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Diversidade e ESG por Carlos Domingues, da PepsiCo

Com mais de uma década trabalhando no RH, executivo da Pepsico fala sobre sua trajetória profissional, reinvindica que diversidade deve ser uma pauta da liderança e dá dicas para empresas que buscam ter inclusão como pilar da cultura corporativa

Maria Clara Dias
10 de agosto de 2023
Carlos Domingues gerente de diversidade e cultura da PepsiCo no Brasil
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Em treze anos de carreira, Carlos Domingues já passou por diversas áreas do RH: se no início ele desempenhou funções em departamentos pessoais e na área contábil, hoje ele gerencia a área de cultura e diversidade da PepsiCo Brasil. É uma posição de destaque, cuja principal função é atuar como embaixador do tema, influenciando as decisões da empresa em múltiplas frentes e supervisionando seus esforços em ações de conscientização quando o tema é diversidade racial, gênero, sexual ou etária, entre outras questões.

Para Domingues, uma questão fundamental é a da interseccionalidade – que prega que todas as pautas de diversidade têm de ter o mesmo peso, algo que pode ser desafiador dentro do contexto corporativo. “Diversidade e inclusão são assuntos estratégicos e de responsabilidade de toda a empresa, mas cabe à alta liderança cascatear decisões de impacto positivo do ponto de vista de diversidade para todo e qualquer colaborador”, diz. “A diversidade é algo generalista, e deve ser tratada como tal.”

Caçula de três irmãos, Domingues começou a trabalhar como costureiro ainda muito cedo, aos 12 anos. Na faculdade, pegou gosto pelos estudos – e sua própria narrativa o inspirou a seguir pelo caminho da diversidade. “É impossível não falar do Carlos Domingues da PepsiCo sem mencionar o Carlos Domingues nascido em Carapicuíba e beneficiário bolsista do ProUni”, conta. Além do papel na empresa de bebidas e alimentos, Carlos é também diretor na Mover, movimento de apoio à equidade racial no país.

“Diversidade e inclusão são assuntos estratégicos e de responsabilidade de toda a empresa, mas cabe à alta liderança cascatear decisões de impacto positivo do ponto de vista de diversidade para todo e qualquer colaborador”

Nesta entrevista para Cajuína, Carlos repassa sua trajetória, conta como chegou à área de diversidade e menciona as principais conquistas da PepsiCo nas frentes de diversidade e inclusão. Além disso, ele também fala sobre as tendências que considera prioritárias para o futuro de um RH mais diverso.

Carlos, seu começo de carreira foi baseado em tarefas mais “burocráticas” dentro do RH, como controle da folha de ponto e gestão de indicadores macro,  como turnover, pesquisas de médias salariais e folha de pagamento). Como você passou dessas áreas para a discussão de cultura?

Durante a faculdade, estagiei nesta parte mais burocrática, pensando em administração de pessoal, benefícios, folha de pagamentos, etc. Mas, ao mudar de trabalho e migrar para uma companhia pequena e familiar, encarei os desafios de uma empresa que ainda buscava definir sua cultura, aquele famoso momento do “quem somos e para onde vamos”. Após nove meses ajudando a empresa a estruturar esses pilares de cultura, ocupei minha primeira posição de liderança. Ali, tive um choque e um aprendizado enorme, quando lidei com cultura organizacional — que envolve comportamentos, sistemas e tudo mais. Saí de uma estrutura técnica e passei a olhar para a parte filosófica e estratégica do negócio, colando como uma “esponja” em consultores e em quem mais tinha mais experiência naquilo. Foi dessa forma que me ”graduei” nisso. Depois de quatro anos nessa liderança, minha perspectiva de carreira era outra. Passei a ir além do transacional e ir ao significativo, olhando o “como trabalhar”, como contribuir com a estratégia da empresa à luz da cultura e como a cultura é viabilizadora de tudo isso.

Foi nessa época o seu primeiro contato com a agenda de diversidade?

A minha carreira foi construída quase como uma cebola, cheia de camadas. Não foi bem nessa experiência meu primeiro contato com a diversidade, mas fui agregando todos esses temas, das pesquisas salariais às pesquisas de clima e engajamento, para ganhar repertório. Foi um fator pessoal que aconteceu nessa época que me levou ao caminho da diversidade. Um episódio que me fez entender que ser uma pessoa negra e “tornar-se” negro, vestido de consciência racial, são duas coisas distintas. Passei a ter essa visão depois de abraçar um olhar curioso sobre o mundo e principalmente sobre a história do Brasil, bem como após uma percepção pessoal da minha esposa sobre o racismo velado em algumas situações. Isso aconteceu em 2014, um ano em que eu já ocupava uma posição de liderança e também já podia frequentar em restaurantes de tíquete mais alto, eventos e outras ocasiões sociais com lideranças de RH. Alimentado dessa nova consciência e reparando na baixa representatividade nesses lugares, comecei a procurar os “porquês”.

A diversidade é considerada hoje um pilar vital na construção de cultura corporativa. Isso é especialmente válido para empresas que buscam adotar a agenda ESG. Quando foi que você percebeu isso?

Em 2017, percebi que o tema da diversidade já estava sendo pautado pelas empresas e que era possível colocar o assunto dentro das empresas como parte da estratégia. Mesmo sem colocar isso em prática ainda, comecei a estudar e me especializar nisso. Em 2019, a PepsiCo me ligou e me convidou para liderar a agenda de cultura. Foi a oportunidade perfeita. Eu tinha os conhecimentos de RH e dominava as ferramentas de gestão que avaliam planos de carreira, performance e engajamento. Só faltava a diversidade nessa equação.

Nesses 17 anos, um turbilhão de temas passou a ocupar posições de destaque na agenda estratégica do RH. Basta ver como tantas empresas precisam lidar com assuntos como bem-estar, saúde mental, parentalidade e, é claro, diversidade nas suas mais diversas camadas. O que mudou sobre a maneira como o assunto é visto pelas empresas nesse tempo todo?

Por 13 anos, fui parte desse RH generalista, criando iniciativas e estruturando departamentos e programas. Depois, me tornei um especialista generalista na PepsiCo, onde vim liderar a área de diversidade já baseada nessa lógica. Por isso, acredito que a mudança está na percepção de que cuidar da agenda de diversidade não é responsabilidade restrita do RH. A diversidade é algo generalista, e deve ser tratada como tal. Estamos falando do marketing, da área de suprimentos, de comunicação e muitas outras. Todos que contratam, promovem e fazem avaliações de desempenho precisam incorporar a diversidade e a inclusão no dia a dia.

“Todos que contratam, promovem e fazem avaliações de desempenho precisam incorporar a diversidade e a inclusão no dia a dia.”

Ao mesmo tempo, tornar esses esforços  parte do núcleo de todas as áreas não é algo que acontece do dia para a noite. Na PepsiCo, foi algo que começou bem antes da sua chegada, certo? Quais ações e resultados a empresa já tem nessa agenda?

Sim, a PepsiCo já vem trabalhando nessa agenda desde 2005. Uma coisa que serve de aprendizado nesse tempo todo é a relevância das metas públicas e como elas ajudam a tracionar os avanços. Temos duas grandes metas: a primeira é, até 2025, ter 50% das posições de liderança ocupadas por mulheres — hoje temos 49,5% de mulheres líderes, além de 60% do comitê executivo. A segunda é ter 30% das posições de liderança ocupadas por pessoas negras. Hoje, são 25%, em um trabalho coletivo e pautado por grupos de afinidades que auxiliam as lideranças a definir ações que impactam no que realmente importa. Temos diversos treinamentos, incluindo um letramento racial que já atingiu 70% dos nossos mais de 12 mil funcionários. Além disso, nos apoiamos em programas de benefícios, olhando para a agenda de gênero. Um deles é o de reprodução assistida, baseado em fertilização in vitro, congelamento de óvulos e inseminação artificial, no qual a PepsiCo subsidia os valores anuais para que as pessoas possam recorrer a essas alternativas no seu tempo e momento certo. Esses são apenas alguns exemplos que surgiram após a escuta dos grupos de afinidade.

Você afirma que diversidade é algo generalista e amplo, mas muitas vezes ela tem sido abordada de maneira restrita, priorizando apenas os recortes racial ou de gênero. Como driblar isso e incorporar outras frentes de atuação?

Tem uma questão aqui: o medo de empresas trabalharem com a diversidade em seus mais amplos aspectos. Mas é importante considerar que há aquele lugar de começo, onde muitas empresas escolhem um recorte específico para depois se aprofundar em outros. Mas um segundo ponto é olhar com atenção para a demografia da empresa. É possível ter uma empresa, por exemplo, majoritariamente feminina. Mas onde estão essas mulheres no organograma da companhia? Essa análise aprofundada pode ajudar a entender cenários internos e direcionar escolhas mais assertivas quando o assunto é diversidade, não apenas indo “na onda” de alguns temas. Por último, é preciso considerar o aspecto cultural, principalmente os valores que a empresa não abre mão de jeito nenhum. A diversidade precisa ser um desses valores, porque somente assim fará parte da estratégia da empresa como um todo e será levada a sério, com decisões vindas da liderança “número um”. Na PepsiCo, não sou eu que lidero essa agenda. É o Alexandre Carreteiro, nosso CEO.

Já falamos de reprodução assistida, de liderança feminina e igualdade racial. Olhando para todas essas ramificações que o tema pode ter, quais tendências você considera irrevogáveis quando o assunto é diversidade daqui para frente? Para onde as empresas e seus RHs deverão olhar no futuro?

Em primeiro lugar, a diversidade precisa ter mais clareza dentro da agenda ESG. Ainda há uma confusão sobre como incorporar o tema dentro dessas três letras, mas sem dúvida o G, de governança, deve ser uma prioridade. Não tenho dúvida também de que surgirão uma enxurrada de novos temas para estarmos atentos. A minha intuição, como alguém que já trabalha há 17 anos com recursos humanos, é que um dos aspectos fundamentais é olhar para o CEP, ou seja, conseguir se conectar com os extremos das cidades. Esse é um tema ainda pouco falado, mas é central para que empresas entendam as periferias do Brasil, suas realidades e potenciais sociais e econômicos. Por ali há talentos, potências e ideias que precisam emergir. O RH do futuro deve olhar para as periferias.

Jornalista de negócios, empreendedorismo e tecnologia. Passou por publicações como Exame, Época Negócios e Autoesporte, além de colaborar com reportagens especiais para a Gazeta do Povo. É vencedora do Prêmio de Destaque em Franchising na categoria Jornalismo de Revista pela ABF em 2022.