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Por que estão falando tanto… de certificações que não trazem retorno

Um estudo recente mostra que nem todas as certificações geram impacto direto na carreira ou na remuneração. Para o RH, é a chance de repensar estratégias e investir em formações que realmente impulsionem pessoas e negócios.

Bruno Capelas
25 de setembro de 2025
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O que você precisa saber

Nos últimos anos, as certificações profissionais se tornaram uma espécie de “atalho” para quem busca avançar na carreira. Plataformas de cursos online, universidades renomadas e até empresas de tecnologia passaram a oferecer milhares de credenciais que prometem abrir portas, aumentar salários e garantir novas oportunidades. O apelo é forte: são cursos de curta duração, muitas vezes acessíveis financeiramente e voltados a competências muito demandadas pelo mercado.

Mas uma nova pesquisa feita nos EUA mostra que a promessa nem sempre se cumpre na prática. Publicada recentemente pelo Burning Glass Institute e pelo American Enterprise Institute com base em dados de 65 milhões de trabalhadores do país, a pesquisa cruzou informações de salários, cargos e movimentações profissionais com a obtenção de diferentes tipos de certificados. O resultado surpreendeu: apenas 1 em cada 8 certificações trouxe aumento salarial significativo ou ajudou de fato na progressão de carreira em até um ano após a finalização do curso ou obtenção do diploma.

Isso significa que, na imensa maioria dos casos, o investimento em tempo e dinheiro não se converteu em benefícios palpáveis – e até mesmo certificações vindas de instituições prestigiadas mostraram impacto limitado. O programa de Gerenciamento de Projetos de Harvard (Project Management), por exemplo, gerou apenas um aumento de 3,7 pontos percentuais na chance de avanço profissional, sem efeitos expressivos sobre a remuneração.

Por outro lado, o levantamento encontrou exceções importantes. Entre as cerca de 2 mil certificações mais bem avaliadas, houve ganhos concretos, com direito a um aumento médio de US$ 5 mil na renda anual As principais diferenças apareceram nos setores e na aplicabilidade prática. Na saúde, por exemplo, certificados em áreas como enfermagem, radiologia e sonografia médica estão fortemente associados a melhores salários e maior empregabilidade. Nesses casos, a certificação não é apenas uma credencial simbólica, mas muitas vezes um requisito regulatório ou um diferencial crítico para exercer a função.

O estudo também chama atenção para a proliferação de certificados: já são mais de 700 mil opções no mercado americano, variando de medalhas digitais até programas presenciais custosos. 

Para trabalhadores, isso significa navegar em um oceano de escolhas, sem clareza sobre quais realmente entregam valor. Para empresas, significa avaliar com cautela o que de fato representa uma competência validada e o que é apenas uma chancela de marketing educacional.

O que isso significa para o RH

Essa discussão importa — e muito — para quem atua no RH. Nos últimos anos, houve uma corrida para apoiar a educação continuada dos colaboradores, seja subsidiando cursos externos, seja promovendo programas internos de capacitação. 

A lógica é simples: além das mudanças cada vez mais rápidas de tecnologia, profissionais mais bem preparados são mais produtivos, engajados e tendem a permanecer mais tempo na empresa. Mas o estudo revela que nem toda certificação corresponde ao impacto esperado, o que levanta algumas reflexões estratégicas para o RH.

  • Separar hype de impacto real: Muitas certificações surgem com grande marketing em torno de “habilidades do futuro”, mas não necessariamente resultam em ganhos objetivos. Cabe ao RH ajudar a diferenciar entre credenciais que trazem reconhecimento real do mercado e aquelas que funcionam como selo de status.
  • Focar em ROI educacional: Assim como qualquer investimento corporativo, educação precisa ser acompanhada de retorno. Isso não significa esperar resultados imediatos em todos os casos, mas sim construir métricas claras para entender se um programa de apoio às certificações está de fato contribuindo para melhorar desempenho, retenção ou mobilidade interna.
  • Alinhar com lacunas estratégicas: O RH pode e deve atuar como curador, mapeando as lacunas reais da organização e incentivando formações que dialoguem com esses gaps. Se a empresa precisa de especialistas em segurança da informação, por exemplo, certificados da área têm mais relevância do que credenciais genéricas em soft skills.
  • Apoiar a tomada de decisão do colaborador: Muitos trabalhadores entram em programas de certificação sem clareza sobre o que esperar em termos de retorno. O RH pode criar mecanismos de orientação, compartilhando dados de mercado, estudos de caso internos e informações sobre as habilidades mais valorizadas. Esse papel consultivo ajuda a evitar frustrações e aumenta a percepção de apoio por parte da organização.
  • Valorizar aprendizados internos: Outro ponto importante é equilibrar a balança entre certificações externas e oportunidades internas de aprendizagem. Programas de job rotation, treinamentos práticos e mentorias muitas vezes oferecem ganhos mais imediatos e relevantes para a empresa do que certificados de prateleira. Ao mesmo tempo, podem ser reconhecidos e valorizados no plano de carreira.
  • Construir parcerias estratégicas: Em vez de deixar que cada colaborador navegue sozinho nesse mar de opções, o RH pode buscar parcerias com instituições de ensino que já demonstraram impacto positivo em setores específicos. Essas parcerias ajudam a garantir qualidade e reduzem o risco de dispersão em formações pouco úteis.

No fim das contas, a principal lição é que certificação não é sinônimo de empregabilidade ou sucesso automático. Para profissionais de RH, o desafio é equilibrar expectativas: incentivar a aprendizagem contínua sem cair na armadilha de acreditar que todo certificado se traduz em vantagem competitiva. Mais do que nunca, é hora de adotar uma postura analítica, olhando para dados e resultados concretos antes de investir tempo e recursos.

Em resumo: educação e desenvolvimento continuam sendo peças centrais na estratégia de talentos, mas precisam ser tratados como investimento — com planejamento, foco e acompanhamento. Caso contrário, corre-se o risco de desperdiçar esforços em certificados que soam bem no papel, mas pouco transformam a realidade.

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Bruno Capelas é jornalista. Foi repórter e editor de tecnologia do Estadão e líder de comunicação da firma de venture capital Canary. Também escreveu o livro 'Raios e Trovões – A História do Fenômeno Castelo Rá-Tim-Bum'.