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Versatilidade, diversidade etária e tecnologia: um papo com Vivian Broge, VP de Relações Humanas e Marketing da Totvs

Com duas décadas de experiência em áreas de pessoas e negócios, executiva há seis meses lidera RH e marketing da empresa de tecnologia; no papo, temas como inteligência artificial, geração Z, fusões e aquisições e até mesmo a solidão em times remotos

Bruno Capelas
20 de maio de 2024
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“Para mim, todo mundo está em RH mesmo que não reconheça. Aprender a lidar com o humano e com as diferenças é um desafio que existe na nossa vida, não só no trabalho”. É com essa visão holística que, há seis meses, Vivian Broge lidera não só o RH de uma das maiores empresas de tecnologia do Brasil – a Totvs –, mas também o marketing. 

Ao contrário do que se pode imaginar, porém, a junção de negócios com pessoas não é algo novo na vida da executiva, que há duas décadas combina passagens por divisões de M&A, operações ou comercial com a área de gente e gestão, tendo ocupado posições em empresas como Natura, Ibope, Atento, Danone e Iguatemi. 

No fundo, não vejo separação, porque as empresas são pessoas.

Radialista de formação, ela traz a comunicação como ferramenta para resolver problemas complexos – algo que os dias de hoje têm de sobra. Na conversa a seguir, Vivian não só repassa sua trajetória profissional, como também comenta visões em temas contemporâneos importantíssimos, como a chegada da geração Z no mercado de trabalho, o uso de tecnologia no RH e até mesmo a solidão em times remotos. 

Ela também comenta como a maternidade influenciou sua visão sobre a diversidade e faz a conexão entre o trabalho do RH e o terceiro setor – hoje, além do cargo na Totvs, ela também preside o Instituto da Oportunidade Social (IOS), que prepara jovens em vulnerabilidade social para o mercado de trabalho. “Num país que tem taxa de natalidade diminuindo severamente e um tanto de jovens em situação de não se identificarem com empresas, a gente precisa virar esse jogo”, destaca a executiva. A seguir, os principais trechos da entrevista. 

Você é formada em Rádio e tem uma carreira que combina passagens por áreas de negócios e operações com o RH. Como o RH apareceu na sua vida? 

Sou comunicóloga de formação, sempre gostei de trabalhar me comunicando. Na verdade, comecei minha carreira em empresas de telecom, olhando pros problemas que os clientes tinham – e então percebi que os problemas sempre passavam por comunicação e por pessoas, de maneira que foi natural me aproximar do RH. Brinco que tenho um superpoder que é gostar de resolver problemas complexos com pessoas. Um desses problemas é que ninguém sonha em ser, por exemplo, operador de telemarketing, mas precisávamos ali criar propósito e significado para aquele trabalho – nem que o propósito fosse custear uma faculdade para um próximo passo. E aí fui começando a me envolver com o RH de um jeito orgânico, cuidando de recrutamento e seleção, de treinamento das pessoas. Gosto de dizer que fui para o RH, mas nem sempre fui RH. Eu estou RH, mas também estou em uma área de negócios, cuidando de marketing na Totvs. Minha carreira foi mesmo bem diversa. Passei por inovação comercial, fusões e aquisições, mas sempre busquei ter esse diálogo do negócio com relações humanas. Para mim, as empresas são as pessoas – e por isso, todo mundo está em RH mesmo que não reconheça estar em RH. No fundo, não vejo separação – e acho que todo mundo se beneficiaria em ter uma passagem do lado de cá. 

Aprender a lidar com o humano e com as diferenças é um desafio que existe na nossa vida, não só no trabalho. 

Discute-se muito a importância de um RH estratégico, mas alinhado ao negócio. Como a experiência prévia em áreas de negócio te auxilia na função atual? 

Ajuda muito. Como já sentei em muitas posições, consigo ter perspectivas muito diferentes. Consigo ter a capacidade de empatizar com os desafios das áreas de negócios e cocriar soluções com elas. Tenho a experiência de poder falar sobre situações e como eu agi nelas. Parte de ser quem sou é o fato de ter sido sempre curiosa e corajosa de me lançar a ciclos de atividades diferentes. Sou uma pessoa inquieta e me manter aprendendo foi algo muito importante: quanto mais aprendo de áreas diferentes, mais potente fico na área em que estou. 

Você já tinha passado por diferentes setores – da indústria de cosméticos à telecom, passando pelo varejo – quando entrou na Totvs. Foi sua primeira experiência com uma empresa de tecnologia. Como foi essa chegada? 

Eu vinha pensando minha carreira depois dos 60 anos – embora esteja longe, a vida passa rápido e sempre precisamos olhar para qual futuro queremos construir para nós e para as pessoas à nossa volta. Sou do conselho consultivo de duas ONGs, mas eu vinha trabalhando nessa direção: como mulher que chegou ao C-Level, sinto que tenho muito a oferecer como conselheira. Conversando com quem está nessa jornada, ouvi várias vezes que meu currículo era ótimo, mas que faltava uma experiência com tecnologia. Por outro lado, gosto de diversidade de desafios, e quando a Totvs – que é a maior empresa de tecnologia do Brasil – me traz esse desafio de assumir relações humanas, acho interessante. Também tenho feito escolhas de carreira privilegiando trabalhar em empresas brasileiras, porque acredito que é o Brasil que muda o Brasil. E quando foi sugerido o cargo de juntar RH com marketing, foi música pros meus ouvidos: essa é uma junção muito poderosa, porque as duas áreas são sobre pessoas, sobre conexão, sobre relação. Ter RH e marketing comigo é uma oportunidade de ouvir desejos, anseios e necessidades de dentro da companhia e também do mercado. Vejo muita potência nessa junção, mesmo que ela não seja usual no mercado. 

Além de ser uma empresa grande e em uma indústria que se transforma muito, a Totvs tem ainda um movimento forte de fusões e aquisições de novas empresas. Como têm sido essa experiência de lidar com novas empresas, e, por consequência, novas culturas? 

É curioso: esses dias, eu estava num evento e alguém comentou comigo que eu já tinha trabalhado em fusões e aquisições, perguntando se eu gostaria de voltar para a área. Dei um sorriso na hora, e a pessoa respondeu que toda vez que fala com alguém de M&A, a pessoa fica mexida por esse “bichinho do M&A”. Mas a verdade é que aqui na Totvs eu não preciso voltar para essa área, porque já estou nela. Estar na Totvs é estar no M&A, mas o fato de ter sido head de M&A em outra empresa me ajuda muito a conhecer bem a disciplina. O maior desafio de M&A é sempre o desafio de cultura, que tem tudo a ver com marca e cultura. De novo, pensando em aquisições, a junção de marketing e relações humanas faz muito sentido, deixando o trabalho mais fluido. 

Hoje, fala-se muito sobre o RH se tornar mais tecnológico – e estando dentro de uma empresa de tecnologia, imagino que vocês queiram dar o exemplo. Como o RH da Totvs usa tech hoje? 

Acredito numa área de relações humanas que é motor e veículo de inovação. Por todos os lugares onde passei, isso é um caractere que fica no meu DNA de gestão. Dentro do RH, tecnologia é muito importante. Historicamente, as áreas de RH tinham até um pouco de reclamação que não tinham tantos recursos. Hoje, com tecnologia, a gente consegue deixar as pessoas muito mais centradas naquilo que realmente gera valor. E aí tem muita coisa acontecendo agora, sendo necessário se apropriar da tecnologia e sabendo distinguir o que é necessário evoluir para não encontrar outras barreiras. Por exemplo, com o uso de IA em recrutamento e seleção: é preciso usar e testar, até para descobrirmos onde não vai funcionar e fazer as correções necessárias para dar certo. Não acho que todo mundo vai ser desenvolvedor para IA, mas que todos nós seremos usuários de IA, fazendo uso dessa potência. Ter o RH usando tudo isso é um jeito da gente conseguir trazer a nossa voz, para que a inteligência humana esteja na frente de qualquer outra coisa. A criatividade é humana, mas essa conversa só pode acontecer se a gente dialogar com as tecnologias. Dentro do RH, então, tenho sido sempre impulsionadora da gente ser early adopter, até para entender o que é melhor a gente não usar. 

De maneira mais prática, o que vocês têm utilizado de tech em RH? 

Tem people analytics, em que temos um trabalho bem bacana sendo feito em predição de turnover, – mas que não deixa de ser um trabalho de cultura. Muitas vezes, o input que a gente vê é menos sobre o trabalho em si e mais sobre as relações entre as pessoas. Trabalhar questões de liderança, ambientes empáticos, é sempre algo que contribui nesse sentido. Hoje, a gente também usa tecnologia em engajamento: a gente fez uma pesquisa com volume tremendo de comentários, e a gente usa IA para ajudar a gente a resumir os comentários e gerar uma narrativa que seja mais potente. Temos olhado pra tecnologia sabendo que se nós somos uma empresa de tecnologia, o RH precisa ser modelo nesse aspecto. Inclusive, fizemos um workshop com todo o time de RH pensando justamente em que tecnologias a gente vai precisar para resolver questões do futuro. Por exemplo, a gente já viu que na Inglaterra se criou um ministério da solidão. Por quê? Se a gente vê que no futuro as pessoas estarão mais sozinhas, qual é o papel da tecnologia em manter a humanidade, manter as relações? Longevidade, por exemplo, é algo associado à qualidade das relações das pessoas. 

Como você tem sentido hoje essa questão da solidão dentro da Totvs, especialmente pensando em times remotos? 

Hoje, a gente está em sistema híbrido, mas o sistema varia para cada área. Para mim, o principal aprendizado nessa temática é que para estar presencial, tem que haver um sentido, tem que valer a pena, para fazer algo que não se consegue fazer a distância. Aprofundar vínculos e relações é muito difícil de fazer a distância. Há algumas semanas, tivemos um evento com todo o time de RH e marketing, e no final a gente deu uma cápsula de café pra todo mundo e fez um convite pras pessoas se chamarem para um café. É algo simples, mas que não dá pra fazer virtualmente. Até posso fazer isso acontecer, mas o efeito é diferente. Uma conversa online funciona numa temática muito definida. Quando a gente tá olho no olho, a gente tem uma chance maior de escapar para outras perspectivas que me fazem entender melhor quem é o ser humano do meu lado. E com isso, eu me conecto mais e melhor com ele, entendendo porque ele age de um jeito ou de outro, sendo mais empático com relação a isso. Para mim, a contramedida para a solidão é o vínculo, entendendo a pessoa em todos os seus recortes. Por outro lado, é importante ter abertura para novas experiências. Outro dia fiz uma reunião com um robô, que tinha sido promptado pra trazer as perguntas que o interlocutor queria me fazer. Era uma conversa sobre engajamento, mas em vez de ir presencialmente, o interlocutor me mandou um robô que capturava todas as minhas respostas. Achei divertidíssimo fazer isso, mas é aquilo: ali foi um questionário. Aqui, sei que enquanto você me ouve, você vai abrindo janelas de temas e mudando as perguntas, você entra na conversa comigo. Isso, o robô não dá conta de fazer. 

IA tem sido um tema frequente de conversa – e há uma percepção de que quanto maior é a proximidade da empresa com tecnologia, maior também é o medo dos colaboradores de perder o emprego, de serem substituídos. Como vocês endereçam esse tipo de questão na Totvs? 

Não vejo isso aqui, pelo contrário: vejo entusiasmo das pessoas quererem aprender mais e mais. Essa semana, lançamos uma trilha de dados & IA para nosso time e foi um frisson a quantidade de pessoas que vieram para se engajar. Eu acredito em educação, muitas vezes o medo mora no desconhecimento. O trabalho de educação vale tanto na Totvs quanto no IOS, no Instituto de Oportunidade Social. Eu penso muito nos jovens e como eles veem o desafio da IA na inserção deles no mercado de trabalho. Hoje, eu tenho mais perguntas do que crenças, mas uma das crenças que eu tenho é que todo ser humano pode aprender e ser melhor se a gente dá contexto e oportunidade. 

Leia também: ‘Ninguém será substituído por robôs, mas pode ser por quem souber usá-los bem, diz Marco Stefanini, CEO e fundador da Stefanini: 

Como funciona o teu trabalho no IOS? E como é essa ponte entre o RH e o terceiro setor? 

Sempre fui uma pessoa que fez escolhas de carreira para trabalhar em empresas que tinham Direitos Humanos como uma temática de discussão central. Sobretudo, pensando na questão de desigualdade, preconceitos e diversidade, tenho razões pelas quais entendo que preciso usar minha voz para essas temáticas. Sou uma mulher que chegou ao C-Level, ainda somos poucas, e sou mãe de duas crianças – um menino que é uma pessoa com deficiência e uma menina, que procuro educar para que ela seja quem ela quiser. Isso faz com que as temáticas sociais me chamem, não só porque são as coisas certas a serem feitas para um mundo mais ético e equitativo, mas também porque tenho todas as razões do mundo para querer que o mundo seja melhor para os meus filhos. Ao chegar na Totvs e receber esse convite para presidir o IOS, sinto que recebi um presente. O IOS trabalha com inclusão de jovens em situação de vulnerabilidade social – e quando a gente traz esse recorte, traz todos os outros recortes juntos, são pessoas pretas e pardas, pessoas índigenas e quilombolas, pessoas com deficiência, gente que fica à margem das oportunidades. O que o IOS faz é dar oportunidade e acreditar que todo mundo tem talento, e isso tem tudo a ver com meu propósito: fazer com que as pessoas sejam vistas pelos seus talentos, mantendo sua autenticidade. Nesses 26 anos de IOS, formamos quase 50 mil jovens – e um jovem que é empregado após passar pelo IOS traz um impacto de aumento de 63% de renda na sua família, e olha que eles entram em posições de jovem aprendiz, de estagiário, de assistente. São posições que têm salários mais baixos, mas para ter esse nível de impacto, é porque estamos falando de muita gente que está abaixo da linha da pobreza. O IOS me faz acreditar que todo mundo pode ser mais – e uma das belezas do IOS é que ele não é um instituto só da Totvs, a gente é só um dos mantenedores. Para mim, é uma honra estar nessa jornada e meu desafio é que, para além de formar as pessoas, a gente consiga incluir as pessoas. Uso meu trabalho como relações humanas para abrir portas nas empresas, chamar outras empresas para terem vagas com a gente, conhecerem os jovens do IOS, porque eles são potência. Num país que tem taxa de natalidade diminuindo severamente e um tanto de jovens em situação de não se identificarem com empresas, a gente precisa virar esse jogo. Tenho desejo de trabalhar por muitos anos e estou longe de acreditar no etarismo — mas talvez a gente pare de falar de etarismo simplesmente porque no futuro a única mão de obra vão ser das pessoas que estão com idade mais avançada. É preciso saber como a gente vira esse jogo e transforma as empresas em lugares mais atraentes e incríveis para as pessoas quererem se desenvolver hoje e amanhã. 

Como você tem sentido essa nova geração Z na Totvs? O que tem de diferença de cultura? 

Eles não toleram algumas coisas que a gente tolerava mais. Eles são muito mais autoconscientes pras questões de diversidade, de preconceitos. Muitas vezes, antes mesmo de falar sobre uma posição, a pessoa já me perguntou tudo sobre ESG. E ESG hoje é condição de entrada para quem quer ser um empregador desejável como a gente quer. E tem uma questão das lideranças: é uma tremenda responsabilidade para alguém que recebe um jovem aprendiz ou estagiário, receber aquela pessoa. É essa pessoa que vai determinar se um jovem vai pensar que é incrível trabalhar numa empresa ou vai alimentar dúvidas sobre uma eventual carreira corporativa. Chamo a responsabilidade para a liderança: como a gente dedica tempo de qualidade para educar quem amanhã pode ser os nossos chefes e chefas. Isso passa por desconstruir uma série de vieses, de ampliar perspectivas, em tentar transformar a liderança em algo inspirador, conectado com desafios do zeitgeist. Todo mundo tem algo a aprender com todo mundo, não importa onde está indo. 

Você tem alguma dica de livro/filme/podcast pra quem vai ler esse papo? 

Poderia falar vários, sendo bem transparente. Meu trabalho mais longevo é ser professora. Vou falar do que eu tô quase terminando de ler agora, que é alguém que eu respeito muito. Há duas semanas, eu pude conhecer o Satish Kumar, que escreveu um livro chamado Amor Radical. Ele é um ativista pela paz, também fundador do Schumacher College, e nesse livro ele fala da importância da gente ser ativistas otimistas. Ele diz que só pode ser ativista quem é otimista. E na visão dele, ativismo significa colocar o seu amor para gerar valor sem esperar resultado. É uma lógica bem diferente do que a gente vê no mundo hoje, mas é corajoso falar que a gente precisa de amor nas organizações. É um livro incrível.

Bruno Capelas é jornalista. Foi repórter e editor de tecnologia do Estadão e líder de comunicação da firma de venture capital Canary. Também escreveu o livro 'Raios e Trovões – A História do Fenômeno Castelo Rá-Tim-Bum'.