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Flexibilidade e intencionalidade são chaves para estratégias de remuneração e benefícios
Oferecer possibilidades de personalização e incentivos corretos devem ser principais apostas das organizações para atrair e reter talentos em meio a escassez de recursos e competitividade no recrutamento, dizem participantes do SOMA, evento realizado por Caju, Pipo Saúde e Comp
Muita coisa mudou nos últimos cinco anos para as organizações: a pandemia não só escancarou necessidades prementes, como também estabeleceu novas dinâmicas de trabalho: só para citar um exemplo, o trabalho remoto, que era realidade de poucos, se transformou em sonho de muitos. Novas prioridades também surgiram quanto à remuneração, benefícios e qualidade de vida – e muita gente passou a colocar questões não financeiras na balança na hora de decidir ficar numa empresa ou procurar uma nova vaga. Diante desse cenário, muitas companhias ainda vivem dilemas como o de encaixar esse volume crescente de demandas dos colaboradores dentro de um orçamento que faça sentido com a realidade econômica.
Esses foram alguns dos temas discutidos dentro da primeira edição do SOMA – Encontro de Remuneração e Benefícios, evento realizado nesta semana em São Paulo por Comp, Pipo Saúde e Caju. Em três mesas de discussão que contaram com a participação de executivos de companhias como Gerdau, Unilever, Heineken e Nubank, duas coisas ficaram claras.
A primeira é que a colaboração entre diferentes empresas é fundamental para que esses desafios sejam transpostos de maneira mais fácil. A segunda é que as soluções para lidar com questões de remuneração e benefícios passam diretamente por palavras como “flexibilidade” e “intencionalidade”, ambas responsáveis por atender aos desejos que colaboradores têm de suas organizações e vice-versa. Foi uma tarde cheia de ideias, em que temas como inovação, diversidade, comunicação, tributação e legislação também fizeram parte das discussões – e que a Cajuína teve a oportunidade de acompanhar, trazendo aqui um resumo dos papos mais interessantes que rolaram por lá.
Flexibilidade e uso de dados regem bom uso dos benefícios
“A área de benefícios foi a que mais teve evidência no RH desde o começo da pandemia. Todos nós somos regidos por uma entidade superior chamada orçamento, mas o mercado de trabalho mudou radicalmente. Hoje, não tem como ter benefício que não tenha valor para as pessoas”, pontuou Giuliano Neri, diretor de planejamento de pessoas no Grupo Heineken. Sua fala, bem no início do primeiro painel do SOMA, deu o tom da conversa “O que levar em consideração na escolha e manutenção do pacote de benefícios?”, que contou ainda com a participação de Petr Hon, diretor de people experience na Unilever, e a mediação de Dalal Abi Ghosn, head de produtos e estratégia de RH na Caju.
Todos nós somos regidos por uma entidade superior chamada orçamento, mas o mercado de trabalho mudou radicalmente. Hoje, não tem como ter benefício que não tenha valor para as pessoas
Na visão de Hon, da Unilever, não faz mais sentido ter um plano universal de benefícios para todas as pessoas. “Tem que definir quem são as suas personas, fazer pesquisas e focus groups, buscando falar com diferentes gerações e também com diferentes níveis hierárquicos”, disse o executivo. Na Unilever, por exemplo, os benefícios são flexíveis a partir de um sistema de pontos: dependendo da senioridade do colaborador, ele tem direito a um determinado número de pontos, que pode usar de maneira personalizada para suas prioridades. “Partimos de uma base igual para todos, mas o colaborador pode escolher se quer um upgrade no plano de saúde ou mais verba dentro do vale alimentação, por exemplo”, explicou Hon.
O executivo da Unilever também lembrou que investir em benefícios pode fazer parte de uma engenharia financeira para ajudar na retenção dos colaboradores. “Quando você investe R$ 1 em salário, tem que adicionar mais 37% em tributos. Já em benefícios, a cada R$ 1 que você investe, todo o valor trabalha na retenção do empregado e na sua família, no caso de os benefícios se estenderem aos dependentes”, comentou Hon, sempre fazendo a ressalva de que é importante obedecer à legislação trabalhista, considerada pelos painelistas como um desafio para a flexibilização.
“Em países desenvolvidos, a quantidade de benefícios oferecidos é menor, mas aqui no Brasil, há um arcabouço fiscal que leva as empresas a ter essa quantidade elevada de opções”, destacou Neri, da Heineken. Em sua fala, o executivo destacou ainda que mesmo sem um modelo tão aberto quanto o do colega de painel, é possível atender melhor às demandas das pessoas. “Há alguns anos, uma pessoa havia alcançado a gerência, cargo que dava direito ao automóvel, mas ela não tinha carteira de habilitação. Antigamente, não tínhamos resposta para isso, mas hoje trabalhamos com um cartão mobilidade, por exemplo”, comentou o executivo da cervejaria.
Tanto Neri quanto Hon ressaltaram ainda que hoje os RHs precisam fazer uso de dados para compreender bem o valor dos benefícios. Durante o painel, o executivo do Grupo Heineken citou como exemplo a telemedicina, cujo uso caiu drasticamente desde a retomada após a pandemia. “Eu tinha um investimento alto nesse benefício e acabei recuando, porque o uso estava muito baixo”, declarou. Hon, por sua vez, trouxe outras práticas. “Hoje, como nós temos trabalho híbrido, com presencial em apenas dois dias da semana, nós também reduzimos o valor da verba de vale transporte, uma vez que as pessoas precisam ir menos ao escritório”, comentou o diretor de people experience da Unilever.
E por falar em trabalho presencial, as discussões sobre modelo de trabalho não ficaram de fora da mesa – até porque, segundo pesquisa recente feita pela Pipo Saúde com mais de 500 organizações, o trabalho remoto só perdeu para o plano de saúde na prioridade dos colaboradores como “benefício”. Embora a rigor não seja um benefício, o “home office” está cada vez mais na cabeça das pessoas e pode ser um diferencial para as empresas. Para quem precisa de exemplos, o Grupo Heineken, que hoje atua 100% remoto nas áreas administrativas, dá o tom: “É algo que tem sido um diferencial na atração e retenção de pessoas. No final de 2022, o turnover estava perto de 20%. Em 2023, com a manutenção dessa política, fechamos em 10%, além de vermos o retorno de muita gente que tinha deixado a empresa e decidiu voltar por conta dessa flexibilidade que oferecemos”, destacou Giuliano Neri.
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Algoritmos podem mudar remuneração, mas é preciso lembrar que área é ‘humana’
Se o cenário dos benefícios mudou bastante ao longo dos últimos anos, o mesmo não se pode dizer em torno da área de remuneração. “Tenho 20 anos nesse mercado e vi poucas disrupções em termos de modelos de remuneração fixa ou variável, por exemplo”, comentou Filipe Ducas, executivo sênior de remuneração da Comp. Ele participou do segundo painel do SOMA ao lado de André Rodrigues, diretor global de remuneração, performance e mobilidade da Gerdau – a mesa, por sua vez, foi mediada pelo consultor Marco Santana, da ERX Consulting.
Na visão de Ducas, porém, o futuro traz possibilidades interessantes a quem se dispuser a inovar – e um primeiro passo para fazer isso é trocar figurinhas. “Um bom profissional de remuneração tem que ter networking e saber o que está acontecendo no mercado: muitas vezes, o problema é o mesmo e a única coisa que muda é o CNPJ”, destacou o executivo, que já passou por empresas como OLX, XP e IBM. Para ele, um dos modelos interessantes que as empresas precisam definir na hora de atrair e remunerar seus talentos é optar por uma das três letras da sigla BBB, em inglês: “build” (construir), “buy” (comprar) ou “borrow” (emprestar). “Empresas que resolvem construir talentos internamente podem ter remuneração mais baixa e direcionar orçamento para treinamento; já quem vai comprar skills tem que ter remuneração agressiva; e é preciso entender ainda que tipo de tarefas vão ficar na mão de consultorias, sendo intencional nos processos”, afirmou.
Para entender esse modelo, porém, é preciso pensar não só nas necessidades do negócio, mas também no impacto cultural que cada escolha dessas vai representar. Cultura também é um tema importante quando as empresas decidem fazer testes de flexibilização da remuneração, permitindo que os colaboradores, por exemplo, troquem parte do salário fixo por um incentivo de curto prazo turbinado – como um bônus maior no final do ano. “Não é todo setor que vai ter esse apetite, mas já temos cases bacanas no mercado financeiro, que é uma área com maior apetite a risco”, destacou Ducas.
Já Rodrigues, da Gerdau, mostrou que a flexibilidade também é importante na hora de discutir incentivos de longo prazo. Durante o painel, ele citou o case de um programa da empresa que permitia que os colaboradores trocassem parte da remuneração variável do final de ano pela compra de ações da Gerdau – e para cada ação comprada, a companhia cederia outra, com liberação após um prazo de três anos (o chamado “vesting”). “Achávamos que era ótimo, mas o programa teve baixa adesão. Ouvimos as pessoas e descobrimos que o problema era ter apenas uma opção. Aí mudamos para três níveis diferentes, com correspondência que iria de 0,5 ação até 1,5 ação, dependendo do valor aportado”, contou o executivo da siderúrgica. “A adesão estourou, simplesmente porque as pessoas se sentiram livres para escolher. Às vezes, é preciso testar novas formas de remunerar.”
O diretor de remuneração da Gerdau também pontuou que o uso de inteligência artificial pode ajudar a tornar a área de remuneração mais eficiente, especialmente no momento de tomada de decisões. Rodrigues comentou que, neste momento, a empresa utiliza um sistema em parceria com a Comp para entender como pode distribuir seu orçamento de reajustes salariais de maneiras mais inteligentes do que apenas aplicar um valor igual para todos. “Além da restrição de orçamento, nosso ambiente de trabalho não é uniforme e a realidade das pessoas é distinta”, defendeu. Por outro lado, o executivo também fez um chamado aos presentes. “A área de remuneração não é uma área de número, mas sim de pessoas. Quando se comunica uma promoção ou um reajuste por mérito, é preciso olhar nos olhos da pessoa para ver quanto aquilo de verdade causa impacto nela e na sua família.”
A área de remuneração não é uma área de número, mas sim de pessoas. Quando se comunica uma promoção ou um reajuste por mérito, é preciso olhar nos olhos da pessoa para ver quanto aquilo de verdade causa impacto nela e na sua família.
Incentivos e intenções são importantes na hora de repensar pacote
“O objetivo central da área de benefícios é ajudar as pessoas a serem mais produtivas e engajadas, menos distraídas e estressadas, de maneira que elas possam ser sua melhor versão na hora de trabalhar”, lembrou KJ Williams, head global de rewards do Nubank, em uma de suas primeiras frases no terceiro painel. A frase do executivo americano estabeleceu bem o debate da conversa, cujo tema central era “Como encarar benefícios como parte do total compensation?”. Além de Williams, participaram do papo a CEO da Pipo Saúde, Manoela Mitchell, com mediação do CEO da Comp, Christophe Gerlach.
A frase de Williams foi uma resposta à uma provocação inicial de Manoela, que abriu o painel dizendo que os RHs, de maneira geral, comunicam mal o valor do que ela chama de “total compensation” – isto é, o agrupamento não só da remuneração, mas também dos benefícios. Além disso, segundo Manoela, muitos RHs hoje em dia gostam de dizer que tem “25 benefícios diferentes”, mas a CEO da Pipo Saúde questiona a efetividade desse modelo. “Será que as pessoas lembram de todos os benefícios? E quando você pensa nas operações disso, será que faz sentido manter 25 vezes o mesmo processo?”, indagou a executiva.
Para ela, o futuro consiste em investir em um número menor de benefícios, mas que tragam real valor para as pessoas – e também para as companhias. “Uma das grandes lições que aprendi como empreendedora é que incentivos direcionam o comportamento das pessoas, e acredito que a gestão de benefícios está muito relacionada a esse ponto”, declarou Manoela. Williams, do Nubank, por sua vez, bateu na mesma tecla. “O processo de alocação dos benefícios tem que vir não só do que é obrigatório por lei, mas também da cultura e do entendimento do que importa para cada empresa”, afirmou ele.
Uma das grandes lições que aprendi como empreendedora é que incentivos direcionam o comportamento das pessoas, e acredito que a gestão de benefícios está muito relacionada a esse ponto.
O executivo do banco digital também dissertou a respeito de outro ponto importante sobre benefícios: além da disponibilidade, é preciso comunicar seu valor para as pessoas. “Benefícios não devem ser vistos apenas como algo obrigatório, mas também como algo que gera valor. Para mim, o ponto mais importante é mostrar para as pessoas o custo que ter um benefício semelhante gera para as pessoas, como plano de saúde, ou então a quantidade de trabalho que elas evitaram ter porque a empresa cuidou de uma tarefa”, afirmou.
Na visão de Williams, que veio especialmente de Nova York para o evento, além do “como”, importa também quando comunicar a importância dos benefícios – algo que muitas empresas fazem apenas no processo de contratação. “Gosto de pensar que a comunicação tem de acompanhar dois ciclos: um é o ciclo de vida do empregado na organização, enfatizando os benefícios na jornada dele na empresa. O outro ciclo tem a ver com as mudanças de vida pessoal, como casamento ou ter um flho”, disse. “Cabe às organizações prever esses momentos e realçar seu poder.”
Para Manoela, a comunicação também é um ponto importante no que diz respeito à transparência das empresas, especialmente em um cenário de recursos financeiros limitados e alta dos custos em benefícios específicos, especialmente aqueles relacionados ao tema da saúde. “É preciso trazer essas conversas difíceis para a mesa agora, porque senão talvez a gente não tenha mais um ponto de retorno nem ferramentas para lidar com o assunto”, declarou a CEO da Pipo Saúde, ao final do evento.
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