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O papel dos escritórios no mundo pós-pandemia
Colocando em xeque a profecia de que ‘o presencial acabou’, empresas abrem e renovam escritórios em prol de cultura, rituais e integração; espaços, porém, têm de lidar com novas demandas e seguirem se adaptando dentro da flexibilidade exigida pelo ‘novo normal’
No princípio, era o escritório. Antes da pandemia, ele era tudo: o lugar de trabalho e, ao mesmo tempo, o centro da cultura da empresa, onde todos os rituais começavam, aconteciam e terminavam. Durante a pandemia, isso mudou: após décadas de dogmas, muita gente descobriu que podia trabalhar de casa ou de qualquer canto, enquanto as organizações reformularam seus rituais. Houve até quem decretasse que a era dos escritórios tinha acabado.
Três anos depois, é interessante ver como essa profecia se desfaz. Não só porque muitas empresas decidiram voltar ao presencial, mas também pela abertura de novos escritórios, até mesmo por companhias que nasceram na pandemia decididas a serem para sempre “remote-first”. No entanto, voltar apenas para sentar numa baia individual ou se deslocar pela cidade só para fazer reuniões na frente de uma tela não faz muito sentido, não é mesmo? É o que pensa Sarita Vollnhofer, head de People da Alice, healthtech que abriu um novo escritório em São Paulo no final de outubro.
“Para quem trabalha dentro de casa, é melhor gastar tempo com o que traz felicidade e saúde. Por outro lado, apesar de toda a flexibilidade, acreditamos que faz diferença ter um lugar onde as pessoas podem se encontrar, fazer conexões, conhecer seu time, ter um brainstorm em conjunto. Remote first não tem que ser remote only”, defende a executiva, que participou da concepção do novo espaço, em Pinheiros, na zona oeste da capital paulista. Segundo ela, a principal premissa para o novo escritório foi ser um símbolo da cultura da empresa.
Isso vai além de paredes pintadas de magenta (a cor da Alice) ou frases motivacionais espalhadas pelo espaço. Um dos valores da empresa, inspirado num discurso do presidente americano Theodore Roosevelt, é “vamos pra Arena”, buscando incentivar os colaboradores a não ter medo de arriscar. A simbologia é tão forte que o All Hands – encontro regular semanal da empresa – se chama Alice na Arena e o novo escritório tem uma grande sala em formato de arena. Tal como um coliseu romano, o espaço tem capacidade para 200 pessoas e equipamentos como câmeras e instalação acústica preparados para eventos híbridos.
Outras características do espaço, típicas deste “novo normal”, são espaços abertos e colaborativos, sem divisões, em prol da união das pessoas e da inovação. Faz sentido: segundo pesquisa recente do WeWork na América Latina com 8 mil pessoas, por exemplo, 97% dos entrevistados – entre líderes e colaboradores – afirmam que “os escritórios estão intimamente ligados às questões de integração e desenvolvimento humano devido à troca de ideias, convivência e conexões geradas pela interação presencial.”
Não é à toa, portanto, que o novo escritório da Alice tem inúmeras salas de reunião, de diferentes tipos e tamanhos. Todas, porém, contam com uma particularidade em comum: são envidraçadas, para enfatizar o poder da “transparência”, outro valor da cultura da startup de saúde. Ao mesmo tempo, para quem precisar fazer calls, a empresa conta com estações de trabalho individuais que lembram um pouco os antigos orelhões, com o isolamento necessário.
Acústica e tamanho
A preocupação com a acústica, inclusive, é uma das marcas dos escritórios no “novo normal”, diz a arquiteta Patrícia Akinaga, diretora do escritório Studio-MLA, de São Francisco. “As pessoas estão muito mais no telefone agora, mais em reuniões, e isso começa a incomodar muito mais na rotina de trabalho uns dos outros. Muitas empresas vão precisar rever materiais de paredes e tetos, por exemplo, além de adquirir equipamentos especiais de microfone e fones de ouvido com cancelamento de ruído”, afirma a especialista.
A acústica foi uma das principais preocupações do novo escritório da Cobli, aberto em dezembro de 2022, na Vila Olímpia. Antes da pandemia, a empresa ocupava dois andares na região da Avenida Paulista, mas se mudou para um galpão maior na zona sul a fim de acomodar seu crescimento. Antes da mudança, a empresa tentou fazer vários eventos transmitidos a partir de sua sede e os problemas técnicos foram inúmeros. “Vimos aos poucos o quanto era importante investir em microfones, câmeras, enquadramento, buscar tirar o ruído de quem está assistindo mas ao mesmo tempo transmitir a energia de quem está na plateia. No escritório novo, isso virou um pré-requisito”, conta Simone Lima, CHRO da startup de tecnologia para frotas de veículos.
Saber dimensionar o tamanho do escritório foi outro desafio para as empresas neste contexto. No caso da Cobli, foi preciso ponderar o crescimento que a empresa teve durante os dois anos e meio desde o início da pandemia: hoje, o time tem 400 pessoas, quatro vezes mais do que em março de 2020. Além disso, toda a área de supply precisava atender presencialmente ao público da empresa, instalando e resolvendo problemas com os rastreadores veiculares que são seu produto.
Por outro lado, 40% do time está fora da Grande São Paulo – e por algum tempo, a empresa fez eventos presenciais fora de sua sede. “Aos poucos, percebemos duas coisas: que as pessoas queriam se encontrar mais, mas que era ruim ter que alugar espaços de coworking ou salas que não eram nossas para fazer isso. Por isso e também para poder estocar nossos produtos, que são físicos, decidimos ter o escritório”, diz Simone sobre o espaço, capaz de abrigar 140 pessoas por dia.
Já no caso da farmacêutica Roche, que inaugurou um novo escritório de cinco andares na zona sul paulistana no início de 2022, a dimensão foi um pouco maior: “seguimos direcionais e estudos globais para termos entre 60% e 70% do time no escritório diariamente”, conta Regina Moura, líder de comunicação e digital da empresa no Brasil, que tem cerca de 1,5 mil colaboradores por aqui. Na organização, os funcionários hoje devem comparecer presencialmente em pelo menos dois dias por semana, com alguma liberdade para escolher em quais deles poderão “trabalhar de pijama”.
Fronteiras borradas
O espaço da Roche, que atua há 90 anos no Brasil, foi também influenciado por outra tendência deste novo normal: o escritório com “cara de casa”. “Como uma empresa que pensa no bem-estar dos funcionários, temos de criar ambientes agradáveis de se atuar, com decks ao ar livre, muitos pufes e sofás, estruturados para que o dia a dia tenha movimento e conforto”, diz Regina.
A tendência não chega a ser uma surpresa: afinal de contas, o canto do cafezinho sempre foi uma espécie de “cozinha” dentro das empresas. Mas essa novidade na decoração corporativa vai um pouco além disso. “Muitas empresas têm apostado em áreas abertas, mas isso funciona bem para reuniões. Depois, as pessoas preferem ficar em áreas mais sociais, que tentam reproduzir ambientes da casa das pessoas, como cozinhas e copas bacaninhas ou um sofá de lounge com televisões – e quem vem com laptop trabalha direto do sofá”, afirma a arquiteta Patrícia Akinaga, que já vê a tendência se espalhar por escritórios na Califórnia.
É um movimento que encontra eco nas demandas dos funcionários: na mesma pesquisa já citada do WeWork na América Latina, 37% dos entrevistados diz considerar fundamentais as áreas “de descanso e recreativas” nos escritórios, desfazendo aquela máxima de que trata-se de “só um lugar para trabalhar”.
No espaço da Alice, essa característica se refletiu em “uma copa e um jardim super gostosos”, bem como “um rooftop bem bacana”, nas palavras de Sarita, além de locações que incentivem a saúde, o esporte e o bem-estar, valores oferecidos aos clientes que também são inseridos na cultura da empresa. Já na Cobli, com escritório recém-aberto, há estudos para adaptar o local para comodidades que as pessoas eventualmente têm em casa, como “comida e bebida disponíveis ao longo dia, espaços para fazer as unhas ou que sejam pet-friendly”, afirma Simone.
Teste, teste, teste
Em todas as empresas ouvidas para essa reportagem, um sentimento é comum: o de que não há respostas definitivas e que tudo precisa ser testado. Na Roche, por exemplo, o escritório não tem nenhum tipo de divisão, sem mesas ou lugares fixos – mas esse sistema precisava de ajustes. “Com o tempo, percebemos que a equipe tinha dificuldades de encontrar pares dos setores. Por isso, criamos “vizinhanças”, em que equipes de áreas especialistas possam ser localizadas com facilidade”, diz Regina, cujo time de comunicação costuma se sentar em uma ala do 5º andar.
Além disso, pessoas diferentes podem ter necessidades diferentes. É inegável que muita gente goste de ter seu próprio cantinho na empresa, como uma mesa cativa para se sentar todos os dias. Segundo Patrícia, é uma demanda que parte das pessoas têm feito nos EUA. No entanto, é preciso que esse pedido tenha base na nova alocação dos escritórios – o que tem feito, de acordo com a arquiteta, que muitas empresas permitam que os colaboradores reservem suas mesas, desde que se comprometam a ir presencialmente pelo menos três vezes por semana. A adesão ainda está em testes, diz ela.
Outro teste na Roche para aproximar as pessoas foi a criação do Dia da Comunidade, que cria uma escala para diferentes equipes se encontrarem no escritório, a fim de que todos tenham pelo menos uma interação a cada três meses. O projeto, que visa destravar o potencial criativo e de inovação a partir dos diferentes encontros, foi baseado em um estudo da Harvard Business Review. Segundo Regina, porém, era preciso algo mais. “Percebemos que era necessário um momento em que estivéssemos juntos para celebrar a cultura. É o Dia da Reconexão, em que todos os colaboradores são recebidos com café da manhã e podem trabalhar juntos na nossa sede”, diz a executiva.
No caso da Alice, o escritório teve um time de “beta testers” antes de ser aberto para a empresa toda, com pilotos de utilização das diferentes áreas do espaço. No entanto, a mentalidade iterativa segue dentro da empresa – e a head de People Sarita não refuta nem mesmo a possibilidade da startup ter outro espaço em São Paulo para dar ainda mais flexibilidade ao time. “Tudo vai depender para o futuro”, diz ela, aberta para as possibilidades.
É uma expectativa que muita gente tem: no levantamento do WeWork, 78% dos funcionários das empresas e 89% dos executivos disseram que mudariam de emprego devido a questões de flexibilidade. É justamente nessa palavra que parece existir uma das poucas certezas sobre o futuro: enquanto não se sabe como ele vai ser, importante é seguir se adaptando – nem que para isso seja necessário espalhar umas cadeiras para o canto.
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