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Bate-papo sobre employee relations com Rones Tassi, da Cargill

Com mais de 15 anos de experiência na empresa de alimentos, gerente sênior de RH conta um pouco mais sobre o dia a dia da área de relações trabalhistas, entre negociações com sindicatos, líderes e temas difíceis como assédio e políticas de RH

Bruno Capelas
31 de agosto de 2023
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Mesmo quem trabalha com RH há um tempo talvez nunca tenha ouvido falar do termo employee relations – uma área nova do universo do trabalho. No entanto, não é preciso ter muita experiência para saber o que essa área faz: estabelece as políticas que permeiam o RH, cuida das cotas de aprendizes e pessoas com deficiência, assegura o cumprimento de jornada, investiga casos de assédio e também faz negociações sindicais. “É uma área bem ampla”, reconhece Rones Tassigerente sênior de RH na Cargill – e altamente ocupado com essas discussões dentro da empresa de alimentos americana. 

Formado em Tecnologia da Informação, Rones já fez de tudo um pouco ao longo de quase duas décadas no universo do RH: remuneração, recrutamento, facilites, administração de pessoal, até chegar no universo de employee relations. Para ele, é uma área que demanda não só disciplina, mas também uma enorme capacidade de influência. “As lideranças hoje estão cansadas apenas de ouvir os argumentos de legislação. Um bom profissional de employee relations precisa ir além da lei e ter capacidade de influenciar os líderes, de engajar”, diz. 

Para isso, porém, não basta apenas chegar com uma agenda impositiva. É preciso ouvir. “São poucos os profissionais que estão dispostos a estar do lado da liderança e ouvir o que importa para ela. É um exercício de humildade”, diz o executivo. Nessa entrevista para Cajuína, ele fala um pouco mais sobre o dia a dia de employee relations, explica como lida com o difícil tema do assédio ao longo de diferentes gerações de colaboradores e lista algumas habilidades para quem quiser entrar na área. 

Rones, você é formado em TI. Como foi parar no mundo do RH? 

Eu sou natural de Itumbiara (GO) e tinha acabado de me formar em Tecnologia da Informação. Eu cheguei a trabalhar na minha área nos Laticínios Paulista, que tinha uma fábrica na cidade, mas depois a fábrica fechou. Tive que buscar trabalho, eu vim de uma família simples, e aí acabei entrando na área trabalhista de um escritório de advocacia. De lá, conheci muita gente e um colega me indicou para trabalhar com ele na área de suprimentos de uma empresa de processamento de couros. Fui para a entrevista e ali mesmo a psicóloga me indicou para trabalhar no RH. Achei que era nada a ver, mas acabei aceitando – com a condição de que se não desse certo, eu poderia ir para a outra área. Ela aceitou essa proposta e eu acabei nunca mais largando do RH. Comecei com recrutamento e seleção, depois fui para vagas na área de supervisão, até montar todo o staff de uma planta para 1,2 mil pessoas. Depois trabalhei em remuneração, estruturação de faixa salarial, passei ainda por facilites e administração de pessoal. De lá, eu vim pra Cargill, onde eu estou há 16 anos, também passando por várias experiências diferentes. 

Hoje você trabalha na área de employee relations, que é uma terminologia bem nova. O que essa área faz especificamente? 

É uma área bem ampla. Tudo que se faz no RH é relação de trabalho, mas focamos em alguns processos principais. Todo processo no RH é norteado por políticas, seja de recrutamento, desenvolvimento, promoção, benefícios. Nossa área é responsável por estruturar as políticas. Também asseguramos o compliance dos principais tópicos da legislação trabalhista, como jornada de trabalho. Na Cargill, fazemos um trabalho interno para assegurar que os funcionários trabalhem dentro do que é permitido legalmente, evitando desvio de jornada. Cuidamos ainda do cumprimento de cotas, como aprendizes ou Pessoas com Deficiência. Além disso, há a responsabilidade de cuidar de um ambiente de trabalho respeitoso, para que o ambiente seja livre de assédio sexual e moral. É a área de relações trabalhistas que cuida das investigações e também das campanhas para evitar esses casos. Por fim, há ainda todas as tratativas com sindicatos, como numa negociação salarial. 

Muito se fala sobre a importância do RH estratégico atualmente, mas a área de relações trabalhistas cuida muito de tarefas bem burocráticas no RH. Como é ser estratégico dentro dessa área? 

Hoje, vejo uma competência extremamente importante para o profissional de employee relations: ser capaz de influenciar os outros em um papel consultivo. As lideranças estão cansadas de ouvir apenas os argumentos de legislação – que são importantes, mas não levam ao compromisso do outro lado. Um bom profissional de employee relations precisa ir além da lei e ter capacidade de influenciar os líderes, trazendo pontos importantes, mostrando que ele precisa cuidar de determinado tema para não afetar a si mesmo. Além disso, é preciso trabalhar cada vez mais com dados. Sem dados, sou só mais um com uma opinião. Uma área de employee relations bem estruturada tem que trabalhar com dados, ter um dashboard que reúna tópicos como cotas, desvio de jornada, inclusão e diversidade, e trabalhar a partir desses assuntos com a liderança. 

Assédio é um tema que cada vez mais está na mira dos RHs. Por outro lado, é um tema que têm visões diferentes de acordo com cada geração. Como é lidar com esse assunto em uma empresa multigeracional como a Cargill? 

É um desafio trabalhar esse tema de forma contemporânea. Nas fábricas, ainda existem líderes “de outra época”, quando todas as posturas eram normatizadas. Vivemos um processo de mudança de cultura muito forte, em que é preciso entender que o que era permitido não é mais. Ao mesmo tempo, é preciso criar um espaço para que a gente possa educar a liderança mais antiga sobre novos conceitos. Muitos líderes mais velhos não são culpados por seu comportamento – eles podem replicar o que viveram. Quanto a assédio sexual, não tem o que falar, mas na área de assédio moral é mais complicado. Não basta apenas investigar e mandar alguém embora ou colocar panos quentes em cima da situação. É preciso entender cada caso: se foi caracterizado como assédio, é preciso entender se é possível trabalhar com educação ou não. Uma área contemporânea de relações trabalhistas tem que trabalhar com o processo preventivo: é treinamento, é campanha interna, é palestra. Não basta só investigar: tem que prevenir para criar um ambiente de trabalho respeitoso. 

“É um desafio trabalhar esse tema de forma contemporânea. Nas fábricas, ainda existem líderes “de outra época”, quando todas as posturas eram normatizadas. Vivemos um processo de mudança de cultura muito forte, em que é preciso entender que o que era permitido não é mais.”

Como é possível saber se um caso de liderança que cometeu assédio é recuperável? 

Depende muito. Há posturas que são irrecuperáveis, especialmente quando as pessoas “sentam” em cima do conceito e não se movem. É uma pessoa que está fadada a não achar mais um lugar no mercado de trabalho. Mas existem situações em que você consegue entender que aquele comportamento parte de um cenário. Para isso, usamos várias ferramentas: coaching, mentorias, academia de desenvolvimento de lideranças, treinamentos sobre viés inconsciente, às vezes até um curso específico para uma necessidade. Isso ajuda a mudar os comportamentos das pessoas. O problema, porém, é quando você percebe que a pessoa faz um discurso para o RH e outro para os liderados. Quando isso se repete, normalmente é necessário fazer o desligamento. 

O RH é uma área da empresa que muitas vezes tem fama de ser “chata”. Quando o assunto é employee relations, isso deve ser ainda mais intenso. Como evitar esse estereótipo? 

Você falou antes sobre essa visão do RH focado em estratégia. É um discurso bonito, mas na prática, você conta nos dedos as empresas que conseguem fazer isso. Por que? Para fazer isso, o RH precisa entender a estratégia do negócio e a visão da empresa – e precisa ser um RH que está disposto a estar do lado da liderança e ouvir o que importa para ela. É um exercício de humildade: ouvir, refletir, voltar para a liderança e buscar um sentido em comum, calibrar a estratégia. São poucos os profissionais de RH que de fato conseguem traduzir a estratégia do negócio em ações do RH, mas ouvir e entender é o que faz a diferença. 

“O discurso do RH estratégico é bonito, mas na prática, você conta nos dedos as empresas que conseguem fazer isso.”

Quais são as habilidades específicas que um bom profissional de employee relations precisa ter?

É até difícil achar um bom profissional quando há vagas abertas. Muita gente olha para o pessoal de employee relations como um dedo duro. Precisamos fazer a mudança, mostrando o quanto somos importantes para a sustentabilidade do negócio. Desvio de jornada, hoje, é considerado algo próximo de trabalho análogo à escravidão – e isso pode render processos complicados, traz um prejuízo enorme, até mesmo de marca. Employee relations é uma área que mostra que a empresa é responsável. Para trabalhar nessa área, tem que ser uma pessoa que gosta de estudar, de se manter atualizado, ter boa capacidade de influência e de escuta. É preciso ser uma pessoa de boa comunicação e negociação. 

Você falou sobre o profissional de employee relations ser “dedo duro”, que é um estereótipo comum. O outro é que a área só “passa pano” para a empresa. Como é viver no meio dessa dicotomia? 

Ela é muito frequente – e acontece porque, para muitas organizações, os canais que permitem que o colaborador seja ouvido não são bem divulgados. Criar uma linha ética é importantíssimo para que um funcionário reporte as situações que nós vamos investigar. Além disso, a cultura organizacional tem uma influência forte nesse sentido. Uma cultura em que os gestores são próximos e têm confiança na equipe reduz a quantidade de casos problemáticos. Em uma equipe assim, o profissional consegue falar com seu chefe e mostrar que está sobrecarregado. E se isso não acontecer, uma boa empresa consegue trabalhar para que o líder seja de fato o ponto de contato. Durante a pandemia, fizemos um trabalho bacana na Cargill de criar rodas de conversa. Em pequenos grupos online, colocamos temas como stress, jogávamos alguns insights e as pessoas traziam suas dores. Isso ajudou muito a direcionar nosso trabalho. É algo que ficou na nossa estratégia no pós-pandemia, conseguimos dar uma direcionada. Mas isso só aconteceu porque nossa cultura favoreceu esse trabalho bem feito. 

Para fechar, Rones, que conselho você dá para quem ainda não tem uma área de employee relations no RH e, após ler essa entrevista, pode achar que é um tema necessário para se endereçar? 

Gosto muito de uma frase de São Francisco de Assis que diz o seguinte: faça poucas coisas, mas faça bem. Comece pelo básico, cumprindo a legislação, evitando horas extras de forma desnecessária, pague os recolhimentos trabalhistas e enderece as cotas legais que precisam ser cumpridas. Não adianta nada ter uma pessoa de employee relations para tarefas mais amplas se não se faz o básico ainda, que é cumprir requisitos elementares de legislação trabalhista. Depois que fizer isso, é possível dar outros passos, conseguindo suporte para melhorar o ambiente de trabalho para todos. E aí existem infinitas possibilidades, mas o primeiro passo é mesmo olhar para o cumprimento da legislação. 

Bruno Capelas é jornalista. Foi repórter e editor de tecnologia do Estadão e líder de comunicação da firma de venture capital Canary. Também escreveu o livro 'Raios e Trovões – A História do Fenômeno Castelo Rá-Tim-Bum'.