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Vagas afirmativas e a equidade no mercado de trabalho

Em busca de um quadro de colaboradores mais diverso, empresas aumentam ofertas de oportunidades para grupos minorizados

Luiza Terpins
2 de maio de 2022
Procura-se equidade: a importância das vagas afirmativas no mercado de trabalho
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“Procuramos pessoas com: 1. Experiência prévia no gerenciamento de equipe; 2. Interesse e facilidade de trabalhar em ambiente dinâmico; 3. Facilidade nas relações interpessoais; 4. Capacidade de trabalhar por meio de ferramentas digitais.”

Os requisitos acima provavelmente soam familiares a qualquer um que esteja empregado ou já tenha passado pelo processo de procurar emprego. A diferença desta vaga – e de tantas outras que são anunciadas nos sites e redes sociais –, no entanto, é a informação que a acompanha: “oportunidade exclusiva para pessoas negras.”

Embora anúncios como este já apareçam com mais frequência nas buscas atuais, assim como os postos voltados a mulheres e pessoas LGBTQIA+, entre outros grupos minorizados, essa é uma prática recente e que ainda gera polêmicas. O LinkedIn, rede que concentra boa parte destas ofertas, por exemplo, só passou a permitir oficialmente o anúncio de vagas afirmativas em março deste ano e a revisão de seu posicionamento ocorreu apenas após questionamentos do Procon de São Paulo e do Ministério Federal.

“Atualizamos nossa política global de anúncios de vagas para permitir a divulgação de publicações que expressam preferência por profissionais de grupos historicamente desfavorecidos na contratação em países onde esta prática é considerada legal. Fazer a coisa certa é importante e estamos comprometidos em continuar aprendendo e melhorando”, a plataforma explicou à Cajuína em comunicado.

No Brasil, a prática faz parte da legislação desde 2010, quando foi publicada a lei nº 12.288, que garante à população negra a efetivação da igualdade de oportunidades por meio de, entre outras iniciativas, a “adoção de medidas, programas e políticas de ação afirmativa”.

Para Liliane Rocha, fundadora e CEO da Gestão Kairós, consultoria de sustentabilidade e diversidade, ações como estas são importantes para reparar danos. “O Brasil tem 134 anos de abolição em um processo que ocorreu sem políticas públicas de trabalho, educação e moradia e chegamos a 2022 com um abismo de igualdades e direitos”, diz.

Procura-se equidade: a importância das vagas afirmativas no mercado de trabalho
Liliane Rocha, da Gestão Kairós: “Vagas afirmativas são importantes para reparar danos” (foto: Mario Bock/Divulgação)

Durante dois anos, inclusive, sua empresa conduziu a pesquisa ‘Diversidade, Representatividade & Percepção – Censo Multissetorial da Gestão Kairós, que ouviu 26.619 pessoas, entre líderes, liderados, aprendizes e estagiários de empresas. O estudo constatou que os homens são 68% dos funcionários, sendo 64% brancos, 94,6% heterossexuais, 99,6% cisgênero e 97,3% sem deficiência. Também mostrou que, embora 84% dos entrevistados tenham afirmado ver valorização da diversidade de gênero dentro das companhias, apenas 32% do quadro de colaboradores é mulher, percentual que vai para 8,9% considerando negras, 6% quando se trata de lésbicas, gays e bissexuais e apenas 0,4% pessoas transgênero. Funcionários negros, por sua vez, representam 33%, sendo amarelos 2,5% e indígenas somente 0,9%.

“A gente vem avançando em comunicação, sensibilização, diálogo, debate, mas quando olhamos para os números, que mostram a ação, aí está o grande gargalo e a grande dificuldade”, resume Liliane. Um passo para reverter essa situação, no momento de contratação, segundo ela, é rever a régua, valorizando mais experiências profissionais – “algo que a população humilde possui de sobra” – e soft skills, com olhar para pessoas resilientes e com capacidade de adaptação.

“Nunca vai acontecer”

Em 2013, quando criou o TransEmpregos, portal que promove e auxilia a contratação de pessoas trans, a advogada Marcia Rocha chegou até mesmo a ouvir que ninguém recrutaria travestis para nenhuma vaga. “Se contratarem um, já estará valendo”, ela respondeu à época. Já em 2015, no entanto, foram algumas dezenas de pessoas contratadas e, em 2021, 797. “A evolução foi enorme e a cada ano aumenta”, comemora. Atualmente, a iniciativa conta com a parceria de mais de 140 multinacionais, entre elas Itaú, Avon e Microsoft, que ao fazerem parte do Fórum LGBTI+, criado pelo portal, se comprometem a recrutar pessoas destes grupos.

“As ações afirmativas existem há bastante tempo e são fundamentais. É muito melhor quando temos vagas exclusivas e um pessoal preparado para receber e trabalhar os currículos, porque obviamente a facilidade de contratação é maior”, explica Marcia.

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Marcia Rocha, da TransEmpregos: “Cheguei a ouvir que ninguém contrataria travestis” (foto: Divulgação)

Na prática

Mesmo assim, quando o Magazine Luiza lançou seu primeiro trainee voltado para pessoas negras, em 2021, com o objetivo de combater os efeitos acumulados pelas discriminações ocorridas no passado, houve quem criticasse a postura, acusando a empresa de racismo.

Na ocasião, Frederico Trajano, CEO da companhia, divulgou uma carta aberta na qual dizia que, apesar de mais da metade dos 40.000 funcionários serem negros ou pardos, esse número caía para 16% quando se tratava de representantes da liderança. Em dez anos de programas de trainees, ainda, nos quais se formaram 250 profissionais, apenas 10 eram negros.

“A gente entendeu que seria uma forma de trazer pessoas para desenvolver rapidamente uma liderança. A formação deles é muito completa e isso faz com que eles fiquem aptos a se tornar líderes”, explica Fernanda Chapot, gerente de gestão de pessoas do Magalu. Os 19 profissionais que passaram pelo primeiro programa já foram contratados oficialmente pela empresa e a companhia já iniciou novos trainees com este recorte.

Além disso, o Magazine Luiza segue divulgando vagas afirmativas pontuais e investindo em outros programas voltados a minorias, como o Luiza Code, curso de formação em tecnologia ofertado exclusivamente para mulheres, sendo que 50% das vagas são para negras.

“Fizemos uma pesquisa em setembro de 2021 para todos os colaboradores do Magalu e foi interessante ver que tivemos um aumento no percentual de colaboradores autodeclarados. Vimos essa mudança como efeito do fortalecimento da inclusão de negros na empresa”, diz Fernanda.

Para mudar esse cenário, a empresa também vem atuando na preparação dos líderes que participam do recrutamento. “Todo mundo tem seus vieses e eles interferem demais quando estamos falando de processo de seleção de pessoas negras”, justifica Fernanda. Entre os pontos que foram trabalhados, além da indicação para que a formação (o curso ou a universidade) não fossem vistos como filtros, estava a de que o processo seletivo não deveria ser focado em histórias de superação, algo comum em entrevistas para essa parcela da população. “Foi um aprendizado para nós entender como ouvir a história dessa pessoa pelo seu potencial e o que ela tem a contribuir”, explica a gerente.

“A gente ainda vai chegar em um patamar onde não será mais necessário trabalhar com vagas afirmativas, mas enquanto não tivermos equilíbrio dentro do quadro de colaboradores, este é o caminho para chegar lá.”

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Fernanda Chapot, gerente de gestão de pessoas do Magalu

E é esse mesmo pensamento que vem movendo outras empresas na criação de ações afirmativas. Cynthia Tamura, Head de Gente, Gestão & Sustentabilidade da Unidas, confessa, no entanto, que tinha muito receio em trabalhar com vagas afirmativas no início por medo de qual seria a reação dos colaboradores e clientes. “A gente trabalha com muitas posições que historicamente vêm sendo ocupadas por homens”, diz ela, que assumiu o compromisso de que a empresa refletisse, minimamente, até 2023, a demografia brasileira, atingindo o percentual de 51% de mulheres. 

Para isso, a Unidas está investindo em programas como o Unidas na Tech, um estágio em TI só para mulheres, uma vez que, nesta área, elas são apenas 10%. “Nós contratamos 16 mulheres estagiárias com qualquer tipo de formação porque a gente se propôs a fazer toda a capacitação delas dentro do programa de estágio, com carga horária bem robusta para que iniciassem a carreira”, explica.

Em 2020, quando lançou a meta, a Unidas percebeu que, sem as ações afirmativas, nenhuma mudança iria ocorrer. “Não vimos nenhum avanço e percebemos que não iríamos sair do lugar”, diz Cynthia, que viu o número de mulheres na liderança crescer cada vez mais após a adoção dessas medidas – o número saltou de 33%, em 2019, para 45%, em 2021.

Não é incomum, nesse sentido, que Cynthia acerte com o CEO que uma determinada vaga de diretoria será preenchida por uma candidata mulher, uma combinação interna que vem garantindo uma companhia mais diversa – e equilibrada.

“No pool de candidatos para qualquer vaga, sempre apresentamos uma amostra que tenha pelo menos uma mulher e um PCD”, explica a head. “As vagas são uma solução transitória para um problema crônico. É uma forma de acelerar o processo de equidade dentro das empresas”, conclui.

Luiza Terpins é Editora de Cajuína e Líder de Conteúdo e Comunicação da Caju.