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Liderança, desenvolvimento de pessoas e multinacionais: um papo com Viviane Besani, CHRO da Diageo Brasil

Com 25 anos de experiência no RH e sempre trabalhando em companhias globais, como BNP Paribas e Unilever, executiva hoje está preocupada com questões de liderança e desenvolvimento de pessoas; em entrevista a Cajuína, ela também fala sobre como é liderar o RH de uma empresa de bebidas, equilibrando celebração e responsabilidade

Bruno Capelas
5 de setembro de 2024
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“Viver a celebração é um lugar muito importante, mas com cuidado, agindo de forma coerente com o que é dito internamente e externamente”. A frase de Viviane Besani, diretora executiva de recursos humanos da Diageo Brasil, talvez defina bem o que é trabalhar numa empresa que fabrica bebidas alcóolicas: não dá só para pensar no happy hour, mas também na responsabilidade que uma companhia como essas, dona de marcas como Smirnoff, Johnnie Walker ou Ypióca, carrega. 

Há pouco mais de um ano no cargo, Viviane trouxe para a Diageo a experiência de quem teve uma carreira toda formada por companhias multinacionais: ao longo de 25 anos de trajetória, ela passou por duas décadas de Unilever e também liderou esforços de RH no banco francês BNP Paribas. “Em todas as empresas que eu passei, há uma busca de querer gerar resultados para os acionistas, mas também ter impacto positivo para a sociedade, criando um negócio de longo prazo e que olha para além das suas fronteiras”, diz a executiva. 

Na entrevista a seguir, além de contar como entrou no RH e repassar momentos e aprendizados de sua carreira, Viviane também fala sobre a diversidade dentro da Diageo e conta até como é preparar um happy hour corporativo na empresa. Ela também dá dicas para quem, assim como ela, vive o cotidiano complexo e multifacetado das multinacionais. “O primordial é construir uma relação de confiança e credibilidade, cumprindo com os acordos, os combinados, os compromissos. Quem faz isso gera confiança, que abre espaço para as conversas. Além disso, embasar o diálogo com dados e informações que as pessoas lá fora não têm é super importante”, diz a executiva. 

Ninguém nasce querendo ser RH. Como você chegou até a área?

É uma boa pergunta. Comecei estudando Engenharia Química na UFSCar: passei com ótimas notas no vestibular, mas as melhores eram em Humanas. Depois de um tempo, larguei o curso para fazer Psicologia em Ribeirão Preto – e entre um vestibular e outro, entendi que não podia ficar em casa esperando o tempo passar. Comecei a trabalhar como vendedora na Boticário, na época do Natal, e ali percebi que existia um mundo mais amplo, um mundo mais real – notei que tinha gente que não era como eu, que podia vender e depois voltar pra faculdade. Isso me ampliou. Quando fui fazer Psicologia, nunca quis atender clínica. Na mesma época, comecei a ler jornal no domingo para entender negócios e meu primeiro estágio em Ribeirão foi numa distribuidora de medicamentos, justamente no RH. Na época, eu tinha planos de fazer Mestrado e Doutorado, num compromisso típico de universidade pública, mas a vida me levou para outro lugar. Da distribuidora farmacêutica, eu fui para a Unilever, onde comecei na fábrica de Valinhos como analista de recursos humanos. 

Você ficou 20 anos na Unilever, em diferentes posições e expertises. Quais foram as principais transformações que você viu no universo do RH nesse período? 

A primeira foi no modelo de recursos humanos. Quando entrei, a companhia tinha um modelo mais tradicional e, a partir de 2004, 2005, a empresa montou o modelo que hoje é conhecido como centro de serviços, com a famosa posição de business partner. Ali, o RH sai de um lugar coadjuvante para uma posição protagonista, com as pessoas como parte da estratégia. Dessa evolução, veio muita inovação em tecnologia, como a questão da digitalização e busca por eficiência operacional. Outro lugar em que as coisas mudaram foi na discussão de diversidade e inclusão, que evoluíram para um lugar onde as organizações têm não só uma responsabilidade corporativa, mas também uma responsabilidade social. Além disso, vimos como esse tópico aumenta a performance e a inovação. Mais recentemente, com as big techs chegando e renovando as formas de trabalho, outra mudança está na provocação para as organizações tradicionais sobre novas formas de trabalho e metodologias ágeis. É claro que tem que se respeitar o que é uma empresa de tech ou de bens de consumo, são dinâmicas e rotinas diferentes, mas são boas provocações. 

Antes de sair da Unilever, as últimas posições que você ocupou por lá foram na área de desenvolvimento humano. O que mudou nessa área em específico nesse período? 

Havia um lugar de repensar as formas de atrair talentos. Hoje em dia, as pessoas não ficam tanto tempo na companhia como eu fiquei, mas havia programas de atração de talentos em pessoas recém-saídas das universidades, com a expectativas que elas chegassem a ser presidentes. Fomos assertivos em enxergar esses talentos com potenciais: se pegar as principais companhias do Brasil, vários presidentes passaram pela Unilever. A discussão sobre construir talentos do futuro era muito importante. Outro grande desafio era a escassez de talentos: todo mundo competia por talentos e potenciais, o que gerava uma necessidade de formação muito maior. A gente tinha uma busca por promover o desenvolvimento das pessoas para ampliar esse celeiro, desenvolvendo muita gente para que o Brasil crescesse junto. Hoje, vemos muitas empresas fazendo trabalho de formação, especialmente em tecnologia, o que é muito importante. 

Após duas décadas, você saiu da Unilever e foi para o BNP Paribas, em uma indústria diferente e cultura diferente. Como foi essa transição? 

Depois de 20 anos, não foi fácil: eu tinha uma carreira bem sucedida, mas sentia que precisava me desafiar e ver como eu funcionava em outros lugares. Foi uma mudança da água pro vinho, ainda que haja características comuns. Em todas as empresas que eu passei, há uma busca de querer gerar resultados para os acionistas, mas também ter impacto positivo para a sociedade, criando um negócio de longo prazo e que olha para além das suas fronteiras. É claro que o modelo de negócios do BNP Paribas era diferente – e eu fui trabalhar na área de seguros, que era ainda mais tradicional, mais formal, mas que tinha serviços de tecnologia mais avançados. Por outro lado, quando cheguei lá, me disseram: você vai cuidar de pessoas – e isso não é diferente. Mas houve a cereja do bolo nessa transição complexa, que foi a pandemia: tivemos que adotar o home office em três semanas, na velocidade da luz, e garantir comunicação – como uma boa empresa francesa, o BNP Paribas é muito cuidadoso com as pessoas, esse é um traço forte da cultura. Eu queria sair da zona de conforto, mas com a pandemia, não sei se queria sair tanto assim. Acho que o sucesso que eu tive veio de líderes que me apoiaram nessa transição: a liderança foi essencial para perceber o que eu podia agregar e o que eu precisava olhar de forma diferente, especialmente porque enquanto a Unilever tem posições mais definidas, no BNP Paribas eu precisava olhar para todos os aspectos, da estratégia ao operacional. 

Depois de quatro anos, você decidiu voltar para a indústria de bens de consumo com a Diageo. Foi uma volta pra casa? 

Apesar de ser uma indústria de bens de consumo, a Diageo tem uma característica diferente: bebida não é algo que faz parte do dia a dia, é diferente de sabonete ou pasta de dente. A Unilever era uma empresa de bens de consumo massificada, enquanto a Diageo traz esse lugar da celebração, um espaço que tem que ser criado, e criado com muita responsabilidade – no consumo responsável, sem acesso ao jovem, sem criar dependência. Por isso eu vim pra Diageo: se fosse uma empresa parecida com a Unilever, não teria vindo. 

É importante isso que você falou da bebida: de um lado, ela é a celebração. Do outro, existe um peso social enorme quanto ao abuso do álcool. Como é liderar o RH de uma empresa como essas e manter o equilíbrio nas discussões? 

Tudo começa no posicionamento. Hoje, a Diageo tem um programa forte para treinar jovens em escolas públicas sobre não consumir álcool antes dos 18 anos. Temos um programa de responsabilidade quanto a direção e álcool: todo mundo passa por um assessment na empresa. Se alguém tomar uma cerveja ou um whisky, não vai pegar carro, vai de Uber, não tem essa de ser “só uma cervejinha”. Em um dia de happy hour da empresa, por exemplo, as pessoas têm direito ao táxi ou Uber de volta para casa. Hoje, também existe um processo que vincula a bebida ao masculino, então temos um programa para formar profissionais para o mundo da hospitalidade, em que 50% das vagas vão obrigatoriamente para mulheres. E isso passa para o universo de atração de talentos: quando você conta que tem práticas responsáveis, como focar no consumo de bebida sempre acompanhada de álcool ou de alimento, isso agrada às pessoas. A gente entende que o consumo é possível e que buscamos promover a celebração, é um lugar bacana depois da pandemia. Depois do que a gente viveu, viver a celebração é um lugar muito importante, mas com cuidado, agindo de forma coerente com o que é dito internamente e externamente. 

Tudo começa no posicionamento.

A Diageo é uma empresa que tem uma grande diversidade de geografias e de consumidores, abrangendo marcas como Ypióca ou Blue Label. Como essa diversidade se reflete dentro da empresa? 

Eu vejo a diversidade como uma jornada. Hoje, temos 53% de colaboradoras mulheres e 28% de pessoas pretas – e esse é um espaço que a gente ainda tem para aumentar a representação. Mas buscamos também a inclusão, e posso citar algumas histórias aqui. Uma que eu guardo com muito cuidado é a de uma colaboradora que se emocionou em um café da manhã virtual que fizemos com quem trabalha nas fábricas e em campo. Ela disse que ficava muito feliz com a existência do Journey, um programa para aprendizes trans que temos na fábrica da Ypióca, porque ela é mãe de um homossexual. Outro relato é de que a filha de um colaborador é apaixonada pela Diageo porque ele é deficiente auditivo e teve uma oportunidade de emprego aqui. Uma colaboradora negra disse que filmava nossos eventos para mostrar para a sobrinha, para dizer que tinha “pessoas iguais a nós” dentro da companhia. Quando ouço histórias como essa, sei que não temos os melhores números, mas sinto que estamos no caminho certo da inclusão. É uma jornada que buscamos promover, inclusive pelas nossas marcas, seja na ligação de Smirnoff com a comunidade LGBTQIA+ ou Old Parr patrocinando feiras de negócios de pessoas pretas. É aí que a potência se faz. 

Ao longo da sua carreira, você trabalhou em três multinacionais diferentes. O quanto é possível, dentro desses espaços, ter políticas locais e não seguir apenas os padrões das matrizes? 

É importante dizer que políticas e práticas globais são importantes para gerar mais eficiência, tendo padronização do que acontece. Mas temos espaço para adequar e adaptar o que vem, sempre. Quando se está em uma empresa multinacional, existe um lugar muito forte, que é o do diálogo e da influência: mostrar lá fora sua realidade e trazer processos e políticas adaptados à realidade. Esse programa que eu citei, de aprendizes trans, o Journey, foi criado aqui. Quando se cria um programa de estágio afirmativo para pessoas negras, têm que explicar que isso é possível no Brasil, porque em alguns países tais programas são interpretados de maneira diferente. Globalmente, a Diageo tem uma meta focada em etnias para não ser uma organização eurocêntrica, buscando ter mais latinos e asiáticos. Para nossa realidade, porém, essa meta não faz sentido, já que somos todos latinos; a meta racial é muito mais importante, uma vez que mais de 50% da população brasileira é representada por pessoas negras. Eu quero que essa camada da população evolua e esteja em posições sênior, e para isso, é preciso muito diálogo e muita conversa.   

Nesse cenário, como se fazer escutar? 

O primordial é construir uma relação de confiança e credibilidade, cumprindo com os acordos, os combinados, os compromissos. Quem faz isso gera confiança, que abre espaço para as conversas. Além disso, eu colocaria uma pitada de dados: embasar o diálogo com dados e informações que as pessoas lá fora não têm é super importante. 

E como promover o diálogo dentro da companhia? 

Como alguém que trabalha em RH, meus maiores aprendizados surgiram quando eu não ouvi o colaborador. Aprendi muito cedo que é preciso ouvir, co-construir, colaborar e explicar os porquês. Tudo isso faz parte do diálogo. Qualquer diálogo começa com escuta ativa, com o lugar de estar presente, entendendo e escutando realmente o que está sendo dito. É tratar todos como adultos, mostrando o que é possível e o que não é. Hoje em dia, fazemos 10 mil coisas ao mesmo tempo – foi uma das coisas que a pandemia trouxe e que não foram boas. Quantas vezes você tem gente participando de reuniões que não está presente? A escuta ativa e o estar presente é super importante para o diálogo e para a eficiência – se não, ninguém faz nada direito, o tempo fica aos cacos e as coisas não avançam. 

Aprendi muito cedo que é preciso ouvir, co-construir, colaborar e explicar os porquês. Tudo isso faz parte do diálogo.

Hoje, quais são os seus principais desafios como líder de RH na Diageo? 

Vejo três desafios. Um é o do cuidado com os colaboradores, em termos de bem-estar, saúde física e saúde mental. É um tema que as organizações não podem resolver sozinhas porque as questões são amplas, mas temos o papel de oferecer ferramentas para que cada colaborador tenha esse lugar de cuidado com ele e com a família. Outro pilar é um lugar de desenvolvimento e escuta, promovendo oportunidades e reconhecendo oportunidades de desenvolvimento. Saímos da época em que a gente precisava ir para a sala de aula para aprender: hoje, temos zilhões de oportunidades de aprendizado – e essa entrevista é uma delas para mim. Nesse sentido, tem ainda o desenvolvimento das lideranças. Um líder do passado era o líder do “faz assim, faz assado”. Hoje, não:é preciso lidar com diálogo, com abertura, com orientação das pessoas e com desejos que são diferentes. Muitos jovens hoje buscam qualidade de vida e não necessariamente uma carreira. Há pessoas que querem ter múltiplas carreiras, um trabalho adicional, e lidar com essa diferença é importante. Acho que desenvolvimento de liderança é importante na agenda hoje e gosto da ideia de construir junto, porque não há receita cultural. Um terceiro pilar é a evolução cultural: como é possível evoluir o negócio com uma cultura mais colaborativa, que erra e aprende, que toma decisões rápidas e é baseada na curiosidade, vendo o que está acontecendo lá fora. Não são pontos que me tiram o sono, mas são ideias que tomam bastante do meu tempo hoje.

Como é organizar o happy hour de uma empresa de bebidas? 

Não é tão difícil! Temos um bar no escritório. Na fábrica, claro, o happy hour não é permitido por conta da segurança dos colaboradores, isso tem que acontecer em momentos separados. Mas no escritório é só juntar a galera e ir para o bar, com todas as nossas bebidas. Mas o happy hour é sempre com horário reduzido, com bastante água e comida. Não é tão difícil – e nem deveria ser. 

E que tipo de interação você gosta de ter num happy hour corporativo? 

Sabe o que eu gosto? Quando eu recebo um abraço de um colaborador! Sentir o calor humano e a proximidade é muito bom: embora eu esteja no comitê executivo, eu sinto que não existe essa distância, mas sim que existe uma proximidade pra gente celebrar o sucesso das pessoas e da organização. É algo que me deixa muito feliz. 

Para fechar, queria saber se você tem alguma dica de livro para quem leu essa entrevista? 

Vou falar de um livro que li recentemente da Mary Del Priore, chamado Sobreviventes e Guerreiras. É um livro que conta a história do Brasil sobre a perspectiva da diversidade, contando a história da mulher e do seu papel de 1500 a 2000. Eu adoro História e entender as razões porque as coisas são do jeito que são. Também queria recomendar o Dare to Lead, o podcast da Brené Brown, que é uma autora super reconhecida.

Bruno Capelas é jornalista. Foi repórter e editor de tecnologia do Estadão e líder de comunicação da firma de venture capital Canary. Também escreveu o livro 'Raios e Trovões – A História do Fenômeno Castelo Rá-Tim-Bum'.