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Como – e por que – a Arcos Dorados contratou 13 mil pessoas negras em 2023

Responsável por operar a marca McDonald’s na América Latina e no Caribe, companhia redesenhou critérios de contratação e aposta no letramento para ampliar diversidade

Michele Loureiro
11 de março de 2024
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Focar em iniciativas de diversidade é essencial para manter um ambiente de trabalho respeitoso, com equidade e oportunidades para todos, independentemente de sua origem. Essa é a premissa básica que as companhias adotam na hora de criar suas políticas de Diversidade, Equidade e Inclusão (DEI). Muitas vezes, porém, as ações ficam apenas no papel. Responsável por operar a marca McDonald’s em 20 países da América Latina e do Caribe, a Arcos Dorados foi além da teoria: em 2023, a empresa contratou 13 mil pessoas negras no Brasil na tentativa de impactar positivamente as comunidades onde está presente. 

O volume representou 65% das admissões feitas no ano passado e, além disso, mais de 3 mil pessoas negras foram promovidas na organização, totalizando 63% das movimentações gerais. Em cargos de liderança, mais da metade (51%) das promoções também foram conquistadas por pessoas negras. Os números são parte de uma estratégia de novos desenhos de critérios de contratação da Arcos Dorados, que tem 60 mil funcionários no Brasil. Entre as mudanças, estabelecidas em 2020, estão a inclusão da diversidade de gênero, orientação sexual, regiões geográficas e origens étnicas-raciais, além de um processo de conscientização que ganhou corpo nos últimos anos. 

Sabemos que somente em ambientes livres de discriminação, é que qualquer pessoa tem muito mais chance de alcançar o melhor de seu potencial e buscar uma trajetória de crescimento. E, nesse sentido, o letramento racial se torna uma ferramenta importante.

Ao todo, 21 mil funcionários e 5.470 lideranças receberam treinamentos sobre a jornada antirracista por meio do Desafio MOVER (Movimento pela Equidade Racial). A compreensão  das questões de diversidade fez com que as denúncias no canal confidencial da companhia triplicassem no ano passado, com respaldo de uma política de tolerância zero com discriminação. “Nosso objetivo é oferecer um ambiente de trabalho em que as pessoas se sintam à vontade para serem quem realmente são, considerando suas condições e necessidade individuais”, diz Fabio Sant’Anna, diretor de Gente, Diversidade e Inclusão da Arcos Dorados

Na entrevista a seguir, Fábio detalha como a questão da diversidade é fundamental para o negócio e quais são as principais estratégias e desafios para ir além dos protocolos, reconhecendo que ainda há muitos desafios no caminho. “Uma operação com mais de 1.100 restaurantes e milhares de colaboradores, torna complexa a missão de garantir a aplicação das nossas ações e a supervisão sobre seu cumprimento, por isso apostamos na conscientização”, diz.

Para começar: quais são os números atuais de colaboradores pertencentes aos grupos minorizados na companhia e as principais evoluções nos últimos anos?

Atualmente, no Brasil, 63% do nosso quadro de colaboradores é composto por pessoas que se identificam como pretas ou pardas. As mulheres representam 57% e 23% dos colaboradores se declaram LGBTI+. Quando olhamos para as pessoas com deficiência, atuamos acima da lei de cotas, com mais de 1.800 funcionários com diferentes tipos e graus de deficiência, sendo 72% deles com deficiência intelectual – o que representa mais de 5% do quadro de colaboradores.

Para avançarmos nesses números, mudamos nossa cultura de contratação, que passou a ser voltada para a valorização dos grupos minorizados, reforçando o nosso compromisso com a diversidade e a inclusão. Nossa política de Recrutamento e Seleção foi alterada em 2020 e é fundamentada em critérios que abrangem diversidade de gênero, orientação sexual, regiões geográficas e origens étnicas-raciais, visando criar um ambiente de trabalho que seja verdadeiramente plural, equitativo e justo.

Tivemos um crescimento expressivo de promoções de pessoas pretas e pardas, que hoje são 38% do quadro. Em 2023, mais de 4.400 colaboradores desses grupos foram promovidos, totalizando 63% das movimentações.

Como resultado, tivemos um crescimento expressivo de promoções de pessoas pretas e pardas, que antes eram 24% e hoje são 38% do quadro. Somente em 2023, mais de 4.400 colaboradores desses grupos foram promovidos, totalizando 63% das movimentações. Também contratamos 13 mil pessoas negras, representando 65% das admissões do ano passado. Ainda como resultado das nossas ações e políticas, triplicamos o número de mulheres em alta liderança, de 6% para 20% em um ano. Atualmente, as mulheres são 57% do quadro de colaboradores no Brasil e 51% do total em cargos de liderança. Além disso, em 2023, cerca de 900 profissionais com deficiência foram contratados, superando a nossa meta inicial que era de 650 contratações.

A Arcos Dorados é uma empresa com atuação nacional e um alto volume de colaboradores. Como garantir que a mensagem e a cultura sejam repassadas de forma homogênea?

Para nós, especificamente, há alguns desafios que são intrínsecos ao negócio. Uma operação com mais de 1.100 restaurantes e milhares de colaboradores torna complexa a missão de garantir a aplicação das nossas ações e a supervisão sobre seu cumprimento.  Porém, estabelecemos alguns instrumentos que nos apoiam. A Política de Lugar de Trabalho Seguro e Respeitoso, por exemplo, é assinada por todos os funcionários e garante que todos tenham conhecimento dos valores da empresa. 

O aperfeiçoamento de nossa plataforma de treinamentos também contribuiu para a promoção do conceito de diversidade e inclusão. Os conteúdos contam com as mensagens que fazem parte deste trabalho e mostram como isso faz parte do dia a dia de todos. Outras ações afirmativas como webinars, treinamentos e comunicação também chegam a todos os funcionários. Dessa forma podemos ver a Diversidade e Inclusão se tornando um tema vivo dentro da companhia, que começa com a contratação de pessoas diversas, passa pelo compromisso das lideranças e continua com o apoio de atividades inseridas na rotina da empresa, se transformando em parte da cultura.

Como o letramento ajuda na estratégia da empresa em termos de recrutamento e taxa de retenção de talentos?

Somos a empresa que mais certificou colaboradores em letramento racial, conscientizando mais de 21 mil funcionários em relação a jornada antirracista e 5.470 lideranças em 2023.  Um grande desafio para as organizações engajarem e reterem os talentos é oferecer um ambiente de trabalho que eles se sintam à vontade para serem quem realmente são, considerando suas condições e necessidade individuais. Uma cultura em que cada um possa alcançar seu máximo potencial, sem deixar de lado suas características, gostos e personalidade. Sabemos que somente em ambientes livres de discriminação, é que qualquer pessoa tem muito mais chance de alcançar o melhor de seu potencial e buscar uma trajetória de crescimento. E nesse sentido, o letramento racial se torna uma ferramenta importante para que as nossas pessoas se sintam seguras, acolhidas e queiram construir uma carreira conosco.

O letramento é primordial não só para gestores e líderes de qualquer companhia, mas também para colaboradores, pois não só ensina as pessoas sobre o racismo estrutural existente na sociedade e seu significado, como também mobiliza a todos sobre o papel de cada um no combate ao racismo e à desigualdade racial no mercado de trabalho, promovendo capacitação e empregabilidade para pessoas negras, principalmente em cargos de liderança. Temos o dever e compromisso de desenvolver todas as nossas pessoas para que cresçam e ocupem todos os níveis de cargos que lhe interessarem e desejarem, independentemente de sua raça, etnia, idade, identidade de gênero ou deficiência. Treinamentos como esses também nos permitem aprender mais profundamente sobre o tema, significados de cada expressão e conceitos e, ao mesmo tempo buscar caminhos para solucionarmos os problemas enfrentados por essas pessoas nas comunidades em que atuamos e estamos inseridos, contribuindo com a luta antirracista no mercado de trabalho e na sociedade. 

Muitas empresas alegam ter dificuldade para contratar pessoas negras. Vocês recrutaram 13 mil colaboradores em um ano. Qual é a estratégia? 

Primeiramente, acredito que a geração de empregos e contratação de profissionais, independente de serem negros ou não, por si só já é um desafio latente em toda a sociedade e o desemprego jovem é especialmente desafiador. As barreiras da falta de capacitação e experiência, ao lado da informalidade, atrapalham o acesso dos jovens às oportunidades de primeiro emprego e desenvolvimento de carreira. Nesse sentido, já encontramos um primeiro desafio para atrair esses talentos. Ou seja, o desafio não está necessariamente no processo de recrutamento e na seleção de talentos em si, mas no acesso às organizações, já que muitas vezes elas exigem uma longa lista de capacidades e experiências.

O desafio não está necessariamente no processo de recrutamento e na seleção de talentos em si, mas no acesso às organizações, já que muitas vezes elas exigem uma longa lista de capacidades e experiências.

Por sermos reconhecidos como uma das maiores geradoras de primeiro emprego formal no Brasil, sabemos da importância e do impacto positivo que geramos ao abrir nossas portas e oportunidades para muitas pessoas. Com isso,as responsabilidades também aumentam. Por isso, estamos comprometidos não só com a contratação de pessoas negras, mas com a inclusão, que é gerar um senso de pertencimento. Outro grande desafio é oferecer um ambiente em que todas as pessoas se sintam à vontade para serem quem realmente são, considerando suas condições e necessidade individuais, por isso, na Arcos Dorados não toleramos nenhum tipo de discriminação e oferecemos oportunidades iguais a todas as pessoas, com ofertas de capacitação e desenvolvimento de carreira. Sabemos que em um ambiente de trabalho acolhedor, seguro e respeitoso, todos têm muito mais chance de alcançar o melhor de seu potencial. 

Como funciona a governança da diversidade na empresa para que as ações possam ir além de termos e assinaturas? 

Desde 2018 contamos com o SOMOS, Comitê de Diversidade & Inclusão da Arcos Dorados, implementado em toda a América Latina, cujo propósito é conscientizar os colaboradores e firmar nosso compromisso com o respeito às individualidades de cada um como um valor humano fundamental para a vida e o trabalho. No Brasil, o Comitê atua em seis frentes: gênero, pessoas com deficiência, diversidade sexual, raça, gerações e bem-estar. Como parte do trabalho de atuação, o grupo promove workshops, reuniões, desenvolvimento de guias e materiais de conscientização, além da criação de grupos de afinidade, como a Rede de Mulheres e a Rede Orgulho Arcos. 

Além disso, em um movimento muito importante feito também aqui no Brasil em 2021, transformamos a nossa área de Recursos Humanos em Diretoria de Gente, Diversidade e Inclusão, que tem um papel importantíssimo junto à atuação do Comitê e conta com profissionais de diferentes níveis hierárquicos totalmente focados e especializados nas frentes trabalhadas. Essa iniciativa elevou a atuação da companhia, já consolidada em diversidade e inclusão, a um novo patamar, colocando o tema, e todos os aspectos que fazem parte dele, como fio condutor dos processos da área.  

Como garantir que a diversidade esteja além dos números e dos relatórios de sustentabilidade nas empresas e seja uma prática no dia a dia dos colaboradores?

Os profissionais e as empresas precisam acreditar verdadeiramente na inclusão e na igualdade de oportunidades para todas as pessoas. Mas isso só não é suficiente. É preciso conhecer a realidade dessas pessoas, abrir as portas para a diversidade, e oferecer, de fato, oportunidades, pois, infelizmente, muitas empresas ainda buscam apenas cumprir a cota e não atuam verdadeiramente para mudar este cenário que ainda precisa de muitos avanços. 

O quadro de funcionários precisa refletir a nossa sociedade, e é nosso papel dar a oportunidade, acolher e integrar todas as pessoas.

Na minha opinião, com todos os movimentos necessários que vem acontecendo na sociedade, priorizar a diversidade e a inclusão é cada vez mais essencial no ambiente corporativo. O quadro de funcionários precisa refletir a nossa sociedade, e é nosso papel dar a oportunidade, acolher e integrar todas as pessoas. Na Arcos Dorados, não abrimos mão de ter uma cultura verdadeiramente inclusiva. Mas para essas iniciativas de diversidade e inclusão funcionarem e serem eficientes, meu conselho é fazer disso um compromisso real da empresa e transformá-lo em parte da cultura. É preciso assumir essa crença como um compromisso sólido, trabalhando para ser um motor de transformação da realidade interna e do mercado. As organizações que não tiverem esse tema vivo, começando com a contratação de pessoas diversas, passando pelo compromisso das lideranças e continuando com o apoio de atividades inseridas na rotina da empresa, não irão evoluir.

Vocês possuem uma política de tolerância zero, que foi desenvolvida pela Arcos Dorados como uma formalização ao repúdio às condutas discriminatórias, racistas, homofóbicas e de qualquer outra natureza preconceituosa. Percebem um aumento no número de denúncias e colaboradores mais seguros para realizarem suas queixas?

As denúncias na Linha Ética, nosso canal interno aberto e confidencial para que as pessoas possam reportar qualquer caso com segurança, triplicaram em 2023 devido à confiança que as pessoas passaram a ter no canal e sua maior divulgação. Nossa tolerância zero com qualquer tipo de discriminação ou assédio e a implementação da Política de Lugar Seguro e Respeitoso, diretriz que formaliza nosso propósito em ser uma companhia na qual as pessoas possam se desenvolver livres de discriminação, assédio e represálias e protegidos contra qualquer tipo de violência, aliada a eficácia das demais iniciativas de Diversidade & Inclusão foram fundamentais para esse progresso e são acompanhadas por meio de pesquisas de clima realizadas periodicamente com os nossos colaboradores. 

Os resultados orientam a construção de planos de ação e o estabelecimento de metas de melhoria. Alguns dos resultados obtidos incluem, por exemplo: 

  • 91,9% das pessoas disseram sim à frase “na empresa, sou tratado com respeito e dignidade, independentemente de raça, etnia, cor, gênero, identidade de gênero, orientação sexual, idade, nacionalidade, deficiência ou outras características”; 
  • 91,4% das pessoas concordaram com a frase “a empresa prioriza o relacionamento com clientes, fornecedores e público em geral, com o mesmo valor de inclusão da diversidade”; 
  • e 91,2% das pessoas afirmaram que “a empresa possui uma política de local de trabalho seguro, respeitoso e inclusivo, escrita e compartilhada com todos os colaboradores”.

Quais são as expectativas para a frente de Diversidade e Inclusão?

Queremos ter cada vez mais ter profissionais diversos em nossos times, pois isso nos permite ter múltiplas perspectivas e, além de trazer uma série de benefícios para eles, cria uma cultura de pertencimento ainda mais forte em nossos funcionários, assim como em nossos clientes, investidores e parceiros. Ou seja, em toda a sociedade. Além disso, acreditamos que o incentivo ao crescimento profissional dos colaboradores está ligado ao nosso compromisso de oferecer oportunidades justas de emprego e investir em uma série de programas de treinamento, educação e desenvolvimento de liderança, podendo levar os colaboradores aos níveis mais altos da organização, independentemente de onde comecem.  

Por isso, continuamos a trabalhar em prol da inclusão e da diversidade, criando ações com propósito e que façam sentido para todas as pessoas e todos os níveis da organização, impactando toda uma cadeia de valor. Essa é uma tarefa que exige muita dedicação, mas quando você está junto a uma empresa com propósito e que vive o tema de fato, que o tem vivo dentro de suas políticas e que acredita que essa é a forma para se desenvolver, as coisas acontecem de forma mais fluida. Muito mais do que incluir, nós acreditamos na nossa estratégia consistente de ESG, chamada Receita do Futuro, e nas ações que desenvolvemos em prol das nossas pessoas e das comunidades nas quais atuamos.

Michele Loureiro é repórter há 18 anos. Com passagens por redações como Exame, Época Negócios e Folha de S.Paulo, é apaixonada por contar histórias que mudam as vidas das pessoas.