durante as conversas, percebi que dar treinamentos sobre diversidade era algo que eu faria de graça o dia todo – assim nasceu a consultoria, com o propósito de transformar organizações e negócios. Conciliar tudo isso é desafiador, mas a energia e o retorno que recebo de cada atividade me impulsionam a seguir em frente.

Jornalista apaixonada por ouvir e contar histórias, é especializada em carreira, negócios e RH. Com passagens por Você S/A e Cosmopolitan Brasil, e colaborações para veículos como Época Negócios, Valor Econômico, Exame e Uol, é coautora do livro "O mundo (quase) secreto das startups" e apresentadora do podcast "Sem Crachá".