Especialista em felicidade corporativa discute a importância das empresas pensarem no bem-estar dos colaboradores, valorizando relações de trabalho e equilíbrio entre vida pessoal e profissional

*André de Almeida
Propósito. Tenho escutado muito esta palavra nos últimos tempos. Há bastante tempo tenho escutado, também, o termo ética. Quando olho para os lados, no entanto, o mundo continua me parecendo um tanto quanto caótico, eticamente problemático e, por vezes, sem sentido. Falar é uma coisa, falar e fazer é um jogo bem diferente.
Mas fazer o que, exatamente? Essa é uma boa pergunta, já que quando escuto o termo propósito em contextos corporativos, o escuto sendo utilizado em um sentido turvo, difuso, tão geral e amplo que significa tanta coisa que corre o risco de não significar nada. Algo que soa como uma boa ideia, mas ninguém sabe exatamente que ideia é essa.
Cabem, então, alguns esclarecimentos. Em sua etimologia, propósito vem do latim “prospoĭtum”, que remete à duas ideias. Uma é intenção, no sentido de se ter um objetivo (um propósito) e buscá-lo. A outra se refere à razão de ser, da existência de algo.
O fato de soar como uma boa ideia, em parte, ocorre pois intuitivamente compreendemos que propósito é algo que nos move. Nos leva à ação. Somos movidos por intenções e objetivos, alguns conscientes, outros inconscientes; alguns saudáveis, outros nem tanto. Tenho o objetivo de ter em casa os alimentos necessários para a próxima semana, e este propósito me leva a ir ao supermercado comprar o necessário (e às vezes alguns itens totalmente desnecessários). Tenho a intenção de ter uma carreira bem sucedida, então trabalho duro e estrategicamente de forma a cumprir com excelência o que de mim se espera enquanto líder na empresa (interessante observar que “o que de mim se espera”, por vezes, acaba não sendo benéfico nem para mim nem para os outros). Propósitos, neste significado, não faltam.
Quando a ideia de propósito entra para agenda corporativa, porém, não é em busca deste significado anterior, já que sempre tivemos muitos propósitos deste tipo e palestras, aulas e artigos não são necessários para isso. A busca é de uma ordem mais profunda, fundamental. Busca esta que me lembra o título de um livro do psicólogo Viktor Frankl, “Em busca de Sentido”.
Chegaremos em “sentido”. Antes, voltemos à discussão sobre propósito como esta é colocada atualmente em contextos corporativos, pois ela, me parece, é problemática. O problema é que a falta de clareza e precisão acerca do que está sendo buscado gera mais balas perdidas do que sucessos. Como acertar um alvo quando não sei onde ele está?
Apesar de turvo, o uso do termo em contextos corporativos vai em uma direção clara: propósito como, de uma forma ou de outra, contribuição à sociedade. Tenho metas individuais a cumprir, objetivos de carreira para alcançar e objetivos organizacionais aos quais me esforço para contribuir. Mas, mesmo se bato as metas, alcanço os objetivos de carreira e a organização vai muito bem obrigado, fica faltando algo. Basta perguntar aos fundadores e proprietários das grandes empresas que temos Brasil afora.
Isso significa dizer que apesar dos sonhos que tenho desde cedo, que meus pais, professores e outras referências validaram como legítimos, ainda assim está faltando algo? Ouso trazer à sua consciência, com a sua licença, que não apenas está faltando algo, está faltando “O” algo. E já que é para falar de propósito, vamos à verdade nua e crua. Prometo fazê-lo de forma suave, para tornar a verdade mais palatável. Neste sentido, começo por esclarecer o que conecta os dois significados etimológicos do termo.
O termo em sua origem, no latim, possui os dois componentes mencionados, pois um precisa do outro para se concretizar. O componente “busca por um objetivo”, que nos move à ação, viabiliza a busca por nosso objetivo mais fundamental e inescapável. Isso faz deste componente um meio, para atingir um fim maior. Esse fim é explicitado pelo outro componente do termo em latim, de nos desenvolvermos na direção de nossa razão de ser, de existir. Etimologia é interessante em sua característica de explicitar obviedades. Se tenho uma razão de ser, de existir, me mover na direção desta é o que tenho de mais importante a fazer nesta coisa chamada vida.
Neste segundo sentido, mais profundo, o termo propósito remete de maneira imediata à busca por sentido. Como colocar algo fundamental e indispensável em poucas palavras? Desafiador. Serei, então, modesto e comedido em minha elaboração. Incorrendo no risco de ser enigmático. Melhor do que ignorar a falta de clareza e a imprecisão acerca do “propósito”, e as implicações (por vezes trágicas) que disso decorrem. Ilustro o aspecto trágico da coisa. A enfermeira Bronnie Ware, em seu livro “Antes de Partir: Os Cinco Principais Arrependimentos que as Pessoas têm Antes de Morrer” relata sua experiência profissional como enfermeira especializada em pacientes com doenças terminais. Após décadas auxiliando pessoas em seus últimos meses de vida (pacientes já conscientes de que a morte seria inevitável) e ouvir as reflexões delas em momento de tanta sensibilidade, Bronnie compilou no livro os arrependimentos mais comuns de pessoas com doenças terminais. Você consegue imaginar qual é o principal arrependimento destas pessoas? A autora nos conta: “eu gostaria de ter vivido uma vida na qual eu tivesse sido mais fiel a mim mesmo”. Constatar isso nos momentos finais após viver uma vida inteira sem fazê-lo é um tanto quanto trágico, concorda? Não se preocupe, ainda há tempo.
Novamente, serei suave. Outros filósofos, como Albert Camus, foram bem mais contundentes do que o serei. Temos todos um vazio dentro de nós. Caso não utilizemos a bússola adequada, as chances de nos perdermos em uma jornada a la Dom Quixote se tornam altíssimas.
Suspeito que provocar o efeito de trazer ao consciente algumas das questões sedimentadas no inconsciente, sem o devido tratamento e encaminhamento destas, mais atrapalharia do que ajudaria. Por esta razão concluo este artigo com uma citação do gênio Albert Einstein:
Todo mundo é um gênio. Mas se você julgar um peixe por sua capacidade de subir em árvores ele passará toda a sua vida acreditando ser um idiota.
Interessante notar o duplo sentido desta ideia, ambos nos remetendo à noção de liderança em sua prática cotidiana. Se todo mundo é um gênio, nós também o somos. Mas somos singulares em nossa genialidade. Temos nosso próprio estilo, que inescapavelmente precisa ser respeitado para que alcancemos a excelência no que nos propusermos a fazer. Na medida em que me endereço neste texto a líderes, apresenta-se o sentido no qual sua excelência enquanto líder é diretamente proporcional à sua sensibilidade de reconhecer a genialidade em seus liderados. Ser líder significa ser uma referência, no nível simbólico, para aqueles que você lidera. Traços de genialidade, todos nós temos. Gênios de fato são aqueles que são capazes de reconhecer a genialidade dos outros, e com coragem e esforço, vencem as próprias inseguranças para enxergarem que o potencial dos outros são pedacinhos de nós mesmos que ainda não nos tornamos.
*André de Almeida é Professor de Filosofia na Fundação Dom Cabral. É também Conselheiro Filosófico, certificado pela American Philosophical Practitioners Association (APPA). Por 5 anos foi Professor de Filosofia da University of Sussex, no Reino Unido. Atuou como consultor das Nações Unidas (ONU). É mestre e Ph.D. em Filosofia pela University of Sussex. É autor do livro Agent Particularism: The Ethics of Human Dignity.
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