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Fusões e aquisições: como o RH deve atuar em um processo de M&A

Da integração de sistemas, remuneração e benefícios até processos de cultura e rituais, a área de Pessoas é peça chave para que a união de duas organizações dê certo; é preciso, porém, prestar atenção aos detalhes e ter empatia para extrair o máximo valor dessa união

Bruno Capelas
6 de fevereiro de 2023
Fusões e aquisições: como o RH deve atuar em um processo de M&A
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Toda empresa está sempre de olho em oportunidades para expandir seus negócios ou melhorar suas operações. Às vezes, essas possibilidades podem se encontrar fora da organização – e aí o caminho é fazer uma fusão ou uma aquisição, seja adquirindo uma companhia ou se integrando a uma corporação maior para seguir adiante. É um caminho cada vez mais comum no Brasil: segundo pesquisa da PwC, entre janeiro de 2021 e junho de 2022, aconteceram cerca de 2,5 mil M&As (fusões e aquisições) no país, um recorde histórico. Passar por uma operação dessas, porém, não é algo simples: envolve recursos, dinheiro, sistemas, tempo e, claro, pessoas – e se envolve pessoas, o RH precisa participar desses planos. 

Mais do que apenas presente, a área de Gente e Gestão é vista como fundamental por muita gente para que uma fusão ou aquisição funcione. “Quando se fala em M&A, as pessoas pensam muito no aspecto econômico, mas a parte mais importante para trabalhar em paz é o alinhamento de cultura entre as empresas que se unem”, diz Luiz Felipe Massad, CHRO da Omie, startup brasileira que adquiriu seis empresas desde o segundo semestre de 2021. 

“Quando se fala em M&A, as pessoas pensam muito no aspecto econômico, mas a parte mais importante para trabalhar em paz é o alinhamento de cultura entre as empresas que se unem”

Primeiros passos

Para Massad, o trabalho do RH em um M&A tem de começar até mesmo antes da negociação ser fechada. “Hoje, a gente faz um trabalho prévio para entender como a outra empresa funciona, quais são os valores, a cultura e as estruturas. O RH entra para mapear possíveis riscos, percebendo as diferenças na cultura, a mentalidade das lideranças. É claro que é um processo que sempre tem ruídos, mas a participação ajuda a passar segurança para todos os lados”, afirma o executivo. 

Um processo parecido acontece no QuintoAndar, no qual o RH faz uma análise das negociações junto com o time especializado em fusão e aquisição. “Buscamos entender o tipo de aquisição, tamanho da empresa, número de funcionários e as particularidades de cada time”, explica Juliana Machado, diretora de pessoas da startup imobiliária. “Um ponto importante que analisamos inclusive é o pacote de remuneração e benefícios que a empresa tem, o que pode afetar a precificação do acordo.” 

Juliana Machado, do QuintoAndar; e Luiz Felipe Massad, da Omie

Modelo parecido é adotado pela TOTVS, que já adquiriu mais de 40 empresas ao longo de sua história, embora algumas práticas sejam diferentes: como a companhia possui capital aberto, qualquer rumor vazado por uma negociação de compra pode acabar acarretando em punições no mercado. Assim, o processo costuma ser bastante sigiloso e só costuma acontecer de maneira oficial quando a negociação está pronta para ser anunciada ao mercado, explica Izabel Branco, vice-presidente de Relações Humanas da empresa de tecnologia. 

Xô, ‘rádio peão’

A comunicação para os times é um dos pontos mais importantes do processo, afirmam os executivos. “Um processo de M&A vem para validar a construção de uma empresa, mas gera muito medo nos colaboradores. Se no momento da comunicação não houver tato, a cultura que se criou anteriormente pode ficar estremecida”, conta Ingrid Barth, fundadora do banco digital Linker, adquirido pela Omie em novembro de 2021. Liderando um time de cerca de 60 pessoas, Ingrid diz que, após o anúncio coletivo, a liderança do Linker teve conversas individuais com a equipe, ouvindo seus medos e mostrando os benefícios da mudança.

Nem toda empresa pode fazer isso por questão de porte, mas a lição aqui é ter cuidado e empatia com a vida de todos – incluindo do time que receberá a nova empresa dentro da organização compradora. É uma das principais preocupações que o time do QuintoAndar procura ter na hora de fazer o anúncio. “É importante para nós contar o porquê da aquisição, deixar claro que todos vão formar nosso ecossistema de moradia, e também explicar onde cada empresa vai ficar dentro da nossa operação, para quem vai responder. Ter informação ajuda a acalmar as pessoas”, diz Juliana Machado.  

No caso de empresas menores ou de startups em estágio inicial, outra precaução é importante: “mostrar que o sonho não acabou”, como explica Tiago Vailati, sócio da consultoria de M&A Questum. Ele tem experiência no assunto: é um dos fundadores da Hiper, empresa de tecnologia que foi vendida para a Linx, que, por sua vez, foi adquirida pela Stone. O empreendedor esteve presente nos dois processos e aprendeu muito nesse sentido. “Quando se faz o anúncio, há muita euforia, mas depois começa a preocupação. Uma comunicação malfeita ou negligenciada acaba fazendo a ‘rádio peão’ ganhar poder, criando rumores que não existem. É preciso prestar atenção nisso: a empresa foi vendida, mas não morreu”, diz. 

Hora de integrar

Na visão de Vailati, para o RH que vai ser adquirido, é importante fazer uma lista de tarefas antes da negociação ser concretizada. Entre essas demandas, estão regularizar processos e passivos trabalhistas, organizar planos de remuneração e benefícios, bem como entender sistemas de comissionamento e até mesmo um organograma – algo que muitas empresas menores não possuem, com uma quantidade grande de pessoas respondendo diretamente para o dono ou CEO. “É fundamental mapear quem são as pessoas chave, porque elas não podem ir embora no dia seguinte à aquisição, senão tudo pode cair abaixo”, diz o sócio da Questum. 

No Quinto Andar, três são os principais pilares na hora de fazer a integração entre as empresas: cultura, remuneração e comunicação. “Sempre buscamos entender como impactar o menos possível a vida de quem está sendo comprado e quem está recebendo, o que significa que em nenhum dos acordos nós fizemos uma integração total para todos os processos”, diz Juliana Machado. “Em todos os casos, as empresas tiveram um período de adaptação antes da integração, até para as duas companhias entenderem quem eram de fato.” 

Na hora da integração, Luiz Felipe Massad, da Omie, diz olhar para três aspectos com muito cuidado. O primeiro é conhecer o organograma da empresa que está sendo adquirida e pedir explicações ao time. O segundo é compreender a cultura e os valores da novata, enquanto o terceiro é entender as expectativas da liderança sênior. “Com a integração, os papéis das pessoas mudam, e com isso muda autonomia, liberdade, atendimento, pontos importantes. O RH precisa fazer esse meio de campo, até para evitar o desengajamento das equipes por tabela”, diz Massad. 

Ingrid, do Linker, vai na mesma linha. “Se a pessoa não acreditar que a cultura vai dar continuidade ao que ela construir, é triste ver o sonho indo para um caminho não planejado. E é difícil porque não há certo nem errado, são apenas olhares diferentes”. Outro ponto importante de Linker e Omie foi olhar para os benefícios. “Uma das coisas que entraram no pacote da aquisição foi a extensão dos benefícios que a Omie já tinha para os nossos colaboradores, foi uma experiência bem positiva”, diz a empreendedora. 

Ingrid Barth, da Linker; Tiago Vailati, da Questum; e Izabel Branco, da TOTVS

Acostumada a fazer M&As, a TOTVS diz ter um time dedicado para integrações, que envolve não só o RH, mas também áreas como TI e facilites, além de um framework pronto para essa jornada. “É uma estrutura que olha para questões sindicais, benefícios, mapeamento de pessoas, remuneração, com inclusive um PMO que garante que todas as questões estão sendo contempladas, é uma varredura total”, conta Izabel Branco. 

O processo, porém, varia de acordo com o tipo de empresa que está sendo adquirida e sua função dentro da TOTVS – e ela usa o caso de duas companhias adquiridas numa janela de período recente, a RD e a Gesplan, para exemplificar. “A Gesplan tinha uma cultura muito parecida com a nossa, então já unificamos várias práticas. Já a RD, que veio antes, é uma empresa maior e que faz algo que a TOTVS não faz, de maneira que ainda não unificamos as coisas”, diz a VP da empresa. 

Capítulos finais

Como se pode imaginar, o processo de finalizar um M&A pode ser bastante longo – várias das empresas ouvidas para esta matéria afirmam ter casos em que a unificação das atividades demorou 2 anos ou mais. Não que isso seja ruim: em certas integrações, a pressa pode ser inimiga da perfeição. Um bom exemplo é a equiparação de cargos e salários entre as duas empresas. “Um cargo de gerente numa companhia pode ser equivalente ao de coordenador em outra. Não dá para fazer uma tradução imediata sem olhar a performance – e performance é algo que se percebe ao longo do tempo”, diz Massad, da Omie. “M&A é um processo que gera ansiedade, mas é preciso ter paciência, especialmente durante o primeiro ano após o negócio, que é um ano de adequação.”

Nesse caminho, a cultura é um ponto sensível, especialmente na hora de evitar a segregação entre as equipes, o “nós” contra “eles”. “Não acreditamos na cultura do conquistador. O QuintoAndar tem uma identidade forte, mas sempre buscamos fazer um molho secreto entre as duas empresas”, diz Juliana Machado. Um bom exemplo de como a startup imobiliária fez isso foi ao incorporar rituais das companhias adquiridas em sua rotina. 

“Quando compramos a [imobiliária] Casa Mineira, eles tinham uma cultura muito forte de vendas e tocavam o sino toda vez que uma transação importante era feita. Não tínhamos isso, mas achamos muito legal”, explica. “A mesma coisa aconteceu com a aquisição da [empresa argentina] Navent: lá, eles têm uma cultura de fazer um vídeo de final de ano meio cômico e nós trouxemos isso para o nosso summit esse ano.”

É preciso prestar atenção até às pequenas regras, diz Vailati, da Questum. Quando ele estava à frente da Hiper, era comum a empresa ter cerveja no final do expediente às sextas-feiras, algo que mudou após a aquisição pela Linx. “Mudanças como essa, ou benefícios ou plano de saúde, tudo isso faz com que as pessoas sintam a transição e até pensem em sair da empresa”, afirma ele. 

No QuintoAndar, o turnover de pessoas e o turnover de pessoas-chave são duas métricas importantes para avaliar o sucesso de um M&A, junto com o NPS dentro das empresas adquiridas. Já na TOTVS, uma das formas de resolver problemas de rituais e cultura foi criar um sistema de três pilares: o fix, o flex e o free. “O fix é aquilo que é inegociável para nós; o flex é o que deixamos a empresa escolher como fazer, do seu jeito, como as celebrações; já o free é algo que a gente deixa livre e que não precisa nem ser contado”, explica Izabel. 

Para ela, o mais importante é trazer sempre a visão de uma construção conjunta. “Se a TOTVS decidiu comprar uma empresa, é porque essa empresa tem algo que a gente não tem, para conquistarmos algo juntos”, afirma a executiva, que arremata: “Mais do que tudo, o RH tem uma importância central na empatia desse processo. Uma aquisição busca trazer pessoas para agregar valor, e o RH tem o papel de fazer essa conversa ser fluida, uma interlocução no nível mais humano, entendendo as questões dos dois lados”.

Fusões e aquisições: como o RH deve atuar em um processo de M&A
Bruno Capelas é jornalista. Foi repórter e editor de tecnologia do Estadão e líder de comunicação da firma de venture capital Canary. Também escreveu o livro 'Raios e Trovões – A História do Fenômeno Castelo Rá-Tim-Bum'.