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Aprendizados para os RH brasileiros com a Grande Renúncia

Diante de uma onda de demissões e um cenário no qual os colaboradores passaram a priorizar cada vez mais a qualidade de vida, empresas abandonam gestão massificada para construção de um relacionamento mais humano e customizado

Luiza Terpins
21 de março de 2022
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Em um país como o Brasil, onde a taxa de desemprego está em torno de 13%, com 13 milhões de trabalhadores buscando uma vaga de trabalho diante da escassez de ofertas, é até difícil imaginar que milhares de pessoas estejam pedindo demissão. Mas esse movimento, que ganhou larga escala nos Estados Unidos e foi batizado com o nome de A Grande Renúncia (Great Resignation), também está presente por aqui.

Segundo dados de um estudo da Lagom Data para a Você/SA, que analisou cerca de 188 milhões de registros de movimentações trabalhistas do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados entre 2016 e novembro de 2021, há quase 500 mil trabalhadores deixando seus postos todos os meses. Isso sem contar as demissões em comum acordo, que não são contabilizadas no material. 

Uma pesquisa realizada em outubro de 2021 pela Robert Half, empresa de recrutamento especializado, também reforça a existência dessa tendência no país, já que, entre 1.161 profissionais ouvidos com mais de 25 anos, 49% pretendem buscar novas oportunidades em 2022. 

Mas como evitar que essa marola vire uma grande onda por aqui? Mesmo que os números não cresçam, trabalhadores insatisfeitos, que por vários motivos não podem se dar ao luxo de pedir demissão, tendem a produzir menos e entrar nas estatísticas de depressão e burnout, pontos que impactam no dia a dia das organizações. E é aí que entram ações e estratégias que podem mudar o jogo. 

Gestão com olhar para individualidade

De acordo com Daniela Diniz, diretora de conteúdo e relações institucionais do Great Place to Work, o recorde nos pedidos de demissões em solo norte-americano acendeu um alerta para empresas que mantêm sua gestão na era industrial e ainda acreditam que a relação entre comando e controle faz sentido na atualidade. 

Uma pesquisa realizada pela McKinsey em países como Austrália, Canadá, Singapura, Reino Unido e Estados Unidos, inclusive, mostra que, enquanto os empregadores consideram questões de salário, equilíbrio entre vida pessoal e profissional, e saúde física ou emocional precária como fatores para o desligamento, 54% dos funcionários alegam como razão o fato de não se sentirem valorizados pela organização (54%) ou por seus gerentes (52%) ou a falta de um senso de pertencimento ao trabalho (51%).

“No recorte das empresas GPTW, muitas estão sentindo esse movimento”, reforça Daniela Diniz. Segundo ela, apesar da taxa de desemprego influir na ideia de que esse cenário não se aplicará no Brasil, o reflexo já começa a aparecer não só no setor de tecnologia da informação, mas em outras áreas com nível de aquecimento forte, como comunicação e marketing. 

“As pessoas pararam para refletir sobre seus empregos por causa da pandemia, o que forçou a uma nova análise sobre o trabalho. Para evitar a evasão, as empresas estão saindo de uma gestão massificada, que perdura desde a revolução industrial, para uma gestão customizada”, explica.

“A troca genuína e saudável é uma forma de evitar a fuga de talentos. Vamos voltar para o ponto da política goela abaixo ou entender caso a caso para saber o que é melhor para cada um?”, resume Daniela.

Na opinião de Marcos Samaha, CEO da Tenda Atacado, “a pandemia trouxe a percepção de que a morte, que quase sempre acontece sem planejamento e hora marcada, estava mais próxima do que podíamos imaginar”. E essa proximidade fez com que passássemos a repensar a equação entre vida pessoal e profissional. 

“Se antes alguém estava disposto a enfrentar 1h30 de trânsito, agora já pensa que talvez valha ganhar menos e estar mais próximo de casa e da família”, resume o líder.

No cenário da pandemia, a liderança da Tenda Atacado se manteve aberta para se adaptar a situações individuais e conseguiu, inclusive, dissuadir o pedido de demissão de uma funcionária da área financeira que precisaria mudar de cidade por uma questão de saúde na família. “Se fosse antes da pandemia, possivelmente aceitaríamos o pedido porque estávamos presos na ideia do presencial. Mas, agora, é uma profissional de tanta qualidade que a gente propôs que continuasse na empresa em home office 95% do tempo e ela topou”, conta Marcos Samaha. “Estamos felizes de ter mantido uma profissional gabaritada que já conhecia muito bem a sua função.”

Na Tenda e em outras empresas atentas a essa mudança de cenários, políticas que antes eram aplicadas para todos, ou segmentadas por áreas e níveis, são agora substituídas por um conjunto de práticas personalizadas: ou seja, quem antes era visto apenas por seu cargo, agora passa a existir como pessoa. 

O que os RHs brasileiros podem aprender com A Grande Renúncia americana

Foi o que ocorreu na Loggi, por exemplo, onde a retomada do trabalho vem acontecendo de três modos distintos  – presencial, online e híbrido –, e é definida de acordo com as necessidades de cada área e as vontades individuais dos colaboradores. Desde o início da pandemia, também, com a percepção de que era preciso se preparar para os desafios que viriam adiante, a empresa passou a realizar com mais frequência pesquisas de pulso que traziam perguntas voltadas ao bem-estar, do tipo: “Quanto há de reconhecimento não financeiro pelas suas contribuições?”, “Qual é o principal motivo que me faz permanecer na Loggi?” ou “Como você se sentiu durante o mês passado?”. 

Como resultado dessa escuta, passou a atuar em pontos que estavam gerando algum tipo de mal-estar. Entre eles, o excesso de reuniões. Diminuiu, assim, o tempo de cada uma delas e promoveu um dia no qual estariam proibidas, em um programa que foi nomeado como “Quarta sem reuniões”. 

Outra ação importante foi criar ferramentas para que o gestor possa liderar sua equipe remotamente. São conteúdos de comunicação e colaboração que abordam o papel do líder e como ele pode perceber, por sinais não verbais, que seu colaborador manifesta sintomas de cansaço e esgotamento.

“Não tem uma reunião onde a gente não comece perguntando ‘como você está’ e temos formas diferentes de fazer isso. Às vezes perguntamos ‘o que fez você sorrir ontem?’ ou ‘qual o maior desafio que você enfrentou na semana passada?'”, explica Mariana Cersosimo, head de desenvolvimento e cultura da Loggi.

“Com a pandemia, a vulnerabilidade passou a aparecer em todos os setores, pois começamos a levar a casa para o trabalho. O líder se tornou mais vulnerável e mostramos para a organização que isso era algo positivo”, explica Mariana. 

Nesse processo, Daniela Diniz concorda que um dos pontos mais importantes é olhar para a liderança, uma vez que é quem estará na linha de frente, ouvindo, conhecendo e buscando engajar seu funcionário. “O líder é o elo para prevenir futuras fugas e precisa se desenvolver nesse novo contexto, com um olhar desenvolvido para um mundo do século 21”, explica a diretora. “É ele quem será o grande maestro e desenvolverá o intercâmbio com o RH.”

Índice de felicidade

Na Hash, empresa de infraestrutura de pagamentos, uma das principais ações diante dos desafios trazidos pela pandemia foi intensificar a conversa com a liderança. Os feedbacks, que aconteciam antes de maneira mais pontual, em reuniões específicas, transformaram-se em rotina. ​​“Reforçamos o olhar e o cuidado com o indivíduo para entender como ele estava se sentindo ou se estava passando por alguma situação específica na vida pessoal que a companhia pudesse auxiliar”, explica Marcela Zaidem, Chief People Officer da companhia. 

Com o retorno dessas trocas, além do apoio para que cada colaborador tivesse liberdade para bloquear sua agenda de trabalho quando precisasse de tempo para atividades pessoais, desde o cuidado com os filhos até a rotina de exercícios, a empresa passou a oferecer um auxílio terapia, com possibilidade de reembolso no valor de até R$ 750 por mês. “Queríamos incentivar as pessoas dentro de um ambiente seguro de trabalho e, quando falo em ambiente seguro, não estou falando apenas do espaço físico, mas também psicológico”, diz Marcela.

O atendimento personalizado permitiu à companhia atender a colaboradores que precisaram mudar de cidade ou mesmo de país – na equipe da Hash, hoje há funcionários na Alemanha, Itália, Polônia e Espanha, sendo que três destes profissionais fizeram a migração durante a pandemia. A única recomendação da empresa, neste sentido, além de uma boa conexão, é que os funcionários se atentem para um fuso de no máximo cinco horas de diferença, o que possibilita momentos de troca.

Na opinião de Renata Rivetti, fundadora e diretora da Reconnect – Happiness at Work, por mais que o cenário no Brasil seja diferente do norte-americano e as pessoas muitas vezes não possam pedir demissão, 72% dos profissionais estão repensando suas carreiras (de acordo com indicador da Infomoney). 

A impossibilidade de desligamento, ainda, é a causa de baixo engajamento, baixa motivação e baixa produtividade, o que resultará em alto índice de turnover.

Uma pesquisa realizada pela Universidade de Oxford, no Reino Unido, inclusive, que foi desenvolvida em conjunto com o Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), nos Estados Unidos, e a Universidade Erasmus de Roterdã, na Holanda, mostra como os funcionários da companhia britânica de telecomunicações BT são 13% mais produtivos quando se sentem felizes. O índice foi medido em um período de seis meses, no qual os participantes avaliaram a própria felicidade semanalmente, enquanto os dados de atendimento telefônico, conversão de chamada em venda e satisfação do cliente eram monitorados em paralelo.

Para Renata, se o trabalho antes era visto como um fardo, algo que fazíamos apenas para pagar as contas, no contexto de pós-pandemia as pessoas não querem mais retornar a um emprego sem propósito, e isso deve ser considerado pelas empresas que não desejam perder colaboradores. “A flexibilidade que ganhamos não pode ser mais ignorada e, quando vem a Covid e a gente se depara com a brevidade da vida, não dá para ter um trabalho que não traga felicidade”, explica.

Mudança de hábito: O que é importante se atentar em termos de retenção de pessoas no novo contexto:

  • A pandemia provocou mudanças e reflexões sobre o que as pessoas esperam de suas vidas, propósito e rotinas, e as levaram a repensar seus trabalhos atuais;
  • Gestão mais humana – processos são importantes, mas peculiaridades individuais fazem parte do dia a dia e é preciso levar em consideração;
  • Vulnerabilidade é importante para construir relações significativas e deve partir da liderança;
  • Saúde emocional: efetividade e performance partem do bem estar e segurança emocional das pessoas, é preciso acompanhar de maneira constante cada pessoa e o clima da organização, implementando rotinas que sustentem.
Luiza Terpins é Editora de Cajuína e Líder de Conteúdo e Comunicação da Caju.