Programas de desenvolvimento interno de talentos estão em alta e movimentam o mercado de recursos humanos, além de promoverem a diversidade nos negócios
Desafios da diversidade por Silvana Bahia, da PretaLab e Olabi
Criadora de uma iniciativa que promove a inclusão de mulheres pretas na tecnologia, a profissional fala sobre o impacto que a diversidade pode gerar nas empresas
Quando a jornalista carioca Silvana Bahia começou a trabalhar com tecnologia, logo percebeu que mulheres pretas como ela eram raridade no mercado. Os números também corroboram com essa percepção: segundo pesquisa da Brasscom realizada com 845 mil profissionais de empresas de tecnologia no Brasil, apenas 11% são mulheres negras ou indígenas.
Desse incômodo que sentiu, ela criou a PretaLab, plataforma que tem como objetivo incluir mulheres negras em tech e inovação por meio de ciclos formativos, redes e consultorias para grandes empresas como Google, OLX Brasil e ThoughtWorks. Desde 2017, o projeto, que faz parte da Olabi, ONG da qual Silvana é uma das diretoras executivas, já promoveu oportunidades para mais de 700 profissionais. “Isso é de um impacto social e econômico imenso. Trabalhamos hoje para mudar uma situação estrutural que é grave”, diz.
De lá para cá, Silvana também entrou para a lista do The Future Laboratory das 100 pessoas inovadoras mais importantes do mundo, recebeu o prêmio Protagonista Brasil, País Digital concedido pelo Movimento Brasil, e participou do programa Lauttasaari Manor Residency, na Finlândia, onde colaborou com o projeto Anti-Racism Media Activist Alliance (ARMA).
A seguir, ela compartilha algumas de suas percepções sobre diversidade e conta o que tem visto no mercado.
Por que é importante que as empresas tenham mais mulheres pretas na tecnologia?
Quando comecei nesta área e procurava no Google o termo “mulheres pretas na tecnologia”, simplesmente não encontrava imagens, mesmo que a busca fosse feita em inglês.
As ações precisam vir do topo da empresa para baixo. Não é só uma questão de RH ou de D&I. Precisa estar comprometida e entender que diversidade é um valor: é investir suas horas na amplitude do letramento da diversidade. Esse movimento acontece principalmente por pressão global dentro das empresas.
Estimular a participação de pessoas fora do padrão não é uma questão meramente assistencial ou paternal: é econômica, por performance melhor e inovação. Você não compra diversidade. Você investe em diversidade. Vai além de uma palestra pontual.
Na Olabi, por exemplo, lançamos um guia que orienta gestores a pensarem em equipes plurais e ano que vem queremos atualizá-lo não apenas com a sensibilização, mas com boas práticas.
De acordo com uma pesquisa da British Council, apenas 5% dos brasileiros possuem algum conhecimento do idioma inglês. Então, será que é realmente necessário incluir essa exigência, que se torna até discriminatória,ou a empresa pode investir no desenvolvimento deste funcionário?
Se as empresas são parte do problema, também devem ser parte da solução. Estimulamos, da porta pra dentro, que mudem suas políticas.
E quais são os impactos da diversidade nas organizações? Como mensurá-los?
Os impactos são diversos, a iniciar pelas próprias pautas sociais e de gênero. Para as empresas, os impactos maiores certamente estão na ampliação de repertório cultural dos times, que criam soluções para produtos e serviços de forma mais criativa.
Em pouco tempo, acredito que precisaremos realizar novos levantamentos e entender como a gente vai mensurar o impacto da diversidade em diversos campos. Mas até os indicadores teremos de rever – as réguas precisarão ser mais criativas.
Qual é o papel das lideranças neste cenário e como elas têm recebido essa demanda?
Os executivos, quando estão muito comprometidos, têm medo de errar e se expor. Neste cenário, buscamos criar um ambiente com segurança psicológica. Ninguém nasce sabendo, e quando a gente se vulnerabiliza, a gente aprende.
Temos observado também grandes organizações investindo apenas na contratação. Isso é ótimo, mas resulta em grande evasão, já que quando as pessoas chegam nas empresas, há um ambiente opressor.
Os processos seletivos intencionais são importantes, mas o trabalho da porta para dentro também é para que as pessoas se sintam pertencentes. Contratar e demitir custa caro. Precisamos investir e formar lideranças a médio e longo prazo com esta mentalidade.
Os processos seletivos intencionais são importantes, mas o trabalho da porta para dentro também é para que as pessoas se sintam pertencentes.
E você acha que os espaços nas empresas estão abertos?
O maior desafio desta e das próximas décadas é lidar com a diversidade. É uma questão e uma necessidade global, pressão da política e da sociedade civil. E no Brasil a discussão é ainda mais urgente devido ao racismo e ao machismo vivenciados diariamente. Não vamos conseguir resolver um problema de mais de 500 anos em um mês, mas precisamos começar.
Empresas são feitas por pessoas, e nem sempre elas querem ter incômodos. Inclusive, em minhas consultorias – para empresas como Oi, Globosat, Microsoft, Selina, entre outras – , gosto de trocar a palavra diversidade por diferença. Como as pessoas vivenciam as diferenças? Isso emergiu com força e é uma pauta recorrente.
Em cinco anos de PretaLab, quais foram os maiores exemplos que você já vivenciou nos projetos?
Na plataforma, temos atualmente mais de 700 mulheres cadastradas que conseguiram emprego e/ou atuam na tecnologia. Isso é de um impacto social e econômico imenso, especialmente considerando que é uma população vulnerável. Trabalhamos hoje para mudar uma situação estrutural que é grave. As participantes dos nossos ciclos formativos saem muito mais empoderadas emocionalmente e psicologicamente – além do conhecimento técnico, claro.
Em 2019 você passou três meses na Finlândia participando de um projeto antirracismo. Dá para relacionar o que você viveu lá com o Brasil?
Essa residência foi muito importante na minha vida. Aprendi muito sobre diversas culturas, conheci os afro-finlandeses, coletivos de mulheres e imigrantes que estão de alguma forma também buscando diálogo sobre a disparidade de salários, machismo e outras questões.
A Finlândia é muito conhecida por ser inovadora em sua educação. Lá, todos vão pra escola e têm aulas multidisciplinares: música e artes, por exemplo, e todos têm as mesmas oportunidades. E percebi também que quando há alguma iniciativa, as pessoas se incentivam e se fortalecem. A competitividade é menor.
Mas toda vez que estou fora do Brasil, também aprendo muito sobre o nosso país. Enquanto os finlandeses são ótimos para seguir regras, nós temos resiliência e flexibilidade. Se uma linha é construída com diversos tijolos, e falta um deles, nós buscamos uma forma de continuar e construir do mesmo jeito. Somos criativos por excelência, e isso também é ser inovador.
O Brasil é um país muito criativo. E por qual motivo não estamos nas bibliografias de inovação?
Isso se deve também ao nosso sentimento de vira-lata e país colonizado, e é importante olharmos mais para dentro.
O mototáxi, por exemplo, é uma inovação incrível de mobilidade. Chega em lugares que outros meios de transporte não chegam e facilita a vida de muitas pessoas. Isso é uma inovação social muito grande. A favela e a periferia estão, diariamente, encontrando inovações importantes para seus problemas e desafios.
Compreendi também que tudo muda muito rápido. A única certeza que temos é a incerteza, e que a resiliência é fundamental – assim como aprender a aprender cada vez mais.
E como dar conta de tantas demandas?
Tenho uma relação desequilibrada com o trabalho, porque sou muito envolvida e tenho um propósito muito forte – mas entendo que o propósito é seu karma e seu dharma. Minha terapeuta sempre diz que “se você está no olho do furacão, deixe o vento te levar”. É preciso também praticar o desapego e ter espaço para outras coisas na vida.
No Olabi, construímos e desconstruímos o tempo todo. Prototipamos e criamos muitas soluções, então essa cultura para nós é muito forte. Na pandemia, tive ainda mais certeza que as coisas que são mais valiosas pra mim são o tempo e o axé, a energia para realizar.
Você é considerada uma das 100 pessoas inovadoras mais importantes do mundo pelo The Future Laboratory, ou seja, inspira muitas pessoas. Quem e quais são suas referências?
Tenho muitas: Sueli Carneiro, filósofa, escritora e diretora do Geledés — Instituto da Mulher Negra. Considerada uma das principais autoras do feminismo negro no Brasil; Jurema Werneck, Diretora Executiva da Anistia Internacional Brasil; Satiya Umoja Noble, autora do livro “Algoritmos da Opressão; Viola Davis, entre outras.
Também sou muito musical, e cito Racionais MCs e Marisa Monte. Os shows dela são um espetáculo, com muita tecnologia e artes visuais.
Também tenho grande admiração por meus amigos: Bruno F. Duarte, Yasmin Thayná, minhas grandes amigas do audiovisual, que sempre trabalham muito; E minha mãe, que é uma grande referência pra mim, de resistência e resiliência.
Você tem se inspirado em algum livro, filme ou podcast?
O episódio do podcast Mano a Mano com a Sueli Carneiro é fantástico. Mano Brown tem feito um trabalho incrível, em um lugar de aprendizado e vulnerabilidade; O livro “O pacto da branquitude”, de Cida Bento; Todos os livros da Bell Hooks; Projeto Querino, de Tiago Rogero, que traz um levantamento histórico fantástico e que explica o Brasil atual; E o podcast História Preta, apresentado por Thiago André. É um trabalho fantástico, daqueles que olho e penso: “gostaria demais de ter feito”.
Para finalizar, o que você gostaria que todo profissional do RH soubesse?
Gostaria, na verdade, que todos soubessem que todas as empresas têm várias caixinhas, e muitas vezes o RH apanha e é o que tem menos recursos para grandes mudanças. Todo o sistema, de todas as áreas e lideranças, deveria entender e ter consciência da desigualdade que vivemos neste país. Isso é o que faz com que as políticas sistêmicas sejam mudadas.
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